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Religião.


Paradoxo1996

Qual sua religião?  

280 votos

  1. 1. Votem aí, galera. Só por curiosidade das crenças ou descrenças marombas.



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"— E não será difícil fazê-lo. Ponhamos de lado as razões de ordem histórica e psicológica que levam certa inteligência, um número bem elevado de intelectuais, a se colocarem numa posição que eu preferiria chamar de nihilista, porque na verdade tende para o nada. Há duas maneiras de filosofar: uma positiva e outra negativa. A primeira busca afirmações e coloca positividades, e sobre elas erige o edifício de uma cons-trucção filosófica segura. A segunda posição predica a negação, a ausência de qualquer base suficiente. Mas a verdade é que o negativismo não se sustenta por muito tempo, se lhe fôr feita uma análise mais consentânea. Senão vejamos: a negação tomada em si mesma é nada, absolutamente nada. Se digo não, digo nada. Se digo não isto ou aquilo, nego isto ou aquilo. Tomada em si mesma, pois, a negação é absoluta; é relativa quando é a negação de alguma coisa. Ora o sustentáculo de tudo quanto há, aparece, surge, devem, vem-a-ser, transforma-se, transmuta-se, seja o que fôr, não pode ser uma negação pura e simples, mas somente uma negação de alguma coisa, ou seja em função de alguma coisa. Não é possível que o sustentáculo de tudo quanto há seja negativo, mas positivo. O que sustenta é uma presença, e não uma ausência total. Consequentemente, a afirmação tem de preceder necessariamente à negação; uma afirmação positiva, uma positividade tem de anteceder a tudo. E é a essa positividade que em todos os pensamentos cultos do mundo chamou-se ser. O ser é pois, de qualquer modo, antecedente a tudo; a afirmação antecede necessariamente a negação, e esta não pode ser compreendida sem aquela. Portanto, há um ser de qualquer modo, um SER que não é apenas a sigla de uma companhia de transportes, como já houve um tolo que assim o chamou, mas uma positividade, uma realidade, que antecede na ordem da eminência, na ordem cronológica, na ordem ontológica e na ordem ôntica a qualquer outro aspecto negativo.

 

Nenhuma posição, por mais céptica que seja, poderia negar a realidade de uma afirmação, a afirmação de uma positividade. Pode o céptico negar validez ao conhecimento humano, ou pôr dúvidas sobre o mesmo; ou seja, flutuar seu pensamento, sua mente, sem decidir-se em afirmar com convicção que sabe ou que não sabe. O que, contudo, não pode fazer é afirmar a negação absoluta como fonte e origem de tudo, e terá, de qualquer modo, de partir da afirmação de que há alguma coisa sobre a qual êle desconhece o que seja, como seja, não, porém, que seja. Mesmo um louco, que tal afirmasse, estaria negando as suas palavras apenas em pronunciá-las. Não há negação por parte do nosso espírito, mas apenas a recusa de atribuir-se algo a algo. Não há uma função absolutamente negativa, porque se tal se desse, ela aniquilaria tudo e afirmaria o nada absoluto, o que é absurdo, porque teria de afirmar a ausência total e absoluta de qualquer coisa, o que estaria negado pela própria acção de negar, que afirmaria a acção de recusar.


O cepticismo, deste modo, não pode ser absoluto, porque então cairia no mesmo erro em que cai o dogmatismo absoluto. Na discussão que mantive com Josias, comprovou-se que era impossível o cepticismo absoluto, e creio que não há mais necessidade de prosseguir num caminho que já ficou suficientemente esclarecido."

 

Fonte: DOS SANTOS, Mário Ferreira. As filosofias da negação e da afirmação. Págs. 44-46.

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Bom,cansei de tentar falar isso com minhas palavras,vou deixar um ótimo artigo aqui sobre isso.

 

Um Exame crítico do Argumento Cosmológico kalam

Wes Morriston

http://spot.colorado.edu/~morristo/kalam-not.pdf

Departamento de Filosofia

Universidade de Colorado , Boulder

(From Ray Martin and Christopher Bernard, eds., God Matters (Longman, 2002), 95-108)

O Argumento Cosmológico kalam(KCA)[1] têm duas partes. A primeira delas tenta mostrar que há uma causa primeira para o universo e pode ser adequadamente resumida como segue:

1.Tudo que começa a existir têm uma causa para sua existência.

2.O universo começou a existir.

3.Logo, o universo têm uma causa para sua existência.

A segunda(e muito menos simples e direta)parte de KCA tenta mostrar que a causa do universo é uma pessoa poderosa – algo como o Deus do teísmo. Apenas uma causa pessoal, segunda KCA, poderia produzir um universo cujo tempo teve um início.

Em “Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo”[2], Willian Lane Craig defende intensamente ambas as partes do KCA. Acreditando que a premissa 1 acima é tão obviamente verdadeira que nenhuma pessoa sã poderia duvidar dela, ele concentra a maior parte de sua atenção na premissa 2, oferecendo dois arguementos filosóficos contra a possibilidade de um passado infinito. Ele também destaca a “confirmação científica” para a afirmação de que o universo teve um começo. Finalmente, Craig rapidamente apresenta a segunda parte de KCA, argumentando (i) que a causa do universo precisa ser eterna, e (ii) que a eterna causa de algo que começa a existir precisa ser uma pessoa.

Neste ensaio, irei levantar várias objeções para ambas as partes de KCA. Tentarei mostrar(i) que elas dependem fortemente dos dois argumentos filosóficos contra o passado infinito; (ii) que nenhum dos argumentos filosóficos contra o passado infinito são bem sucedidos; (iii) que quando estes são aplicados para eventos ocorrendo no começo dos tempos, a premissa 1 é muito mais problemática do que Craig considera; (iv) que o argumento não oferece nenhuma evidência a criação apartir do nada; e (v) que o argumento para a afirmação de que a causa primeira deve ser uma pessoa não pode ser sustentado no contexto do tipo de teísmo que Craig deseja defender.

1.PRIMEIRO ARGUMENTO FILOSÓFICO CONTRA O PASSADO INFINITO.

Se a série de eventos passados não têm início, o passado consistiria em uma série de infinitos eventos, onde todos teriam realmente ocorrido. Isso é possível? Craig acha que não. Uma série de infinitos eventos já ocorridos seria um conjunto infinto real, e ele acredita que um infinto real não pode existir fora do campo das ideias.

Para nos convencer disso, Craig pede para imaginarmos uma biblioteca contendo uma infinidade de livros, numerados de zero em diante. Tal biblioteca teria algumas propriedades bem peculiares. Por exemplo, alguém poderia adicionar um número infinito de livros a tal biblioteca sem aumentar o número de livros nela. Alguém poderia remover os três primeiros livros , e a biblioteca não teria nenhum livro a menos. Craig pensa que é óbvio que tal biblioteca não pode existir na realidade. E mesmo Deus não poderia criar uma biblioteca com infinitos livros.

Vamos pausar por um momento, e tentar ver o que está acontecendo. Porque a biblioteca não teria qualquer livro a mais, independete de quantos livros fossem adicionados a coleção? Porque ela não teria livros a menos mesmo se certos livros fossem removidos? A razão é que existe uma “Correnspondência um a um” entre o conjunto de livros na biblioteca anterior e o conjunto de livros posterior a mudança.

Para ver como isso funciona, suponha que todos os livros de números ímpares tenham sido removidos. Nós podemos mapear a coleção de livros obtida após a remoção( B = conjunto só com números pares) com a coleção anterior à remoção(A = conjunto com ímpares e pares) da seguinte maneira : deixemos o livro #0 de ( B ) correspondendo ao livro #0 de (A), o livro 2# de ( B ) com o livro 1# de (A), o livro 4# de ( B ) com o livro 2# de (A), e assim por diante. Temos então uma correspondência um a um(biunívoca) entre os livros da coleção anterior e os da coleção posterior à remoção de todos os ímpares.

Agora, segundo o Princípio da Correspondência(PC), como é chamado pelos matemáticos, temos:

PC => Se dois conjuntos podem ser colocados numa correspondência um a um(biunívoca), eles precisam ter o mesmo número de elementos.

Isso implica que não existem menos livros na coleção que teve todos os seus membros ímpares removidos.

Craig considera isso absurdo – deveriamos ter mais livros ímpares e pares na coleção anterior à remoção do que o número de livros pares na nova coleção. Então ele conclui que deve haver algo de errado com toda a ideia de uma coleção infinita. Tais coleções simplesmente não podem existir na realidade.

