Ir para conteúdo
  • Cadastre-se

Qual sua religião?  

281 votos

  1. 1. Votem aí, galera. Só por curiosidade das crenças ou descrenças marombas.



Posts Recomendados

Publicidade

Postado

Vamos refrescar a memória....

 

A Página Negra do Cristianismo: 2000 Anos de Crimes, Terror e Repressão

Spoiler

Prefácio

Há cerca de 2000 anos, nascia na Galileia um fundador de seita, que acabaria crucificado uns trinta anos mais tarde. Algumas de suas últimas palavras na cruz foram “Deem-me de beber”. E só. A seita que ele tinha fundado tornar-se-ia, com o passar dos anos, a maior de todos os tempos. Ela tomará o poder político dentro do Império Romano, abolirá a liberdade de religião, depois ajuntará montanhas de cadáveres: os seus membros massacrarão milhões de “infiéis”, “hereges”, “feiticeiras” e outros, depois se matarão entre eles próprios, levando a Europa às guerras mais ferozes que ela conheceu. Um passado destes poderia incitar à modéstia, mas os cristãos reivindicam, pelo contrário, o monopólio da ética. Proclamam que adoram o Deus único, que deus é “amor”, e se consideram melhores que o resto da humanidade.

Única ideologia capaz de dividir com o comunismo e o nazismo o pódio dedicado às ideologias mais mortíferas da história humana, o cristianismo mantém-se uma ideologia dominante em muitos países ocidentais, como o “gendarme do mundo”, os EUA. Chegou a hora de abrir o “Livro Negro do Cristianismo: 2000 anos de terror, perseguições e repressão”, que resume algumas das piores atrocidades cometidas em nome dessa ideologia que pretende promover o amor ao próximo.

Ano um

Os deuses não estavam mais, e Deus não estava ainda

O Império Romano garantia a liberdade de culto. O ateísmo e a razão dominavam. É nessa época que nasce um sujeito que, segundo dizem certos judeus, perdeu o juízo porque leu o Tora demasiadamente jovem. Ele funda uma seita que visa proibir o culto dos outros deuses, exceto o seu. O sujeito é finalmente morto, mas a seita se expande com o êxito que se conhece.

O culto da personalidade do fundador da seita atinge, nos cristãos, um nível que mesmo o estalinismo não conseguirá igualar: o fundador é proclamado “verdadeiro homem e verdadeiro Deus” (“Deus-Homem”, em linguagem comum). Os que duvidam disso são proclamados imediatamente hereges, e sofrerão mais tarde os raios da Inquisição. A partir do século IV da nossa era, começará o assassinato dos não-crentes pelos cristãos.

Anos 50-70

A seita cristã se desenvolve. Textos gregos, escritos por membros da seita fora da Palestina (“Os evangelhos”) relatam a vida do fundador: nascido duma virgem, que se manterá virgem mesmo tendo vários outros filhos, ele terá sarado doentes, mas também amaldiçoa uma figueira que fica instantaneamente seca, e fará precipitar num lago centenas de porcos que lhe não pertenciam (Nota 1). Este personagem, que defende os pobres mas também afirma que “aqueles que têm tudo serão louvados, e aqueles que nada têm, o pouco que têm ser-lhe-á retirado”, um pouco patético quando amaldiçoa uma figueira ou se deixa crucificar, é declarado a encarnação do “Deus único”. O fato de, segundo os evangelhos “canônicos”, as suas últimas palavras sobre a cruz terem sido “Dai-me de beber” não parece perturbar os adeptos da seita, que se expande por todo o Império.

A intolerância religiosa dos cristãos, que visam abertamente, desde o início, impor uma interdição aos cultos de deuses que não o seu, o qual eles insistem ser o “único Deus”, começa logo a atrair a atenção da justiça romana, que defende a liberdade de culto, a qual é um dos pilares dessa sociedade complexa e multicultural que é o Império Romano dos primeiros séculos da nossa era. A propaganda cristã inverte habilmente a situação. Os condenados pela justiça romana são declarados “mártires” e os seus restos são venerados nas igrejas, inventando-se a lenda de eles terem sido executados por terem “recusado a renegar a fé”, desculpa essa bem melhor do que a verdade nua, que mostra que foram condenados por desordem e imposição da intolerância religiosa na sociedade multicultural.

Ano 312

Tomada do poder pelos cristãos. No fim duma guerra civil, Constantino toma o poder. Pouco depois ele se converte oficialmente ao cristianismo, e “autoriza”, num primeiro tempo, o culto do deus único cristão, pelo Édito de Milão: é o início da perseguição religiosa na Europa. Pouco a pouco o culto dos outros deuses, exceto o deus cristão, vai sendo proibido. Os santuários clássicos serão destruídos ou transformados em igrejas cristãs. No fim do século IV, não haverá mais nenhum templo pagão em toda a bacia do Mediterrâneo.

Ano de 380

O imperador Teodósio proclama oficialmente o Cristianismo a única “Religião de Estado”. Mas ainda será necessário esperar mais 12 anos para que todos os outros cultos sejam definitivamente proibidos.

Ano de 389

Teófilo, hoje Santo Teófilo, é nomeado patriarca de Alexandria e inicia imediatamente uma violenta campanha de destruição de todos os templos e santuários não-cristãos. Tem o apoio do pio imperador Teodósio. Deve-se a Teófilo a destruição, em Alexandria, dos templos de Mitríade e de Dionísio. Essa loucura destruidora culmina em 391 com a destruição do templo de Serapis e da sua biblioteca. As pedras dos santuários destruídos serão usadas para edificar igrejas para a nova religião única, a cristã.

Em seguida e para demonstrar que ele é capaz de perseguir também cristãos (na medida em que eles não sejam 100% ortodoxos), Teófilo comanda pessoalmente as tropas que atacam e destroem os mosteiros que aderiram às ideias de Orígeno, um teólogo cristão que foi declarado herege porque afirmava que deus era puramente imaterial.

Ano de 389

Pela primeira vez, um chefe cristão dita a um imperador a política a ser seguida: Santo Ambrósio de Milão levanta-se em plena catedral e, com o sentido de caridade tão particular aos cristãos, impõe que o imperador anule a ordem que dera ao bispo de Calinicum, sobre o Eufrates, para que reconstruísse uma sinagoga que ele e a sua congregação tinham destruído. A Igreja toma partido, assim, desde o princípio, dos incendiários de sinagogas, posição que continuará a manter até ao ano de 1940.

Início dos anos 390

O piedoso imperador cristão Teodósio interdita progressivamente todos os cultos não cristãos. Pouco a pouco, os templos não-cristãos são fechados ao culto, as procissões “pagãs” são proibidas. Esta supressão da liberdade de religião em proveito exclusivo do cristianismo causa, por vezes, revoltas, como a de 408, em Calama, na Numídia. É nessa época que acontecem na Germânia as primeiras execuções de hereges, uma bela tradição que a Igreja desenvolverá com a Inquisição e a perpetuará até 1826.

Ano de 391

Uma multidão de cristãos, guiados por Santo Atanásio e Santo Teófilo, deita abaixo o templo e a enorme estátua de Serapis, em Alexandria, duas obras-primas da antiguidade. A coleção de literatura do templo também é igualmente destruída.

Ano de 412

Cirilo, hoje Santo Cirilo, doutor da Igreja, é nomeado bispo de Alexandria e sucede a seu tio Teófilo. Excita os sentimentos antissemitas difundidos entre os cristãos da cidade e, à frente duma multidão de cristãos, incendeia as sinagogas da cidade e faz fugir os judeus. Em seguida encoraja os cristãos a tomar os bens dos fugitivos, deixados para trás.

Ano de 415

Hepatia, a última grande matemática da Escola de Alexandria, filha de Theon de Alexandria, é assassinada por uma multidão de monges cristãos, incitados por Cirilo, patriarca de Alexandria, que será depois canonizado pela Igreja. O motivo dessa ação foi que a brilhante professora de matemática representava uma ameaça para a difusão do cristianismo pela sua defesa da Ciência e do Neoplatonismo. O fato de ela ser mulher, muito bela e carismática, fazia a sua existência ainda mais intolerável aos olhos dos cristãos. A sua morte marcou uma reviravolta: após o seu assassinato, numerosos pesquisadores e filósofos trocaram Alexandria pela Índia e pela Pérsia, e Alexandria deixou de ser o grande centro de ensino das ciências do Mundo Antigo. Além do mais, a Ciência retrocederá no Ocidente e não atingirá de novo um nível comparável ao da Alexandria antiga senão no início da Revolução Industrial. Os trabalhos da Escola de Alexandria sobre matemática, física e astronomia serão preservados, em parte, pelos árabes, persas, indianos e também chineses. O Ocidente, por outro lado, mergulha no obscurantismo, do qual começará a sair mais de um milênio depois. Em reconhecimento pelos seus méritos de perseguidor da comunidade científica e dos judeus de Alexandria, Cirilo será canonizado e promovido a “Doutor da Igreja”, em 1882.

Séculos V a XV

A “Idade Média Cristã”. Aproveitando o desaparecimento das grandes bibliotecas romanas e na ausência quase total da atividade editorial na Europa, a Igreja obtém, de fato, um monopólio sobre o conjunto da escrita e da informação. O povo é deixado propositadamente na ignorância, a leitura da Bíblia é desencorajada mesmo no caso de se ter acesso a um exemplar. Pouco a pouco, a Igreja impõe o seu domínio sobre a sociedade. A inquisição, o celibato dos padres (Nota 2), o caráter obrigatório do casamento antes de qualquer relação sexual, são todas instituições que datam dessa época. É também nessa época que se desenvolve o que se tornará uma das mais ricas tradições cristãs: queimar pessoas vivas. Cerca de um milhão de “bruxos” serão torrados durante a Idade Média. As cidades concorrerão para tentar bater recordes de quantidade de bruxos queimados por ano. O recorde foi estabelecido pela cidade de Bamberg, sede do episcopado, que conseguiu assar 600 feiticeiros num só ano.

Um grande número de membros da Igreja atual ainda lamenta o fim dessa época, quando a Igreja dominava totalmente a vida social. Religiosos (e outros) cristãos lembram com saudade a “espiritualidade” da época, a arte que deu grande ênfase à morte — assunto que sempre apaixonou os cristãos, e a música envolvente.

Ano de 804

O imperador cristão Carlos Magno converte grande número de saxões, propondo-lhes a seguinte escolha: converter-se ao catolicismo ou serem decapitados. Vários milhares de cabeças caem, com a bênção da Igreja: os sacerdotes presentes participam da jogada do imperador.

Século IX

Cisma do Oriente. O patriarca de Constantinopla pretende que se deve utilizar o pão com levedura para a Eucaristia. O Papa, bispo de Roma, afirma que se deve usar pão sem levedura. Com base neste problema de capital importância, a cristandade se divide, e os dois patriarcas, de Roma e de Constantinopla, se excomungam mutuamente. O Cisma vai provocar mortes até aos anos 90 (guerras nos Balcãs, ex-Iugoslávia, de católicos contra ortodoxos).

Ano de 1182

Os “pogroms” latinos de Constantinopla. Na cidade do piedoso patriarca que come pão levedado, estabeleceu-se, desde o início de século XII, uma colônia de mercadores “latinos”, essencialmente originários de Veneza, Gênova, Pisa e Amalfi. Mas essas pessoas têm tudo para desagradar aos prelados ortodoxos: além de utilizarem o pão sem levedura para a Eucaristia, fazem o sinal da cruz no sentido errado, da esquerda para a direita e não da direita para a esquerda! Os popes excitam a população e enfim, nos dias radiosos de maio de 1182, a multidão guiada pelos popes pega os latinos: vários milhares deles, homens, mulheres e crianças são trucidados.