O argumento de Craig neste ponto assume como verdadeiro um princípio geral que merece ser explicitado. Denominado por ele como “Máxima de Euclides”(EM) (Após o quinto axioma de Euclides).[3]

EM => O todo é maior do que qualquer uma de suas partes.

Tomando PC e EM, Craig pensa que pode mostrar que não existem conjuntos infinitos reais. Pois, se existissem, poderiamos posicionar todos os membros numa correspondência biunívoca com uma mera parte(um subconjunto[4]) dele mesmo. Por PC,isso mostraria que o conjunto não têm mais membros que suas partes, contrariando EM.

Segundo Craig, o Princípio da Correspondência(PC) e a Máxima de Euclides(EM) são intuitivamente plausíveis. Ambos são obviamente verdadeiros para todos os conjuntos finitos. Nós encontramos problemas apenas quando tentamos aplicá-los a conjuntos infinitos. Então, a atitude mais racional é simplesmente negar que existem conjuntos infinitos reais fora do campo das ideias. E já que a série de eventos passados existe em nossa realidade, Craig conclui que não podem existir infinitos eventos passados. O passado precisa ter um começo – um primeiro evento que antes do qual não haviam outros.

Quão forte é o argumento de Craig contra a possibilidade de uma infinito real? A primeira coisa a destacar é que a Máxima de Euclides sobre o todo e as partes não diz nada sobre o número de elementos no conjunto. No máximo, EM implica que, tomando o todo, um conjunto é maior do que uma mera parte(um subconjunto) dele. Isso é importante por que o argumento de Craig assume a afirmação de que um conjunto infinito não seria “maior” do que suas partes, e por que existe um sentido perfeitamente simples em que um conjunto infinito é maior do que seus subconjuntos, sendo também maior do que seus subconjuntos com infinitos membros.

O próprio exemplo de Craig irá deixar isso claro. Existe um óbvio sentido em que sua biblioteca imaginária possue “mais” livros do que qualquer uma das partes dela, mesmo não havendo nas partes um número diferente de livros. Por exemplo, a biblioteca como um todo é “maior”(“mais vasta”)do que a parte dela que possue apenas os livros de número 3 ou mais, simplesmente em virtude do fato de ela ter os livros 0,1 e 2 assim como os livros de número maior. Tudo isso é por si um sentido perfeitamente legítimo da palavra “maior” – que é logicamente independente da questão, “Qual é o número de livros nos dois conjuntos?”

Existe, então, um sentido completamente intuitivo em que qualquer conjunto – mesmo um infinito – é “maior” do que suas partes. Não por que o número de elementos no conjunto maior é necessariamente superior ao número de elementos do conjunto menor – mas simplesmente em virtude do fato de que o maior “contém” todos os elementos do menor e mais alguns que o menor não contém. Isso, por si só, sem qualquer referência ao número de elementos em ambos os conjuntos, é suficiente para tornar um “maior” do que o outro. Quando a palavra “maior” é entendida dessa forma , a biblioteca infinita de Craig não viola o princípio de que “o todo” é maior do que suas “partes”.

Então EM por si só não irá deixar o argumento de Craig fora do contexto. Para tal, o argumento dele precisa ser como o princípio a seguir :

EM* => Um conjunto precisa ter um NÚMERO de elementos maior do que o NÚMERO de elementos de seus subconjuntos.

Agora todos concordariam que enquanto EM* é verdadeiro para conjuntos finitos, não ocorre o mesmo para conjuntos infinitos. Mas o que deveriamos concluir disso? Que não podem existir conjuntos infinitos? Ou simplesmente que EM* é verdadeiro para conjuntos finitos, mas não para todos os conjuntos?

Como poderiamos decidir? O apelo de Craig para as alegadas propriedades “absurdas” de um conjunto infinto real não irá resolver a questão, já que o “absurdo” dessas propriedades depende da verdade de EM*.

Parece que chegamos a um impasse. Craig pensa que , obviamente , algo como EM* precisa ser verdadeiro para todos os conjuntos, e que um infinito real é por isso impossível. Os oponentes dele pensam que um infinito real é possível, sendo EM* verdadeiro apenas para conjuntos finitos. Existe alguma maneira de decidir quem está certo?

Uma maneira de quebrar o impasse seria parguntar se conhecemos algum conjunto que realmente têm(ou poderia ter)infinitos membros. Vários candidatos foram propostos.[5]Eu vou apresentar apenas um deles.

Considere uma pedaço finito de extensão espacial. Ele pode, como sabemos bem, ser divido em sub-regiões, cada uma delas pode ser dividida novamente em sub-regiões ainda menores, e assim por diante ad infinitum. Parece, então, que dentro de qualquer região de espaço, existem infinitas sub-regiões.

Craig conhece bem essa alegação. Sua objeção é que o espaço não é composto por pontos.[6]Por isso não existem fronteiras naturais dentro de um certo pedaço de espaço, daí as várias sub-regiões não existem como sub-regiões até a divisão ser realmente feita(pelo menos no pensamento). Uma vez que nunca alcançaremos um ponto em que todas as divisões possíveis já foram feitas(sempre poderemos – em princípio – dividir novamente), Craig pensa que o número de sub-regiões é apenas potencialmente infinito. O que nos deixaria sem um bom exemplo de um infinito real.

Eu penso que Craig está errado quanto a isso. Enquanto é verdade que não podemos fazer um número infinito de sub-divisões em uma região do espaço, isso não significa que as sub-regiões não estão lá antes de qualquer divisão possível. Nem a falta de fronteiras naturais em uma região de espaço resolverá a questão a favor de Craig. O que temos com a falta de fronteiras naturais é que as infinitas sub-regiões não existem desassociadas de uma maneira específica de dividir as coisas.

Não é difícil apresentar uma descrição em que o número de sub-divisões co-existentes é infinito. Isso não precisa ser feito pouco a pouco – pode ser feito em um único “golpe”. Assim como podemos especificar o conjunto dos números naturais todos de uma vez com uma única regra, “iniciando com um, adicionamos outro ao montante ad infinitum”, também sugiro que podemos especificar todas as sub-regiões de uma dada região R de espaço pela regra, “iniciando com R, divido os resultados das últimas divisões pela metade ad infinitum.” Não precisamos contar com pontos de divisão natural dentro de R para aplicar esta regra a R. Nem faz-se necessário completar a série de divisões em ordem para saber que, segundo esta regra, temos um infinito real – e não meramente um infinito potencial de sub-regiões.

2.O SEGUNDO ARGUMENTO FILOSÓFICO CONTRA O PASSADO INFINITO.

Craig têm um segundo argumento filosófico contra o passado infinito. Mesmo se infinitas coisas puderem existir em um mesmo momento, Craig acha que a série de eventos passados não poderia ser um infiniro real. Ele resume seu argumento da seguinte maneira:

a. A série de eventos no tempo é uma coleção formada adicionando um membro após o outro.

b. Uma coleção formada adicionando um membro após o outro não pode ser um infinito real.

c. Logo, a série de eventos no tempo não pode ser um infinito real.[7]

Provavelmente ninguém irá rejeitar a primeira premissa. Ela apenas diz que em qualquer série temporal de eventos, os membros da série ocorrem sucessivamente, um após o outro. Um evento é decorrido, depois um outro, e assim por diante, até o último evento na série. Mas e sobre a segunda premissa? Porque uma coleção formada por este passo a passo não poderia ter infinitos membros. A resposta de Craig é que uma coleção infinita nunca seria completada. Independente de quantos membros tenham sido adicionados a coleção, você sempre poderá adicionar um a mais. Não interessa quantos eventos tenham ocorrido, o número de eventos passados será apenas finito. Nós nunca alcançaremos uma infinidade.

A segunda premissa é obviamente verdadeira para qualquer série com um começo no tempo. Considere, por exemplo, a série de anos que começou exatamente a 100 anos atrás. Uma centena de seus membros já ocorreram. Mas independente de quantos anos sejam adicionados, apenas uma quantidade finita de anos será obtida. A coleção nunca terá infintos membros.

Mas e quanto a séries que não possuem um começo no tempo? Porque não poderiamos ter uma série de anos na qual não haveria um primeiro ano? É verdade que em tal série nós nunca “alcançariamos” uma infinidade, mas isso ocorre apenas por que a infinidade, por assim dizer,”sempre já estaria lá”. Em qualquer ponto da série, infinitos anos já teriam ocorrido.