Séculos XI e XII

Em face do crescimento da população da Europa, a Igreja propõe um método de controle populacional “natural”: as cruzadas. O apelo às cruzadas foi lançado em 1095. Em 1099 Jerusalém é “libertada”: logo que as tropas cruzadas entraram na cidade, o governador muçulmano rendeu-se sob a promessa da população civil ser poupada. Claro, a totalidade da população (que compreende essencialmente judeus e muçulmanos) é passada pelas armas nas horas seguintes, mas com o cuidado de antes violentar todas a mulheres e decapitar as crianças. Estima-se em 70.000 o número de civis massacrados. A última fase do massacre passa-se nas sinagogas e mesquitas da cidade, onde os habitantes aterrorizados se refugiaram: pensam que o caráter religioso dos locais possa inspirar os piedosos cruzados à clemência. Nada disso acontece: os cruzados entram e transformam os locais de culto em vastas carnificinas. O massacre de milhares de civis amontoados na grande mesquita da esplanada do templo dura várias horas. “Tudo o que respira” na cidade foi morto, informam com orgulho os comandantes dos cruzados.

Ano de 1204

A 4a Cruzada fez uma parada em Constantinopla, na época a maior cidade cristã. Mas os cristãos sabem fazer entre eles o que fazem aos outros: durante três dias, Constantinopla foi posta a saque, com uma orgia de violências indescritíveis.

Anos de 1208 a 1244

Cruzada dos Albigences: por iniciativa do papa Inocêncio III, uma cruzada é preparada. Em 1209, como alguns “hereges” se haviam misturado com a população de Beziers, o duque Simon de Monfort deu uma ordem que lhe assegurou a posteridade: “Matem-nos todos, deus reconhecerá os seus”. Toda a população, homens, mulheres e crianças são passados pelas armas. A Provence e a região de Toulouse ficam muito despovoadas após essa guerra que é dirigida contra a população civil, com uma ferocidade sem precedentes desde as invasões bárbaras.

Anos de 1226 a 1270

Luís IX, rei de França. Finalmente um católico, de reputação piedosa e íntegra, ascende à coroa de França. A Igreja o canoniza em 1290, em reconhecimento de seus méritos que, ninguém duvida serem excepcionais. De fato, durante o seu reinado, São Luís lança duas cruzadas, que terminam as duas de modo catastrófico: pouco importa, é a intenção (de matar e de pilhar) que conta, aos olhos da misericordiosa Igreja católica! No plano interno, São Luís (Nota 3) faz de modo que a justiça puna de modo sistemático os blasfemeadores: são postos nos pelourinhos e têm as suas línguas atravessadas por ferros em brasa.

Ano de 1231

Fundação da Inquisição. O Santo Ofício, durante toda a sua história, queimou mais de um milhão de pessoas, essencialmente hereges, judeus e muçulmanos convertidos e também os “bruxos”. A última feiticeira será queimada em 1788. O último “herege” chegará à sua vez em 1826. A inquisição e os seus imitadores protestantes queimam também médicos e cientistas, desde que haja uma oportunidade.

A Igreja nunca se arrependeu dos atos da Inquisição e até garantiu a continuidade histórica da instituição até aos nossos dias, limitando-se apenas a mudar-lhe o nome: será necessário esperar que Pio X, em 1906, faça que o “Santo Ofício da Inquisição” seja renomeado como “Santo Ofício”, e em 1965, para que seja rebatizado como “Congregação para a doutrina da fé”. Enfim, em 1997, o papa abre os arquivos do Santo Ofício, e historiadores escolhidos a dedo são autorizados a fazer pesquisas. As estimativas do número total de vítimas da inquisição são então revistas para cima, havendo um consenso que roda hoje em torno de um milhão de pessoas executadas, ao qual é necessário acrescentar as inúmeras pessoas torturadas e com todos os seus bens apreendidos.

Ano de 1251

O papa Inocêncio IV autoriza enfim a inquisição a praticar a tortura. A obtenção das confissões de culpa é grandemente facilitada. A inquisição pode aplicar, com base em confissões arrancadas através de tortura, penas indo duma simples oração ou dum jejum até à confiscação dos bens e mesmo prisão perpétua. Mas ela não pode condenar à morte. Com a subtileza característica da Igreja católica, a inquisição podia “passar” um herege para a justiça comum, que o levará à morte na fogueira, com base na confissão obtida pela Igreja, mesmo com tortura. Essa subtilidade permitirá à Igreja afirmar que ela nunca matou ninguém…

Anos 1347 a 1354

Em toda a Europa reina a Morte Negra, a primeira grande epidemia de peste no continente. Os prelados católicos logo descobriram os culpados: os judeus teriam envenenado os poços de água. Esse boato espalha-se por toda a Europa e inúmeros “pogroms” acontecem. Na Alemanha contam-se 350 comunidades judias totalmente destruídas pelos “pogroms” nesse período. Na Itália, em Milão, as autoridades civis e eclesiásticas, depois de terem executado no braseiro os “untori” judeus, inauguraram uma coluna comemorativa para lembrar o seu feito. Essa coluna passou à História com o nome de “Coluna infame”, quando, no século XIX, o romancista Manzoni teve, em primeira mão, a coragem de denunciar esse monumento à perversão religiosa.

Ano de 1483

Tomás de Torquemada é nomeado Grande Inquisidor de Castela. Esse monge dominicano (Nota 4) faz uma ampla utilização da tortura e da confiscação dos bens das vítimas. Estima-se em 20.000 o número de pessoas queimadas durante o seu mandato.

Ano de 1487

Dois monges dominicanos alemães, Jacob Sprenger e Heinrich Institoris publicam o “Malleus Malleficarum”: trata-se dum espesso volume de 400 páginas que é um guia (claro que aprovado pela hierarquia católica) de caça às bruxas. Lá se pode aprender a identificá-las (p. ex. se uma mulher acariciar um gato preto e a centenas de metros alguém se sentir mal, etc), a torturá-las para as fazer confessar, e como os inquisidores podem se absolver mutuamente, depois duma sessão de tortura. A obra afirma também que negar a existência da feitiçaria é uma heresia muito grave, passível de morte na fogueira. Durante dois séculos e meio, na Alemanha, depois da publicação do Malleus Malleficarum, negar a bruxaria podia levar ao braseiro. O manual foi um “best-seller”…

Ano de 1492

O rei “muito católico” e a rainha “muito católica” (títulos dados pelo papa em pessoa!) de Espanha, expulsam os judeus. Eles podem escolher se converter, para então poderem ser justiçados pela inquisição (que queimará grande número deles) ou partir. Mais de 160.000 judeus saíram da Espanha. A hierarquia católica não fica indiferente a essa medida duma crueldade assustadora: ela aprova a medida, e o papa encoraja os outros soberanos europeus a se inspirarem no exemplo espanhol. Em toda a Europa os padres católicos se mobilizam para obrigar os governos a proibir a entrada dos judeus expulsos.

Os judeus que escolheram se converter são perseguidos pela inquisição com uma impressionante determinação: até ao século XVIII, far-se-á o “Teste da banha de porco” aos judeus convertidos e seus descendentes: uma salada com pedaços de carne e banha de porco é apresentada ao “convertido”. Se for notado que ele não comeu a carne suína, será queimado como “falso convertido”. Esse método será também aplicado aos muçulmanos e seus descendentes.

Se a expulsão dos judeus de Espanha foi a maior do gênero registrada na História, não foi a primeira. Na França, os prelados católicos tinham já conseguido a expulsão dos judeus em 1306, e que foi logo revogada, antes de ser confirmada em 1394. A Inglaterra já tinha procedido à expulsão em 1290. Em 1496, Portugal imita o seu poderoso vizinho, expulsando também os judeus.

Ano de 1493

O primeiro índio da América no paraíso. Quando Cristóvão Colombo, que teve o cuidado de levar um monge nas bagagens, chega à América, encontra os índios que descreverá como gente amigável e solícita. Prende 12 deles e os leva para Espanha. À chegada, um deles fica doente: antes da sua morte, é batizado rapidamente, o que permite a corte dos muito católicos reis exultar, porque um indígena do Novo Mundo acabava de entrar no paraíso cristão. Esta triste história marcará o início da trágica cristianização dos índios americanos, onde os episódios dos redutos do Paraguai e as perseguições aos índios Pueblo serão alguns dos mais trágicos.

Ano de 1499

Acontece neste ano o maior “auto da fé” que a História registra. Em um só auto de fé, o inquisidor Diego Rodrigues Lucero queima vivos nada menos que 107 judeus convertidos ao cristianismo, em Córdova.

Século XVI

O drama dos castrados. A Igreja, que tinha proibido que mulheres cantassem no coral das igrejas, enfrenta um problema trágico: como não torturar os ouvidos dos piedosos prelados de cristo, privando-os das vozes sopranas, tão importantes nos coros para louvar o amor a deus? Uma solução bárbara é encontrada: castrar jovens meninos cuja voz tenha sido considerada bela. Nos corais da Santa Igreja católica não faltarão assim nunca os sopranos e contraltos…

Esta prática bárbara só terminará em 1878, por ordem do Papa Leão XIII. Mas é mantida ainda durante o século XIX, a ponto de Rossini, quando ele compôs a “Pequena missa solene”; escreveu, com naturalidade, que serão suficientes para executá-la “um piano e uma dúzia de cantores dos três sexos, homens, mulheres e castrados”.

Ano de 1506

“Pogrom” de Lisboa: 3000 judeus são trucidados pelos piedosos católicos, incitados pelos prelados.

Século XVI

Júlio II della Rovere, papa. Hábil chefe militar, veste uma armadura durante a missa, quando um monge insolente lhe diz que o traje não é conveniente. “Quando se trata de conquistar terras, deus não faz questão do traje, mas da fé do seu servidor”, lhe responde, passando assim à História. Deus lhe permitiu, de fato, conquistar a cidade de Bolonha, que foi, como deveria, posta a saque.

Ano de 1521

Inspirado pelo Espírito Santo, que aparentemente não tinha o que fazer, um monge alemão, Martin Luther, traduz do latim o “Novo Testamento”, em algumas semanas. O diabo acaba de o tentar: Lutero não encontra coisa melhor a fazer do que lançar sobre ele um tinteiro, que suja a parede. Essa mancha está religiosamente preservada para os turistas do castelo de Wartburg.

O acontecimento pareceria insignificante. Mas não é, pois ele inaugura o maior cisma da cristandade: durante os séculos seguintes, os cristãos vão se massacrar mutuamente ainda com mais entusiasmo do que quando eles matavam e queimavam os não-cristãos, os hereges, as bruxas, os judeus e muçulmanos convertidos, etc.

Lutero escreverá e dirá diversas vezes que era necessário queimar as sinagogas e escorraçar os judeus das cidades: ele se situa assim dentro da tradição dos pais da Igreja católica, e que será mantida até ao século XIX pela inquisição e depois no século XX pelos camisas castanhas (seguidores de Mussolini).

Ano de 1527

Saque de Roma. Os soldados protestantes massacram a totalidade da população de Roma, umas 40.000 almas, e pilham a cidade. O papa é salvo pelos guardas suíços. Ele se fecha com eles no Castelo de Santo Ângelo, enquanto a população é massacrada. Ele passou um grande medo. Os suíços ganham assim uma fama profissional no estrangeiro, o que se perpetua até hoje.