Craig acha que isso é impossível. Se infinitos anos precisaram ter ocorrido antes de um dado ano, então, este ano nunca seria alcançado. Craig ilustra sua posição da seguinte maneira:

…imagine que encontremos um homem que afirma vir contando eternamente, e agora ele está terminando: -5, -4, -3 , -2, -1, 0. Agora isso é impossível. Pois poderiamos perguntar, porque ele já não terminou sua conta ontem, antes de ontem ou um ano antes? Como uma infinidade de momentos já ocorreram, ele já deveria ter terminado. De fato, nunca encontraremos ninguém completando tal tarefa, pois em qualquer momento anterior, ele já terá terminado-a.[8]

Esse não é um bom argumento. Pois confunde “ter contado infinitos números”

com “ter contado todos o números negativos até 0”. Realmente, o homem sempre já teria completado uma de suas tarefas; mas não teria completado sua segunda tarefa até alcançar o zero. Quando ele alcançou o -1, completou uma tarefa diferente – a de contar todos os membros na série . Quando ele alcançou o -2, completou uma outra diferente tarefa – a de contar todos os membros na série,. E assim por diante.

Sem dúvidas poderiamos ter alguém contando desde sempre(sem início) e terminando em zero a qualquer momento do passado infinito. Mas Craig não nos dá um bom motivo para pensarmos que esse alguém têm que existir ou que a pessoa que conta eternamente em seu exemplo teria que ser a pessoa que já completou a conta. Consequentemente, nossa objeção a defesa de Craig da premissa ( b ) continua vitoriosa. Essa premissa mantém-se verdadeira para qualquer série com um começo – se você começa em um ponto de uma série infinita, nunca irá completá-la.Mas isso não nos diz nada quanto ao fato de uma série sem começo ser ou não possível.

3.NÃO TERIA DEUS SEMPRE EXISTIDO?

Mas suponha que Craig esteja certo, e que o passado teve um começo. Você poderia perguntar há quanto tempo ele pensa que Deus existe. Já que Deus não começou a existir, não deveria existir desde sempre? E não estaria aí um infinito real do mesmo tipo que Craig diz ser impossível? A resposta de Craig é interessante.

Deus era atemporal “antes” da criação, e criou o tempo junto com o mundo.

Daquele ponto, Deus colocou-se no tempo e só então pôde interagir com o mundo que ele criou.[198]

Isso parece incoerente. Se Deus existe em um momento “anterior” à criação, como ele poderia ser atemporal naquele MOMENTO? Mas isso não é o que Craig quer dizer. O tipo de “anterioridade” que ele têm em mente não é uma anterioridade temporal – é uma “anterioridade” do tipo que existe entre uma causa e seu efeito. Deixe-me explicar:

Craig acredita que é possível para uma causa e seu efeito ocorrerem simultaneamente. Por exemplo, pode-se pensar que a pressão para trás de um homem na almofada causa uma depressão nela, embora estes eventos sejam simultâneos. Mas mesmo em casos como esses, a relação causal é assimétrica – a causa é a fonte do efeito, não valendo o caminho de volta. Neste sentido, a causa é “anterior” ao seu efeito.

É assim que precisamos entender a alegação de Craig de que Deus é atemporalmente “anterior” à criação do tempo. Como criador do tempo, Deus é “causalmente anterior” ao próprio tempo. E isso ocorre mesmo não havendo(obviamente) nenhum tempo antes da criação do tempo. Como algo “anterior à”

(além da)criação do tempo e do universo Deus é atemporal.

Por outro lado, Craig também insiste que ao criar o tempo, Deus “colocou-se no tempo e só então pôde interagir com o mundo que ele criou.” Embora Deus – como criador do universo e do tempo – seja atemporal, Craig insiste que a vida de Deus em relação ao mundo que ele criou é temporal. A vida de Deus no tempo, por assim dizer, começou com a criação. Subsequente a criação, Deus têm um passado e este passado têm um começo, que foi originado com a criação do tempo e do universo.

Existe uma pequena e extremamente importante ressalva que Craig não menciona em “Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo.”Os quatro “proeminentes astrônomos” que ele cita e aprova em seu ensaio afirmando que é “Sem sentido” perguntar o que “ocorreu antes do Big Bang.”[9]Essa citação poderia levar uma pessoa a supor que para Craig não faz sentido perguntar se havia tempo antes da criação do nosso universo físico. Mas essa não é a posição dele. Diferente dos astrônomos, Craig deseja deixar aberta a possibilidade do começo do tempo ser anterior a criação do mundo físico. Em outro ensaio, ele escreve:

…Suponha que Deus veiu contando até a criação, “1, 2, 3,… ,fiat lux! Nesse caso, a série de eventos mentais sozinha é suficiente para estabelecer uma sucessão temporal anterior ao começo do tempo físico em t = 0. Poderia haver um tipo de tempo metafísico baseado na sucessão de contagens conscientes da mente de Deus anteriores ao princípio do tempo físico. Por isso, faz sentido falar tanto da causa do Big Bang como do início do universo.[10]

Nesse cenário, o tempo físico do universo é criado em t = 0 quando Deus diz. “Fiat lux” (“Que haja luz”). Mas a criação do tempo físico ocorre dentro de um tipo de tempo mais fundamental – “o tempo metafísico”, como Craig o chama. Todavia, essa série mais fundamental de tempo também teve um começo. Para propósitos expositivos Craig usualmente assume que ela foi criada junto com o tempo físico. Mas na passagem citada acima ele admite outra possibilidade – a de uma série de eventos que antecederam a criação. Na ilustração imaginária de Craig, o tempo metafísico começa no número 1 da contagem, e toda a série de eventos entre o primeiro momento e a criação do universo ocorre antes do primeiro momento do tempo físico.

A natureza do tempo metafísico e sua relação com o tempo físico representam extensas e difíceis questões que vão além do escopo desse ensaio.[11]Mas por razões que se tornarão aparantes em breve, é importante notarmos que Craig aceita a possibilidade de uma série de eventos anterior – o tempo metafísico – ao início de nosso universo.

4. CONFIRMAÇÃO CIENTÍFICA.

Na sessão 1 e 2 eu tentei mostrar que os dois argumentos filosóficos de Craig contra a possibilidade do passado infinito fracassam. Mas você poderia pensar que isso não importa muito, já que os cientistas mostraram que o universo, muito provavelmente, teve um início – e que quase certamente começou com um grande “Bang” por volta de 15 bilhões de anos atrás. Então, o argumento de Craig não receberia todo o suporte que precisa, mesmo se os argumentos filosóficos falharem?

Infelizmente, as coisas não são tão simples. O que as considerações científicas mostram é apenas que o nosso universo físico muito provavelmente teve um início. O que aconteceu(ou se nada aconteceu) antes do começo do nosso universo – e mesmo se houve ou não algum “antes” – é uma questão inresolvível através das evidências científicas. As descobertas nas ciências empíricas não eliminaram a possibilidade de nosso universo ser o produto de eventos ocorridos em um tempo anterior ao início de nosso espaço-tempo.

Pode parecer para você sem sentido falar em um tempo anterior ao início do espaço-tempo, já que este foi criado junto com nosso universo. Mas isso de nada servirá para Craig, já que, como vimos no final da sessão anterior, ele pensa que pode haver um outro tipo mais fundamental de tempo – o tempo metafísico – que não depende da existência de nosso universo. Então, na própria visão de Craig, no mínimo poderia existir uma série de eventos ocorrendo em um tempo metafísico anterior ao início do nosso universo.

Isso é importante, por que significa que podemos contar com a possibilidade de uma série temporal de causas e efeitos anterior ao início do nosso universo. Talvez o univeso foi produzido por alguma coisa, que por sua vez foi produzida por uma outra coisa, e assim por diante ad infinitum. As considerações científicas não descartam essa hipótese. Para evitar a possibilidade de tal regresso, Craig precisa confiar em seus argumentos filosóficos contra o passado infinito. E se esses argumentos falham, o início de nosso universo poderia (depois de tudo que Craig mostrou) ser meramente o mais recente de uma série sem começo de causas e efeitos.

A versão mais discutida dessa possibilidade é a chamada hipótese do “Universo Oscilante”. Nela, o universo se expande e se contrai. Cada cíclo começa com um “Big Bang” e termina com um “Big Crunch”. E dessa forma temos um passado infinito completamente possível.

Craig pensa que existem evidências científicas de sobra para refutar a hipótese do universo oscilante. Por exemplo,ele destaca que não existe matéria negra suficiente para reverter a expensão do universo e causar um “Big Crunch.”[12]Mas mesmo se isso estiver correto, saberemos apenas que o padrão da ascilação não continuará. E não saberemos nada sobre o que precedeu(ou se nada precedeu)o big bang. Porque pensar que no cíclo anterior – se é que houve um – não havia mais matéria negra do que no cíclo atual? Ou mesmo,porque pensar que no cíclo anterior teriamos as mesmas leis físicas que governam o cíclo atual?