Ano de 1553

Calvino, que condena os excessos da Igreja Católica, faz decapitar o livre-pensador e médico Michel Servet, que havia descoberto a circulação sanguínea. Esse é somente um dos 15 hereges que o reformador fez executar durante a sua ditadura sobre Genebra.

Calvino tem um papel muito ativo na prisão e depois na condenação à morte de Michel Servet. Primeiro ele troca correspondência com ele e depois que o médico, fugindo da inquisição, chega a Genebra, manda-o prender. Calvino havia dito a seu amigo, o reformador Farel, que se Servet entrasse em Genebra, de lá não sairia vivo. Ele manteve a sua promessa e interveio pessoalmente no julgamento pedindo a sua execução. A única clemência dada a Servet foi de ser decapitado em vez de queimado vivo.

Ano de 1571

A invenção da imprensa permite que um número crescente de pessoas se informe. A Igreja reage criando o Índex (Index Additus Librorum Prohibitorum): essa instituição editava regularmente a lista dos livros proibidos. A última edição do Índex foi publicada em 1961.

Anos de 1566 a 1572

Pio V, papa. Este santo da Igreja católica vangloria-se publicamente diversas vezes de ter, durante a sua carreira de inquisidor, colocado fogo com suas próprias mãos em mais de 100 fogueiras de hereges que ele mesmo acusara, confundira e condenara.

Publica também uma nova edição do catecismo oficial da Igreja, no qual o amor ao próximo e a misericórdia ocupam um lugar importante.

Anos de 1547 a 1593

Guerras de religião na França. As subseitas cristãs entregam-se a uma guerra civil sem perdão, interrompida por diversas pazes e tréguas temporárias. Durante uma delas, teve lugar o massacre de 20.000 protestantes, homens, mulheres e crianças, numa só noite, a tristemente célebre Noite de S. Bartolomeu (1572).

Fim do século XVI até ao início do século XVIII

Conversão forçada dos índios Pueblo. Subindo pela costa do golfo do México, os exploradores espanhóis, sempre acompanhados de monges e padres, entram em contato com a tribo dos Pueblo, no território que hoje pertence ao estado americano do Novo México: diferentes dos índios nômades das planícies do Norte e doutros indígenas mais combativos que os espanhóis encontraram no México e na América do Sul, os índios Pueblo vivem em aldeias (los pueblos) de casas de tijolos com 2 ou 3 andares, são pacíficos e praticam a agricultura. Seguem uma religião na qual se venera o “Pai do Céu” e a “Terra Mãe”, temem os demônios (os Skinnwalkers) que andam pela crista das montanhas ao pôr do sol, veneram os corvos como reencarnação dos seus antepassados. Eles têm também um rico templo de deuses semelhantes aos dos gregos, sendo o seu deus principal a mulher-aranha. As cerimônias são celebradas em pequenas igrejas familiares, as Kivas. Estes pacíficos agricultores logo se tornam objeto de atenção dos padres espanhóis, impacientes por substituir o culto do Pai Céu e da Mãe Terra por aquele de cujo deus se bebe o sangue durante as cerimônias: os pajés índios são acusados de bruxaria e executados. As Kivas são destruídas pelos militares hispânicos. Os cultos religiosos tradicionais são proibidos, sob pena de mutilação. Índios surpreendidos a celebrar uma cerimônia tradicional terão um braço ou um pé cortados. Apesar disso tudo, alguns índios continuarão a fazer os seus cultos, em segredo e à noite. Os padres católicos usarão esse fato nos seus sermões e que os índios ainda hoje citam com amargura: os padres diziam que a religião dos índios era a das trevas, pois era sempre à noite, enquanto que o cristianismo era a religião da luz, pois se come a carne e se bebe o sangue do deus cristão em pleno dia. Diversas revoltas sangrentas pontuam a cristianização dos Pueblo. Essa perseguição religiosa só cessará depois da anexação do território pelos EUA, em 1847.

Ano de 1600

Giordano Bruno é queimado vivo em Roma, condenado por heresia. Ele havia ousado definir o Universo como infinito e admitido a hipótese da existência de formas de vida fora da Terra. Era demais para a Igreja. Depois de 8 anos de processo, durante os quais lhe são arrancadas confissões, sob tortura, ele é condenado à morte como “herege obstinado e ímpio”. Ele se defende tentando mostrar que as suas ideias não estão em contradição com as doutrinas cristãs, mas em vão. Ele foi queimado vivo, em público, em Roma, no Campo dei Fiori. Tiveram o cuidado de lhe cortar a língua antes de o enviar ao local da execução, para evitar todo o risco de que as suas palavras emocionassem a multidão que veio assistir ao espetáculo. O seu principal acusador, o cardeal Bellarmino, será mais tarde canonizado e, em 1930, proclamado “Doutor da Igreja”.

É interessante notar que, no caso de Galileu, a Igreja católica expressou o seu arrependimento no fim do séc. XX, com a sua reabilitação em 1992, nunca se arrependerá da execução de Bruno. Pelo contrário, ela se opôs com veemência à instalação duma estátua de Giordano Bruno, em 1889. Em 1929, o papa pediu a Mussolini para que destruísse essa estátua, antes de canonizar e depois nomear “Doutor da igreja” o cardeal Roberto Bellarmino, acusador de Giordano Bruno.

Ano de 1609

Expulsão dos mouros de Espanha. Depois da expulsão dos judeus de Espanha, a inquisição se aborrecia um pouco nesse belo país. Lança então a caça aos “morescos”, os árabes convertidos ao cristianismo. Há a suspeita de serem falsos convertidos e são executados todos os que se recusam a beber vinho ou comer carne de porco, ou que sejam limpos demais. Com efeito, o Islamismo, contrariamente ao cristianismo, prescreve lavagens periódicas. A higiene nunca foi tão perigosa como no séc. XVI em Espanha! Enfim, em 1609, temendo talvez ter deixado passar alguns falsos convertidos, a inquisição consegue do rei a expulsão dos “morescos” para o Norte da África. O número dos expulsos é mal conhecido: as estimativas variam entre 300.000 e 3.000.000. Os expulsos chegam a terras islâmicas, onde o Corão prevê a pena de morte para os que renegaram Mahomé…

Ano de 1633

Processo de Galileu. Por ter duvidado da teoria geocêntrica de Ptolomeu, (que, diga-se de passagem, não era cristão), Galileo Galilei é obrigado a retratar-se: são-lhe mostrados os instrumentos de tortura que seriam usados se ele insistisse. O processo de Galileu só foi reaberto para revisão pelo papa João Paulo II, e Galileu é reabilitado em 1992.

As suas obras já tinham sido colocadas no Índex em 1616. Passará o resto da sua vida confinado na sua casa (prisão domiciliar). Foi a sua reputação internacional de cientista que lhe evitou consequências mais graves.

Anos de 1618 a 1648

Guerra dos 30 anos. Os muito católicos reis de Habsbourg forçam a conversão dos seus súbditos protestantes da Boêmia, iniciando a maior guerra que o continente europeu tinha conhecido. A população da Alemanha é reduzida à metade. Numerosas cidades são devastadas. Epidemias de peste assolam toda a Europa Central, desde a Lombardia à Prússia.

Trata-se realmente duma guerra religiosa, embora as igrejas tenham tentado fazer crer que se tratava dum conflito político: a guerra iniciou-se por conflitos religiosos e pela ação de reis estrangeiros, como Gustavo II da Suécia, que intervieram por razões de convicção religiosa. O caso de Gustavo II é particularmente significativo, pois obrigava seus soldados a cantar canções religiosas todas as noites, embora eles fossem uns terríveis saqueadores. O exército sueco ganhou o título de “Schrecken des Krieges” pela população alemã, que teme a pilhagem dos suecos ainda mais do que as feitas pelos exércitos dos Habsbourg.

Segunda metade do séc. XVIII

O assunto das reduções do Paraguai. Este caso é particularmente interessante, pois aqui os católicos se massacram e se excomungam entre eles. Os jesuítas haviam estabelecido no Paraguai um pequeno império particular feito de reduções (redutos), ou seja, pequenas aldeias fortificadas na floresta, onde viviam os índios convertidos ao cristianismo, mas uma correção das fronteiras coloca alguns desses redutos em território português. Ora, Portugal, país católico e cristão, mantém na época a tradição da escravatura: os portugueses pensam então roubar aos jesuítas os índios para depois vendê-los como escravos.

O papa intervém, excomunga os jesuítas das reduções. Depois, um exército, com os canhões e espadas benzidas pelos padres de serviço, ataca as reduções, massacra os jesuítas e toma os índios como escravos. Um Te Deum solene celebra a vitória, como deve.

Pouco depois o papa interdita a ordem dos jesuítas, culpada de ser muito inteligente e racional, e sobretudo de não ter servido com lealdade a família de Bourbon, reis de França e de Espanha, monarcas absolutos e grandes amigos da Igreja católica.

Ano de 1766

Em pleno século das luzes, um jovem de 19 anos, o Cavaleiro de la Barre, passa “a vinte passos duma procissão, sem tirar o chapéu”. É preso e torturado. Finalmente é decapitado depois de lhe terem cortado a língua. O seu corpo é depois colocado sobre uma fogueira e queimado junto com um exemplar do Dicionário Filosófico de Voltaire, diante duma multidão entusiasmada.

Ano de 1788

No Cantão de Glaris, na Suíça, a última bruxa foi queimada.

Esta execução da Inquisição não foi a última, e continuará queimando hereges até 1826.

Ano de 1793

Kant, professor de Filosofia em Konigsberg e estrela internacional da filosofia moderna, depois da publicação da “Crítica da Razão Pura”, publica “A religião nos limites da Razão”, onde ele coloca as doutrinas cristãs à prova do raciocínio e do “imperativo categórico”. É demais para os piedosos reis da Prússia, que empurrados pelos prelados protestantes, intervém e Kant é forçado a retratar-se publicamente, sob pena de perder imediatamente o seu posto na universidade de Konigsberg. Todos os professores universitários são obrigados a assinar, sob pena de dispensa imediata, um documento onde prometem não citar os ensinamentos de Kant com relação à religião. Como no caso de Galileu, a fama internacional de Kant o salva de consequências mais severas. Kant ainda pensa em se exilar, mas neste fim de século, há poucos céus clementes para pensadores que ousaram criticar aspectos da ideologia cristã. Assim acabará os seus dias em Konigsberg.

Ano de 1826

O último herege é queimado vivo pela inquisição espanhola. Uma rica tradição cristã termina. Daí para a frente, a Igreja recorrerá a meios mais sutis para matar, como proibir a assistência a mulheres que devem abortar, sabotando o planejamento familiar nos países pobres, proibindo os preservativos como modo de lutar contra a Aids-Sida, etc.

Ano de 1847

Guerra do Sonderbund. A Suíça é dilacerada por uma guerra religiosa. Os cantões católicos, cujos governos estão muito influenciados pelos conselheiros jesuítas, fundam uma aliança militar, o Sonderbund, que exige a anexação aos cantões católicos de regiões majoritariamente protestantes. Chamam os monarcas católicos da Áustria em seu auxílio, depois iniciam as hostilidades. Somente uma vitória rápida das tropas federais/protestantes permitiu evitar uma intervenção austríaca, que levaria a um conflito de extensão europeia.

Os protestantes, por seu lado, encetam uma feroz “Caça aos católicos”, nos campos de Genebra.