Nesse ponto, sem dúvidas, Craig diria que não existe suporte empírico para dizer que os cíclos anteriores continham mais matéria negra do que o atual. E ele também poderia destacar que não existe suporte empírico para qualquer tipo de série infinita de causas e efeitos. Isso é verdade, sem dúvidas. Por outro lado, ao menos que os argumentos dele contra o passado infinito sejam bem melhores do que eu penso que são, uma série infinita de causas e efeitos no tempo metafísico mantém-se uma possibilidade lógica. E mesmo na falta de suporte empírico, não fica óbvio que ela é inferior a hipótese de Craig – em que uma pessoa atemporal administra a criação do tempo e coloca-se dentro dele. Não devemos descartar a possibilidade de nenhuma de nossas hipóteses sobre a origem do universo ser verdadeira. Talvez, apenas não temos o suficiente para escolhermos entre as possibilidades lógicas, e a coisa mais certa a ser dita é que simplesmente não sabemos como ou por que o universo passou a existir.

5. O INÍCIO PRECISA TER UMA CAUSA?

Mas suponha que o passado seja finito, e que existiu um primeiro evento na série de eventos direcionada até o presente. Para simplificar, vamos assumir que este primeiro evento coincide com o início do nosso universo.

Isso nos leva a nossa próxima questão. A premissa 1 do KCA é verdadeira? Tudo que começa a existir – mesmo o primeiro evento na história do tempo – precisa ter uma causa? Craig pensa que é desnecessário dar uma extensa defesa a essa colocação. “Qualquer pessoa em sua sã consciência poderia”, ele pergunta,”realmente acreditar que um tigre furioso poderia repentinamente passar a existir incausado, apartir do nada, agora nesta sala?”[13]Provavelmente ninguém o faria. Craig, então, nos pede para aplicar esta “intuição” para o começo do universo, e a questão da primeira premissa de KCA se torna encerrada para ele.

Mas certamente temos uma precipitação aqui. É claro que ninguém acha que um tigre poderia saltar para a existência “agora nesta sala.” Mas antes de pular para as conclusões, precisamos perguntar os motivos. O que torna isso tão óbvio? Será, como Craig parece supor, que todas as pessoas normais acreditam na premissa 1 de KCA, e aplicam isso no caso do tigre. Chamaremos isso de explicação “por cima”. Ou seria mais por que temos muita experiência com animais(e outras coisas materiais de tamanho médio), e sabemos que tais coisas não “pipocam” para existência de tal maneira? Chamemos isso de explicação “por baixo”.

A explicação “por baixo” destaca o fato de estarmos lidando com um contexto familiar – que é formado por nossas experiências coletivas com o mundo em que vivemos e com a forma que ele opera. Essa é nossa base de conhecimento daquele contexto – nosso conhecimento empírico sobre a ordem natural – que torna tão prepóstero supor que um tigre poderia “pipocar” para a existência sem causa. Nós sabemos de onde os tigres vêm, e que não é dessa maneira que as coisas acontecem.

Agora contraste essa situação com o início do tempo e do universo. Não havia nenhuma lei familiar no comando, exatamente por que não havia nada(leia, “não havia qualquer coisa”) anterior a tal início. Nós não temos experiências com mundos se originando para sabermos que os mundos não surgem daquela maneira. Nós nem temos experiências com qualquer coisa remotamente análoga a “singularidade inicial” que aparece na teoria do big bang para a origem do universo. A sensação de absurdo com o aparecimento de tigres e similares apartir do nada não nos autoriza rápido e facilmente a fazer inferências sobre o início de toda a ordem natural.

No entanto, Craig pensa que é ainda mais óbvio que o universo(e o tempo) não poderia ter passado a existir incausado. Seu motivo é que antes do início de um universo incausado, não deveria existir absolutamente nada. Imediatamente após a passagem do tigre citada acima, ele escreve, “Se antes da existência do universo, não existia absolutamente nada – nem Deus, nem espaço, nem tempo – como o universo poderia vir a existir?[14] Craig pensa que essa é uma correta aplicação do princípio medieval de que “Nada vêm do nada” (ex nihilo nihil fit) – um princípio que ele acredita ser tão obviamente verdadeiro que ninguém poderia negá-lo sinceramente. Em outro ponto, ele escreve:

. . . Se originalmente não houvesse absolutamente nada – nem Deus, nem espaço, nem tempo -, como então, o universo poderia vir a existir? A verdade do princípio ex nihilo, nihil fit é tão óbvia que eu penso que estamos justificados em dispensar uma defesa mais elaborada da primeira premissa do argumento.[15]

Vamos pensar um pouco. É como se Craig estivesse dizendo que, se existiu uma situação em que não havia absolutamente nada, então – em tal situação – nada poderia vir a existir. Isso é um não senso. O “total nada” não é um tipo esquisito de “alguma coisa.”Ele não é uma situação “em” que outra coisa “possa” ou “não possa” estar. “Nada” apenas significa “coisa nenhuma.”

O que mais Craig queria dizer com “se originalmente não houvesse absolutamente nada, então nada passaria a existir?” Talvez ele quis dizer apenas algo assim:

(NA) Se não tivesse existido nada, então nada teria existido.

NA é indubitavelmente verdadeiro. Se não existisse “coisa alguma” – nem mesmo tempo – nada viria a ser qualquer coisa – nem mesmo um “passar-a-existir” do universo. Mas eu duvido que isso seja tudo o que Craig têm em mente, já que nada de interessante é obtido de uma afirmação tão trivial.

Não é de surpreender, portanto, que Craig à vezes deslize falando como se a questão fosse sobre a possibilidade de alguma coisa “saltar para a existência” apartir de uma situação temporalmente anterior em que não havia nada. Na seguinte passagem, por exemplo, ele escreve:

…Virtualmente ninguém jamais desafiou a premissa de que se no passado não houvesse nada, então nada existiria agora.

….O velho princípio ex nihilo nihil fit parece ser tão evidentemente verdadeiro que uma negação sincera desse axioma é praticamente impossível.[16]

Já que dificilmente houve um estado das coisasem não havia tempo, isso soa como se Craig entendesse o princípio, ex nihilo nihil fit, da seguinte maneira:

(NT) Se, em um dado momento, não houvesse nada(exceto tempo), então, nada passaria a existir.

Mas isso não dará a Craig o que ele deseja, já que mesmo se isso for verdade, NT não implica que o primeiro evento – o evento que antes do qual não havia tempo – precisa ter uma causa.

Se tanto NA como NT não oferecem o que é preciso aqui, existiria algo mais que Craig poderia querer dizer com sua frequente repetição da frase, “do nada, nada surge?” Eu penso que existe. Eu suspeito que no fundo essa seria apenas uma maneira confusa de dizer que tudo que passa a existir precisa ter uma causa(algo do que a coisa provém). Mas se isso é tudo, então o grande princípio medieval é simplesmente uma reafirmação da premissa 1 do argumento kalam, não oferecendo nenhum suporte adicional. Certamente, isso não nos diz nada de útil sobre o início de toda a ordem natural – ou sobre a necessidade de uma causa em um momento que antes do qual não havia tempo.

Pode haver algo mais para ser dito contra essa alegação de que poderia haver uma causa para toda a ordem temporal de eventos. Muitos filósofos defendem que uma causa precisa preceder seu efeito no tempo. Se eles estiverem certos, isso implica que o primeiro evento não poderia ter uma causa.

A natureza da causalidade é outra longa e difícil questão que vai além do escopo desse ensaio, mas é interessante observar que alguns dos vários filósofos citados por Craig como defensores do seu princípio de causalidade também defendem que as causas precisam preceder seus efeitos no tempo. Por exemplo, a famosa análise da relação causal de David Hume explicitamente inclue essa exigência. E em uma passagem citada por Craig, C. D. Broad diz que não pode acreditar que alguma coisa possa vir a existir “sem ser causada por algo mais que existiu antes e durante o momento em que a coisa em questão passou a existir.”[17] Isso é obviamente inconsistente com o relato de Craig sobre a criação, já que de acordo com esse relato, não existia tempo antes do primeiro evento. Não podendo, por isso, a causa existir antes e durante o momento em este evento primeiro ocorreu.

Eu não estou certo sobre o que Hume, broad e o outros diriam se pensassem que o tempo teve um início. Eles concluiriam(como Craig) que algumas causas não precedem seus efeitos no tempo? Ou eles simplesmente diriam que o primeira evento(diferente dos posteriores) não poderia ter uma causa? Não tentarei resolver essa questão aqui. Mas é importante observarmos que para sustentar o argumento kalam, Craig têm que tomar posições controversas em inúmeras questões discutíveis relativas a natureza do tempo e da causalidade. Ao contrário do que Craig suponhe, portanto, um adulto são pode ter sinceras – e completamente racionais – dúvidas sobre o escopo da premissa 1 do argumento kalam.