Os jesuítas, considerados responsáveis pela guerra, são expulsos da Suíça, e essa expulsão valerá até 1970.

Ano de 1848

A população de Roma revolta-se contra a ditadura papal. O papa é expulso. Volta ao poder em 1849, devido à ação das tropas francesas enviadas por Luís Napoleão Bonaparte, presidente da república francesa. Os opositores são fuzilados. O Estado da Igreja volta a ser uma monarquia absoluta, cujo soberano é o papa.

Ano de 1871

O papa excomunga todo aquele que participar de qualquer eleição do estado italiano, que é classificado como “diabólico”, porque retirou aos papas o seu poder temporal. Essa sentença de excomunhão automática não impedirá o papa de abençoar, alguns anos depois, a fundação do “Partito populare”, de inspiração católica e fundado por um padre.

Ano de 1881

Os “Pogroms” russos começam. Incitados pelos prelados ortodoxos, que difundiram um boato que o Czar Alexandre II teria sido assassinado por um judeu, multidões se juntam em mais de 200 cidades russas e destroem os bens dos judeus. Os pogroms tornar-se-ão comuns na piedosa Rússia Czarista, sobretudo entre 1908 e 1917. O mais violento dentre eles teve lugar em Kishinev, em 1913: as autoridades civis e religiosas da cidade incitam a multidão que ataca violentamente os judeus. Durante dois dias a multidão mata 45 judeus, fere 600 e pilha 1500 casas. Claro que os responsáveis (popes e políticos) nunca serão incomodados pela justiça.

Ano de 1889

Numa Roma livre do jugo papal, no dia 9 de junho, é inaugurada a estátua de Giordano Bruno, no Campo das Flores. O papa Leão XIII, sofredor, passará o dia todo de jejum aos pés da estátua de S. Pedro. A imprensa católica dispara: fala de “orgia satânica”, descrevendo a manifestação da inauguração, o “triunfo da sinagoga, dos arquibandidos da Maçonaria, dos chefes do liberalismo demagógico”, “o máximo da ignorância e da malignidade anticlerical”.

Anos de 1918 a 1945

Os anos do compromisso. A Igreja católica apoia ativamente o crescimento dos totalitarismos na Europa. Na Áustria, o seu apoio ao Austro-Fascismo é total. Na Itália, ela assina com o regime fascista uma concordata que faz do catolicismo a religião de estado: os italianos podem de novo votar sem serem excomungados, pena que isso de pouco serve em período de ditadura. A Igreja sacrifica em grande parte as suas próprias associações: todas, exceto a Ação Católica, devem integrar as organizações fascistas. O Vaticano promete a Mussolini de fazer com que a Ação Católica não se deixe tentar por ações antifascistas.

Em 1929, Mussolini, depois de ter assinado a concordata dita “Patti Lateranensi”, é qualificado pelo papa como “o homem da providência”. Em 1932, o ditador recebe das mãos do papa a Ordem da Espora de Ouro, que é a mais alta distinção concedida pelo Estado do Vaticano.

Essa bela harmonia vai resistir mesmo ao momento de tensão causado pela estátua de Giordano Bruno. O papa aproveita a concordata para pedir ao seu amigo ditador que destrua a estátua erigida em 1889. O ditador, que tem um filho com o nome de Bruno, toma a defesa do livre-pensador e declara à Câmara de Deputados que “A estátua de Giordano Bruno, melancólica como o destino desse monge, ficará onde ela está. Tenho a impressão que seria se encarniçar contra esse filósofo que, se equivocado e persistiu no erro, no entanto já pagou”. Para mostrar que não se arrepende de nada a Igreja canoniza então Roberto Bellarmino, o acusador de G. Bruno, nomeando-o “Doutor da Igreja”.

Na Alemanha, em janeiro de 1933, o Zentrum, partido católico, cujo líder é um prelado católico (Pralat Kaas), vota plenos poderes para Hitler: este último pode assim atingir a maioria de dois terços necessária para suspender os direitos garantidos pela Constituição. Com uma caridade toda cristã, o bom prelado aceita também fechar os olhos para os discutíveis processos nazistas, como a prisão dos deputados comunistas antes da votação. Depois a Igreja começa a negociar uma nova concordata com a Alemanha: nesse cenário, ela sacrifica o Zentrum, então o único partido significativo que os nazistas não tinham proibido. Na realidade ele tinha-o ajudado a chegar ao poder. Em 5 de julho de 1933, o Zentrum se dissolve sob solicitação da hierarquia católica, deixando o caminho livre para o NSDAP de Hitler, então partido único.

Hitler declara-se católico no “Mein Kampf”, o livro onde ele anuncia o seu programa político. Também afirma que está convencido ser ele um “instrumento de deus”. A Igreja católica nunca colocou no seu Índex o “Mein Kampf”, mesmo antes da ascensão de Hitler ao poder. Podemos acreditar que o programa antissemita do futuro chanceler não desagradava à Igreja. Hitler mostrará o seu reconhecimento tornando obrigatória uma prece a Jesus nas escolas públicas alemãs e reintroduzindo a frase “Gott mit uns” (Deus está conosco) nos uniformes do exército alemão.

Em 1938, as SS e SA organizam a “Noite de Cristal”: com trajes civis, os milicianos nazistas atacam sinagogas e lojas pertencentes a judeus. A população alemã está horrorizada e aterrorizada. O bispo de Freiburg, monsenhor Gröber, declara então, em resposta às perguntas sobre as leis racistas e os pogroms da noite de cristal: “Não podemos recusar a ninguém o direito de salvaguardar a pureza da sua raça e de elaborar medidas necessárias a esse fim”.