6. CRIAÇÃO A PARTIR DO NADA?

Como o título “Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo sugere, Craig acredita que pode mostrar, não apenas que o universo foi criado por uma pessoa, mas que foi criado apartir do nada. Seu argumento para essa segunda afirmação apela para a teoria do big bang pela qual o universo emergiu de uma partícula infinitamente densa que explodiu há aproximadamente quinze bilhões de anos atrás.

Esse evento que marcou o início do universo se torna ainda mais fantástico quando refletimos sobre o fato de um estado “infinitamente denso” ser sinônimo de “nada.” Não pode haver nenhum objeto com uma densidade infinita, pois se este tivesse algum tamanho, não seria infinitamente denso.Isso ocorre por que ao voltarmos no tempo, ele alcança um ponto em que, nas palavras de fred Hoyle, o universo estava “Encolhido até o nada.”Por isso, o que o modelo do big bang requer é um universo com um início e que foi criado apartir do nada.[18]

O argumento segue no geral assim:

a. De acordo com a teoria do big bang, o universo foi criado apartir de uma partícula infinitamente densa.

b. Não pode haver nenhum objeto de densidade infinita.

c. Logo uma “densidade infinita” é sinônimo de nada.

e. Por isso, a teoria do big band implica na criação do universo apartir do nada.

Esse argumento é extremamente confuso. Um ponto torna o passo c obviamente falso. “Densidade infinita” não é sinônimo de “nada”, e a singularidade inicial que aparece na teoria do big bang não é simplesmente o nada. Um mero nada não poderia explodir, como a singularidade inicial supostamente fez. E mesmo se ela não possuisse espaço e tempo, teria outras propriedades. Para leigos, ela tinha a propriedade de ser “infinitamente densa.”Sendo então, algo completamente excepcional, e não um simples nada.

Mas isso não é tudo. Se a premissa b é verdadeira – se é mesmo verdade que “não pode haver um objeto de densidade infinita”, então, essa versão da teoria do big bang é simplesmente falsa, já que afirma esse tipo de objeto existi.

Até agora, então, parece que a teoria do big bang não ofereceu nenhum suporte para a afirmação de que o universo foi criado apartir do nada. Em outro lugar, porém, Craig explica sua posição de forma diferente.

Em tal modelo o universo origina-se ex nihilo no sentido de que não existeu ponto no espaço-tempo mais antigo que a singularidade inicial e não existiu mesmo qualquer coisa antes desta singularidade.[19]

Nessa passagem, Craig não nega que uma partícula infinitamente densa poderia existir. Nem ele fala que a “singularidade inicial” é um mero “nada.” O que ele diz, pelo contrário, é que nada precede a singularidade inicial no tempo, e que, supostamente, isso mostra que a singularidade inicial foi criada apartir do nada. O argumento segue dessa forma:

d. A singularidade existiu no mais antigo ponto do espaço-tempo.

e. Não existu tempo antes do mais antigo ponto do espaço-tempo.

f. Logo, não houve nada temporalmente anterior a singularidade inicial.

g. Então, a singularidade inicial deve ter sido criada apartir do nada.

Existem pelos menos dois problemas com esse argumento. Por razões já apresentadas na sessão 3 acima, eu não penso que a teoria do big bang torne verdadeira a premissa (e). Mesmo se fosse certo que o espaço-tempo começou com a singularidade, isso não implicaria que o tempo metafísico começou com o primeiro momento do espaço-tempo. Recordando que na visão de craig, Deus poderia ter criado o tempo antes de criar o espaço-tempo de nosso universo. Isso implica que poderia existir algo anterior ao mais antigo ponto no espaço-tempo (t=0), e nesse caso a premissa (e) seria falsa. De toda maneira, a premissa (e) poderia ser verdadeira – o tempo metafísico e o espaço-tempo poderiam começar juntos. Mas já que a teoria do big bang não diz nada sobre o tempo metafísico, Craig não pode consistentemente afirmar que essa teoria mostra que isso ocorreu com o tempo metafísico.

Mas suponha que o primeiro momento do tempo metafísico coincidio com o t = 0 do espaço-tempo de nosso universo. Isso ainda não nos dá uma criação ex nihilo. Apenas nos mostra que nosso universo não teria sido criado apartir de algo existente antes de t = 0. Com isso o passo (g) do argumento não segue de f sem uma premissa adicional:

h. Se não houve nada temporalmente anterior a singularidade inicial, então ela foi criada apartir do nada.

Essa premissa adicional é verdadeira? Isso vai depender de que tipo de coisa existe fora do tempo. De acordo com craig, nós sabemos que Deus, como causa primeira do universo, existiu fora do tempo e “antes” da criação do universo. Mas porque supor que Deus é o único ser possível de existir fora do tempo? Porque também não poderia ter existido uma “coisa” atemporal que Deus usou para formar o universo?

Craig acha que pode descartar essa possibilidade com base no fato de que matéria e energia são naturalmente temporais. Mas porque supor que isso seria o único tipo de “coisa” com o que Deus poderia fazer o universo? É verdade que não estamos familiarizados com nenhum tipo de “coisa” capaz de realizar esse papel. Mas , da mesma forma, não encontramos pessoas atemporais, e Craig não vê problema com esse conceito. Então, porque não poderia ter existido uma “coisa” atemporal com a qual Deus poderia ter feito seu trabalho?

Um sábio filósofo uma vez disse, “Nossa corda é muito curta para sondar tal abísmo.”[20] Eu concordo – nós apenas não temos meios suficientes para responder a questão. Mas estou certo de uma coisa – a teoria do big bang não põe a solução do problema numa criação ex nihilo.

7.A CAUSA PRIMEIRA PRECISA SER UMA PESSOA?

Nosso tópico final é o argumento onde Craig afirma que a causa primeira precisa ser uma pessoa. É um argumento difícil, e a apresentação de craig é bem breve. No geral, é expressado como a seguir.

Nós sabemos que a causa do início do universo(seja lá que tipo de evento tenha sido) precisa ser eterna. Do contrário, seria uma das coisas que começaram a existir, e precisaria de uma causa como ocorre com o próprio universo.

Agora, as causas naturais – causas “mecânicas”, como Craig as chama[21] – são suficientes para seus efeitos. Elas produzem seus efeitos tão logo certas condições relevantes são atendidas. Por isso, se esse tipo de causa não tivesse um começo, seu efeito também não teria um começo. Por exemplo, se a temperatura estiver fria o suficiente e pelo tempo suficiente , qualquer porção de água em volta irá necessariamente cogelar. Então, se sempre houve água a uma temperatura menor do que 0°, ela sempre teria estado congelada.

A questão é que se uma causa for suficiente para seu efeito, e a causa for eterna, o efeito precisa ser eterno também. E se tivermos esse tipo de causa para o universo,ele também precisa ser eterno.

Craig pensa que mostrou que o universo não é eterno. Como então, ele pergunta, o universo poderia ter uma causa eterna? Acabamos de ver ela não pode ser uma causa eterna mecânica. Mas que tipo de causa eterna poderia ser?

Craig pensa que existe um outro tipo familiar de causa que oferece uma resposta para essa questão. Em adição as causas mecânicas que automaticamente produzem seus efeitos, eles diz que existem as causas pessoais. As pessoas são agentes livres que têm o poder de causar toda sorte de coisa, e elas não precisam causá-las, podendo existir plenamente sem causar vários efeitos que são capazes de causar.

Suponha, por exemplo, um homem que está sentado. Ele pode, a qualquer momento, decidir levantar-se, mas também pode escolher manter-se sentado. Ele têm o poder para decidir a maneira de agir – cabendo inteiramente a ele determinar quando ou mesmo se vai ou não levantar-se. Se ele decide levantar-se, então ele, sozinho, é a causa de sua decisão. Diferente de uma causa meramente mecânica, este homem têm o poder de existir plenamente sem exercer o poder de produzir certos efeitos que ele pode causar.

Essa é uma afirmação completamente controversa. Muitos filósofos acreditam que a verdadeira causa da decisão de uma pessoa não é simplesmente a própria pessoa, mas vários fatores psicológicos em ação dentro da pessoa – como crenças, valores e preferências, sendo estes por sua vez produtos de outras causas. Diferente desses filósofos, Craig afirma que a pessoa – e não algo mais ocorrendo dentro dela – é sozinha a causa de suas próprias decisões. E na mesma exata situação, com os mesmos exatos desejos e crenças em andamento, nosso homem sentado poderia decidir tanto manter-se sentado como levantar-se.

Vamos supor, pelo menos para o bem do argumento, que Craig está certo sobre isso. Isso implica que existem pelo menos dois tipos de causalidade radicalmente diferentes no mundo. Por um lado, temos as causas mecânicas que não podem iniciar seus efeitos; por outro lado, temos as causas pessoais que têm o poder para iniciar seus efeitos, sendo livres para determinar como, quando ou mesmo se irão exercer esse poder.

Diante desse embasamento teórico, podemos ver por que Craig pensa que a causa primeira precisa ser uma pessoa. Como, ele pergunta, a causa do universo pode ser eterna, enquanto o próprio universo teve um início? Nós já vimos que uma causa eterna mecânica poderia ter apenas um efeito eterno. Mas o que dizer sobre uma causa eterna pessoal? Craig acha que uma pessoa eterna pode causar um efeito temporal. Aqui está sua explicação.

… um homem sentado desde sempre pode desejar levantar-se; Por isso, um efeito temporal poderia surgir de um agente que sempre existiu. De fato, um agente pode desejar desde sempre criar um efeito temporal, de forma que nenhuma mudança no agente precise ser concebida.[22]

Suponha, então, que a causa do universo seja uma pessoa eterna. Isso não implica que o universo é eterno – já que a causa pessoal do universo pode ter “desejado desde sempre” produzir um universo com um começo no tempo. Craig pensa que essa é a única maneira de explicar por que o universo não é eterno: “A única maneira de termos uma causa eterna e um efeito temporal parece ser com uma causa que é um agente pessoal que livremente escolhe criar um efeito no tempo.”[23]

Existem várias questões difícies aqui. A causa pessoal opera da forma que Craig pensa? Ou ela é sempre analizável em termos de outras coisas ocorrendo dentro da pessoa? A causa pessoal é a única alternativa para a causa mecânica? Ou poderia haver algum outro tipo de “causa eterna” que não produziria necessariamente um efeito eterno? Eu não irei aprofundar-me mais nessas questões aqui, mas existem outras objeções ao argumento de Craig que eu gostaria de desenvolver. E para ver como elas funcionam, precisamos voltar um pouco e focar na maneira que as pessoas se relacionam com as coisas que elas causam.

Quando uma pessoa se levanta, ela faz seu corpo mover. Mas ela faz isso produzindo uma outra mudança em si mesma – uma mudança mental. Ela decide que agora é hora de levantar-se – criando a intenção de levantar-se imediatamente – e esta mudança mental causa a mudança na posição do corpo. Uma pessoa pode ficar sentada em um banco por um bom tempo sem decidir levantar-se, uma vez que sua decisão de “levantar-se agora” é feita, o efeito é produzido imediatamente – sendo até mais rápido do que o congelar da água quando posta abaixo de zero.

Então, como ficaria essa questão envolvendo Deus e a Criação? Aparentemente, Deus precisa escolher criar, ou a criação não vai ocorrer. Essa escolha de Deus é a causa imediata do início do universo. Agora, você poderia pensar que a escolha de Deus é uma mudança na mente dele. Mas Craig nega que seja dessa forma.

Com “escolha” não me refiro a uma mudança na mente dele. Eu quero dizer que Deus sempre teve a intenção de criar o mundo no tempo.[24]

Não é difícil de ver por que Craig não quer dizer que “escolher criar” é uma mudança em Deus. O Deus proposto por Craig é onisciente. Ele não pode tomar decisões da forma que eu e você tomamos, por que ele sempre já saberá o que ainda vai fazer. (você não toma uma decisão a respeito do que fazer se você já souber o que ainda vai fazer.) Então, naturalmente, Craig conclue que a decisão de Deus é eterna – e que Ele “sempre teve a intenção de criar o mundo no tempo.”

Mas isso cria um problema diferente para a explicação de Craig sobre a criação. Nós vimos que a decisão de Deus de criar o universo é a causa imediata dessa criação. Mas agora, temos que a decisão de Deus é eterna. Então, pelos princípios de Craig, como deixaremos de concluir que o universo é tão eterno quanto a decisão de Deus de criá-lo.

Para reforçar, Craig também diz, “Deus escolhe eternamente criar um mundo com um início.”[25]

Mas é difícil ver como isso é possível. Você irá recordar que o argumento de Craig para mostrar que a causa primeira precisa ser uma pessoa segue assim:

a. Uma causa eterna suficiente precisa ter um efeito eterno.

Mas, presumivelmtente, Craig não pensa que Deus precise de alguma ajuda iniciar a criação. Então, é natural supor que :

b. A escolha de Deus de criar “um mundo com um início” é suficiente para produzí-lo.

Mas, nós já aprendemos que :

c. A escolha de Deus de criar “um mundo com um início” é eterna.

Dessas três premissas temos que:

d. “Um mundo com um início” é eterno.

Essa conclusão é obviamente absurda. Um “mundo com um início” não pode ser eterno. Então, como ( d ) vêm das premissas ( a ),( b ) e ( c ), uma delas têm que estar errada. Mas qual?

Estou simplesmente inclinado a negar que a eterna vontade de Deus de criar o universo, devidamente entendida, seja suficiente para a existência do universo…[26]

Como isso é possível? Certamente, Craig não acha que Deus falha em realizar o que ele “eternamente escolhe.” Aqui vai sua explicação:

… [N]ão é suficiente relatar a origem do universo citando apenas Deus, sua atemporal intenção de criar o mundo com um início, e seu poder de produzir tal resultado. Deve haver o exercício do poder causal de Deus para o universo ser criado. … [nós precisamos] diferenciar a intenção atemporal de criar um mundo temporal e o ato de criar um mundo temporal.[27]

Craig agora distingue a eterna vontade de Deus de criar um mundo do real exercício do poder de fazer o que Ele almeja.

– sua eterna intenção de criar de seu “ato” de cumprir sua intenção. O “ato” de criar o universo é presumidamente suficiente para a existência do universo, e o universo passa a existir tão logo Deus realiza esse “ato”. Mas isso não torna o universo eterno porque o “ato” (diferente da intenção original) não é eterno. Já que Deus se coloca no universo quando Ele comete o “ato” de criá-lo, este “ato” ocorre no primeiro momento do tempo, e é, por assim dizer, o primeiro dos eventos que Deus causa.

Mas, certamente, isso apenas empurra o problema para a relação entre a eterna vontade de Deus e o “ato” de executar sua intenção anterior. Se a vontade de Deus de criar é suficiente para seu ato de criar, então pelo princípio de Craig o ato têm que ser eterno. Por tanto, Craig têm que negar, não apenas que a eterna vontade de Deus é suficiente para a existência do universo, mas também que ela é suficiente para o ato de criar o universo. Mas isso tudo é plausível?

Eu não penso que seja. É bastante fácil ver que a simples vontade de um ser humano é com frequência insuficiente para levá-lo a fazer o que almeja. Existem pelo menos duas razões para isso. Você e eu podemos desejar fazer algma coisa mais tarde, mas até a hora certa chegar, não executaremos nossa intenção inicial. Esta tarde, por exemplo, eu penso em ir até uma certo mercado comprar vitaminas. Eu ainda não fui, pois o momento que selecionei para isso ainda não chegou. Mas mesmo quando esse momento chegar, poderei mudar de ideia e não ir. Essa é a segunda razão que torna a vontade de uma pessoa insuficiente para levá-la executar o que deseja. Seres humanos possuem desejos que são mutáveis e incostantes. As vezes eles até sofrem por pouca força de vontade, ou mesmo falham em fazer o que eles( sinceramente,talvez) almejavam fazer, mesmo nos casos onde o tempo de agir já passou.

É óbvio que nenhuma dessas explicações sobre as lacunas entre o desejo e o ato podem ser aplicadas ao tipo de Deus em que Craig acredita – um Deus que é onipotente, onisciente e atemporal. Um ser onipotente não pode sofrer por falta de força de vontade, um ser onisciente não pode mudar de ideia e um ser atemporal não pode demorar para executar o que almeja fazer. Por isso, é muito difícil entender realmente como a eterna vontade de Deus pode deixar de ser suficiente para causar o ato desejado, que por sua vez, também seria suficiente para o início do universo. E segundo o princípio de Craig, isso deveria nos trazer um universo eterno.

8. CONCLUSÃO

Eu tentei mostrar que o argumento kalam não é bem sucedido na tentativa provar a existência de Deus ou a criação ex nihilo. Isso não significa, é claro, que eu tenho uma teoria melhor sobre a origem do universo. No meu ver, simplesmente não sabemos o suficiente para tirar conclusões firmes sobre tais questões. É divertido especular, mas não podemos ter esperanças de que nossas respostas irão convencer qualquer pessoa honesta, racional e bem informada. A maioria de nós possue intuições diferentes,ou mesmo conflitantes, a respeito do tempo e da eternidade, causalidade e agência, sobre a natureza da pessoalidade, e sobre muitas outras questões. É uma ilusão supor que existe uma única e óbvia maneira de caracterizar todas essas coisas. E é por isso que a história da filosofia é, e continuará sendo, uma história de disputa, controvérsia…e diversão.

 

[1] É assim chamado em reconhecimento aos filósofos islâmicos que primeiro desenvolveram este argumento para a existência de Deus. A palavra “kalam” refere-se a “discurso” ou “dissertação” em árabe, mas se tornou o nome de uma escola islâmica de teologia que floreceu na idade média.

[2] Willian Lane Craig, “Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo, in R. Douglas Geivett and Brendan Sweetman, eds., Contemporary Perspectives on Religious Epistemology (New York and Oxford: Oxford University Press, 1992), 185-200.

[3] William Lane Craig (with Quentin Smith), Theism,Atheism, and big bang Cosmology, (Oxford: Oxford University Press, 1993), 23ff.

[4] Um conjunto A é um subconjunto de um conjunto B se todo elemento de A for um elemento de B, mas nem todo elemento de B for um elemento de A.

[5] Aqui estão alguns outros candidatos. (i) O espaço euclidiano contém infinitas sub-regiões não sobrepostas. O espaço pode não ser euclidiano, mas poderia ser. Então, um infinito real é pelo menos possível. (ii) Existem infinitos números naturais. Se eles são reais, o conjunto dos números naturais é um infinito real. (iii) Craig pensa que o futuro é infinito, e que existe um conjunto completo de fatos conhecidos por Deus sobre este futuro infinito. Ela argumenta que isso é apenas um infinito potencial, com base no fato do futuro não ser “real.” Essa é uma afirmação muito controversa – but even it is granted, it might still seem that Craig is committed to thinking that the set of facts about the future is actually infinite. Naturally, Craig has things to say about these candidates for an actual infinite, but limitations of space prevent a full treatment of the issue here.

[6] Veja Willian lane Craig e Michael Tooley, um clássico debate sobre a existência de Deus.(http://www.leaderu.com/offices/billcraig/docs/craig-tooley0.html)

[7] Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo, 190.

[8] Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo, 189-90.

[9] Essa é a visão dos quatro “proeminetes astrônomos” que são citados e apoiados por Craig. Veja Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo, 192.

[10] “A Origem e Criação do Univero: Uma Resposta: Uma Resposta a Adolf Grünbaum” Jornal Britânico Filosofia da Ciência 43 (1992), 233-240.

[11] Para ver mais sobre a opnião de Craig sobre essas questões, leia “Tempo e a Eternidade: Explorando o relacionamento de deus com o tempo” (Wheaton, Ill: Crossway Books, 2001).

[12] Realmente, a mais recente especulação aponta que existe “materia escura” suficiente, mas que é compensada pela presença do que chamam de “energia escura.” Existe, então, “energia escura” suficiente para resistir a atração gravitacional e manter o universo se expandindo indefinidamente. Se isso for verdade, nosso universo não irá colapsar em um “big crunch.”

13] Craig, the Existence of God and the Beginning of the Universe,” Truth Journal, v. 3 (http://www.iclnet.org/clm/truth/3truth11.html)

[14] Reasonable Faith: Christian Truth and Apologetics, 93.

[15] The Existence of God and the Beginning of the Universe”, my emphasis.

[16] Theism, Atheism, and big bang Cosmology, 58-59. My emphasis.

[17] Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo, 196. My italics.

[18] Ibid., 192.

[19] The Ultimate Question of Origins: God and the Beginning of the Universe, Astrophysics and Space Science 269-270 (1999), 723-740.

[20] David Hume, Enquiry Concerning the Human Understanding, section vii, part i.

[21] The Existence of God and the Beginning of the Universe.

[22] The Existence of God and the Beginning of the Universe.”

[23] Ibid.

[24] Philosophical and Scientific Pointers to Creation ex Nihilo, 197.

[25] Ibid., 197.

[26] Must the Beginning of the Universe Have a Personal Cause?: A Rejoinder, forthcoming in Faith and Philosophy.

[27] Ibid.

Editado por Faabs
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1 hora atrás, Faabs disse:

 

1.PRIMEIRO ARGUMENTO FILOSÓFICO CONTRA O PASSADO INFINITO.

 

 

Qualquer imbecil que já tiver ouvido o que é eternidade já mata esse artigo aqui. Eternidade não é um "passado infinito". Eternidade não é uma linha temporal que recua infinitamente para trás, nem que avança infinitamente para frente. A eternidade está fora do tempo. FORA. Não é uma coisa que pode ser medida temporalmente:

 

"Eterno, definia Boécio, é o ser que detém a posse plena e simultânea de todos os seus momentos”

 

 

 

 

 

"Sentimus experimurque nos aeternos esse”, dizia Spinoza: “Sentimos e experimentamos que somos eternos.” Tal é a mais básica vivência humana, aquela que nos constitui como homens, que nos diferencia dos animais, que estrutura o quadro inteiro da nossa percepção e da nossa linguagem. Tal é o fundamento da possibilidade mesma de existir uma sociedade, uma civilização, uma “história”. Eternidade não é simples duração sem fim. Eterno, definia Boécio, é o ser que detém “a posse plena e simultânea de todos os seus momentos”. Não temos essa posse. Nossos momentos são vividos em sucessão, fugindo irreparavelmente. Não obstante, sabemos que o fogo-fátuo que brilhou um instante na superfície das aparências, desaparecendo em seguida, nunca mais será revogado, nunca mais poderá tornar-se “um nada”. O acontecido não desacontece: passado e esquecido, o que uma vez ingressou no real está inscrito para sempre no registro do ser. Cada momento é, nesse sentido, eterno. Se não tivéssemos uma clara antevisão disso, não haveria consciência de tempo histórico. Se não soubéssemos que para além do horizonte que lembramos há milhões de coisas a ser lembradas, tão reais quanto as que lembramos, não haveria memória humana. Muito menos haveria o sistema dos tempos verbais que, em todas as línguas, organizam as vivências de tempos diversos, passados e futuros, reais e possíveis, em torno de um “não-tempo” que é o presente eterno.

 

Não possuímos a eternidade no nosso ser temporal, mas não poderíamos sequer apreender a temporalidade se nada possuíssemos da eternidade intelectivamente. É uma posse precária, imperfeita. Mas, sem ela, não saberíamos nem mesmo da nossa própria imperfeição e precariedade. Não podemos nem alcançar a eternidade nem pular fora dela. Por isso, dizia Platão, vivemos num território intermediário, num entremundo.

 

Tal é a estrutura essencial da nossa existência e, ao mesmo tempo, a experiência básica na qual essa estrutura se revela: ser homem é viver na tensão entre o tempo e a eternidade; ser homem humanamente é experimentar essa tensão de maneira consciente e saber que ela é inescapável: sentimus experimurque nos aeternos esse .

 

Por isso registros dessa experiência observam-se em todas as épocas, em todas as culturas, sem exceção. Sob uma variedade inesgotável de simbolizações, o senso da eternidade e, em oposição complementar a ele, a consciência da precariedade da sua posse são as mais velhas e infalíveis “constantes do espírito humano”.

 

Não se trata, pois, de uma “doutrina”, de uma “idéia”, de uma “cosmovisão”. Trata-se da realidade básica que símbolos, doutrinas, idéias e cosmovisões expressam de maneiras ilimitadamente variadas, imperfeitas, provisórias. Não é algo que se possa “discutir”. Tudo o que se discute são as expressões. A estrutura da existência está subentendida em tudo o que é humano. Ela institui a forma lógica, lingüística e existencial das disputas, e por isto não é nunca matéria da disputa. Porque toda discussão depende dela, ela não pode ser discutida."

 

http://www.olavodecarvalho.org/semana/06012002globo.htm

 

"

Por irritante que seja para seus velhos correligionários evolucionistas e ateus, a "conversão" do filósofo Anthony Flew ao deus de Aristóteles (conversão entre aspas, porque esse deus é um conceito metafísico, e não um objeto de culto) só mostra duas coisas. A primeira é o hábito consagrado, quase um direito adquirido entre os materialistas modernos, de opinar em questões de metafísica sem o necessário conhecimento da filosofia clássica e medieval. Basta um deles fazer uma tentativa séria de estudar o assunto, e suas convicções começam a ceder terreno. Nem o velho determinismo de Darwin nem a mais recente moda do acaso onipotente são compatíveis com uma inteligência filosoficamente madura. São poses adolescentes, incapazes de resistir a um exame crítico.

 

A segunda coisa que o episódio evidencia é a absoluta impossibilidade de colocar o problema da causa primeira em termos de "ciência versus fé", chavão imbecil baseado no desconhecimento radical de toda a tradição filosófica. A fé não tem nada a ver com a questão, e os materialistas só a inserem no debate para encenar no teatro infantil da incultura contemporânea uma luta de fantoches entre o heroizinho iluminista e o dragão do obscurantismo ancestral. Anthony Flew não se converteu. Apenas consentiu em descer de um pedestal de presunçosa ignorância coletiva e confrontar a idolatria do acaso com dois milênios de discussão filosófica. Fez o que Richard Dawkins não tem nem a honestidade nem a capacidade de fazer. O resultado ainda é pobre -Flew apenas reconheceu a necessidade genérica de uma causa primeira-, mas já está infinitamente acima daquela patética metafísica de "nerd" que tantos admiram em Dawkins.

 

Toda tentativa de provar que a vida se formou por acaso, tão logo certos fatores se combinaram nas proporções adequadas para produzi-la, sem que nenhuma causa inteligente os impelisse a tanto, está condenada na base. Quanto mais a afirmam, mais proclamam, sem o perceber ou sem admitir que o percebem, que o composto só adquiriu força geradora de vida graças, justamente, às proporções, à razão matemática entre seus elementos; e que essa proporção, se teve o dom de produzir esse efeito no instante em que os elementos se encontraram -mesmo admitindo-se que se encontraram fortuitamente-, já o possuía desde muito antes desse instante, já o possuía desde toda a eternidade. E basta saber o que significa razão ou proporção -"ratio", "proportio", "eidos", "logos"- para entender que nenhuma proporção pode valer sozinha e isoladamente, fora da ordem matemática integral entre todos os elementos possíveis.

 

Se determinada combinação de elementos pôde gerar determinado efeito, é porque o sistema inteiro das relações e proporções matemáticas que moldavam e determinavam essa possibilidade preexistia eternamente à sua manifestação. No princípio era o "logos", e não há nada que o apelo ao acaso possa fazer contra isso.

 

O mesmo se aplica à origem do cosmos na sua totalidade, muito antes do surgimento da "vida". O mais ínfimo fenômeno de escala subatômica já aparece como realização de uma proporção matemática que o antecede na ordem do tempo e o transcende na ordem ontológica. A Bíblia expõe isso da maneira mais simples, ao dizer que o espírito de Deus pairava sobre as águas. A ordem das possibilidades definidas, ou forma interna da onipotência, prevalece sobre a desordem das possibilidades indefinidas, as quais só podem se manifestar, precisamente, ao sair do indefinido para o definido, ou, em linguagem bíblica, das trevas para a luz. A estrutura interna do primeiro acontecimento cósmico, qualquer que seja ele, é sempre a manifestação de uma forma ou proporção que, como tal, é supratemporal e independente de qualquer acontecimento.

 

Se a causa eficiente que acionou essa passagem e determinou o início do processo cósmico operou, por sua vez, fortuitamente ou segundo a ordem, é questão que já está respondida na sua própria formulação, de vez que a noção mesma de uma conexão de causa e efeito só pode ser concebida como forma lógica definida, portanto como expressão da ordem. Mesmo se quisermos imaginar essa causa como puramente fortuita, a forma interna do nexo causal "in genere" tem de lhe haver preexistido desde sempre, e não pode ser concebida como fortuita, já que é precisamente o contrário disso.

 

Para alegar que não foi assim, seria preciso demonstrar que todas as formas e proporções são caóticas e indiferentes, isto é, que a ordem lógico-matemática não existe de maneira nenhuma, nem no cosmos manifestado, nem como mera estrutura da possibilidade em geral. Porém, depois disso, seria grotesco apelar a instrumentos lógico-matemáticos para provar o que quer que fosse. Para provar até mesmo o império do acaso.

 

Tudo isso é arquievidente, e negá-lo é eliminar qualquer possibilidade de conhecimento científico, mesmo puramente instrumental e convencional."

 

http://www.olavodecarvalho.org/semana/041225fsp.htm

 

"

 

1 hora atrás, Faabs disse:

 

 

O resto desse ensaio dá tanta preguiça de responder, mas tanta... Já está praticamente tudo refutado nos trechos que eu estou colando do Mário. São loops infinitos que esse cara deixa passar. É querer argumentar que do nada pode surgir alguma, mas pensar o nada como se fosse algo que É alguma coisa, que tem algum atributo. É pensar em Deus como se fosse uma pessoa que está dentro do universo. Rapaz, esse pessoal é amador. Comece a ler gente grande de verdade. Platão e Aristóteles está bom pra começo de conversa.

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O que é engraçado é que mesmo os caras que tentam argumentar, no plano filosófico, que não existe uma causa primeira para a existência de tudo o mais, tentam usar da lógica. Lógica essa que Aristóteles tirou do seu sistema de categorias. E ambos, tanto a lógica quanto o sistema de categorias, tem como pressuposto a existência do primeiro-motor, que é a causa inicial de tudo. Então o simples fato de alguém tentar argumentar logicamente que Deus não existe, já prova que essa pessoa não faz a menor idéia do que ela está falando. Ou então que ela não acredita realmente no que está dizendo. Argumentar logicamente pressupõe que vc aceita como premissa irrefutável de que existe, de fato, um primeiro-motor. Se você quer provar ou não a existência dele, então use outra coisa que não a lógica e a filosofia.

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Digam, quem é o irracional? Quem aceita que tudo o que É tem origem em uma causa que sempre foi, tal como A=A, 1+1=2 e etc; ou quem se recusa em aceitar uma verdade q se mostra a nós instantaneamente e que não tem escapatória? 

Editado por danilorf
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Não se alcança Deus através de filosofia mundana, mas através da fé. Não há método científico que prove ou não sua existência, Deus é sentido, não cabe em padrões imperfeitos saídos dos pensamentos ou das mãos dos homens que nunca o buscaram.

 

"Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem."
Hebreus 11:1

 

"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.
 

Spoiler

*dom
sm (lat donu) 1 Dádiva, presente. 2 Merecimento, mérito. 3 Dote natural; talento, prenda, aptidão, faculdade, capacidade, habilidade especial para. 4 Bem que se goza, considerado como uma concessão da Providência. 5 Teol Bem espiritual proporcionado por Deus; graça, mercê: A fé é um dom de Deus.Dom das línguas: capacidade para falar muitas línguas; poliglotismo. Dons de Baco: as uvas, o vinho. Dons de Ceres: as messes. Dons de Flora: as flores.

 

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=dom

 

não por obras, para que ninguém se glorie.
Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos.
Portanto, lembrem-se de que anteriormente vocês eram gentios por nascimento e chamados incircuncisão pelos que se chamam circuncisão, feita no corpo por mãos humanas, e que
naquela época vocês estavam sem Cristo, separados da comunidade de Israel, sendo estrangeiros quanto às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo.
Mas agora, em Cristo Jesus, vocês, que antes estavam longe, foram aproximados mediante o sangue de Cristo."
Efésios 2:8-13

Editado por Norton
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4 horas atrás, Faabs disse:

Bom,cansei de tentar falar isso com minhas palavras,vou deixar um ótimo artigo aqui sobre isso.

Um Exame crítico do Argumento Cosmológico kalam

Wes Morriston

 

Aqui vai a refutação de Wes Morriston:

 

 

20 minutos atrás, Norton disse:

Não se alcança Deus através de filosofia mundana, mas através da fé. Não há método científico que prove ou não sua existência, Deus é sentido, não cabe em padrões imperfeitos saídos dos pensamentos ou das mãos dos homens que nunca o buscaram.

 

"Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem."
Hebreus 11:1

 

Você é um cristão comunista. Seu cristianismo tá errado do começo ao fim.

 

Orlando Fedeli, um dos maiores teólogos brasileiros:

 

"A Fé é uma virtude soobrenatural intelectual. Isto é, ela é praticada pela nossa inteligência especialmente, quando aceitamos com nossa inteligência o que Deus revelou, ainda que não o compreendamos. Porém, nada que Deus nos revela -- mesmo os mistérios incompreensíveis a nosso intelecto -- é contrário à razão. Deus nunca nos pede para crer no absurdo. A Fé sem a razão é misticismo louco. A Razão sem a Fé é racionalismo naturalista."

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