Na Espanha, um general tenta um golpe de estado militar, que aborta mas degenera em guerra civil. A Igreja o apoia, padres e bispos benzem os canhões de Franco, celebram com muita pompa Te Deum pelas suas vitórias contra o governo republicano legítimo. A guerra faz mais de um milhão de mortos, e Franco fuzila todos os prisioneiros. Franco se mostrará reconhecido por seus piedosos aliados, nomeando diversos membros da Opus Dei para o seu governo. A influência da Opus Dei crescerá ao longo da ditadura franquista, ao ponto de se chegar a mais de metade dos ministros serem membros dessa venerável instituição católica.

Na França, a Igreja declara, desde 1940, que “Petain é a França”: ela prefere de fato o Trabalho-Família-Pátria do estado francês às Liberté-Égalité-Fraternité da República, que sempre a horrorizaram.

Durante a 2a guerra mundial, o Vaticano estava ciente do extermínio dos judeus pelos nazistas. Saber-se-á, após a guerra, que o papa diversas vezes esteve para fazer um pronunciamento público, mas que finalmente se absteve essencialmente pela sua comunistofobia e achando que uma vitória russa seria “pior”. No entanto ele chorou em 1942, junto às ruínas de Roma, bombardeada pelos aliados. Também ele se esquece de mencionar que o seu aliado político Mussolini tinha solicitado a Hitler para ter “a honra de participar dos bombardeamentos sobre Londres”, é verdade que o papa não habitava em Londres…

Ano de 1948

O papa declara que todo aquele que votar nos comunistas ou que ajudar esse partido de qualquer maneira será automaticamente excomungado. Essa medida divide as famílias, provoca exclusões socialmente intoleráveis para muitos e obriga à clandestinidade de numerosos comunistas nas zonas rurais.

Os curas italianos apressaram-se a traduzir essa decisão em fatos, e pedem que as suas ovelhas votem no grande partido anticomunista (DC — Democrazia Cristiana). O partido DC vai-se afundar logo em seguida na corrupção generalizada nos anos 90.

Ano de 1961

Última edição do índex (Índex Additus Librorum Prohibitorum), que cita como autores cujas obras são proibidas de leitura pelos católicos entre outros: Jean-Paul Sartre, Alberto Moravia, André Gide.

Anos 80

Depois de um período de aparente liberalização, o papa João Paulo II chega à cabeça da maior seita do mundo e rende-se às mais terríveis tradições da Igreja.

A sua condenação do preservativo, como modo de luta contra a Aids-Sida, provoca um grande número de mortos, difícil de estimar. Pratica uma política ativa de sabotagem às medidas de controle da natalidade no terceiro mundo. As consequências são difíceis de contabilizar, mas podem ser medidas em termos de fome, miséria, criminalidade e falta de assistência médica nos continentes mais pobres — América do Sul e África.

Na sua caça aos hereges, o papa suspende “A divinis”, dois teólogos alemães que tinham ousado duvidar, um da infalibilidade papal, e outro da imaculada concepção de Maria. (Nota 5)

Anos 90: guerras de religião na Iugoslávia

A Iugoslávia era, nos anos 80, uma das terras favoritas para férias balneares dos europeus. A publicidade iugoslava da época vendia o caráter multireligioso do país como um argumento turístico, pois se podia ver em Mostar e em outras belas cidades as mesquitas e as igrejas lado a lado. Mas o país se afundou numa série de guerras civis que se querem descrever como guerras “étnicas”, quando na verdade se tratam de guerras religiosas. O caso da guerra da Croácia é o mais flagrante. Sérvios e croatas têm a mesma origem étnica e até a mesma língua, o Croata-servo. O mais irônico é que o croata-servo (servo-croata, escrito em caracteres latinos), é hoje a língua oficial dos soldados do exército Iugoslavo que combateu em Kosovo contra a OTAN, depois de ter lutado contra os croatas no início dos anos 90. Mas a religião separa os croatas dos Sérvios: os croatas foram cristianizados por Roma e são católicos. Os sérvios foram cristianizados pelos bizantinos e são ortodoxos. Quando Milosevitch começa a agitar o espectro da “Grande Sérvia”, a Croácia declara a independência. Imediatamente o Vaticano e a R. F. da Alemanha, cujo chanceler se declarava um católico convicto, reconhecem a Croácia católica como estado independente. O Vaticano mandou para todo o mundo anúncios para que os países reconhecessem o novo estado católico. O papa multiplica os apelos, as preces e as missas pela independência da Croácia. Durante esse tempo, o ditador croata, antigo oficial superior do regime comunista e também católico praticante, deu férias para todos os seus funcionários ortodoxos, isto é, sérvios. Depois escolheu como bandeira nacional a antiga insígnia dos Oustachis, que entre 1940 e 44 tinham praticado um genocídio de cerca de 600.000 sérvios. A guerra civil iniciou-se.

Finalmente termina essa guerra, e o papa beatifica o cardeal Stepinac que havia qualificado Ante Palevitc, o ditador Oustachi durante a ocupação de 1940/44, de “Dom de deus”, para a Croácia e o havia apoiado ativamente.

A guerra da Iugoslávia continuou depois na Bósnia, onde os membros dos três grupos religiosos (ortodoxos, muçulmanos e católicos) se enfrentaram em uma série de combates triangulares, tendo a população civil como a principal vítima. Depois a guerra passou para o Kosovo, província agrícola sem interesse estratégico, e todos sabemos o que se passou.

As guerras da Iugoslávia são um caso emblemático da catastrófica intolerância que é típica das religiões “reveladas”: as comunidades religiosas se enfrentam, neste final de século, em nome de religiões que elas receberam dos acasos da expansão dos diversos impérios (Romano, Bizantino e Otomano) desde a idade-média.

Notas do Tradutor

1 Que falta de conhecimentos sanitários!

2 Para evitar problemas de herança, dos bens da Igreja.

3 …do Maranhão, é esse mesmo!

4 Dominicanos e franciscanos dominavam a Inquisição.

5 No Brasil também interditou e puniu diversos padres mais ousados, como Leonardo Boff.

 

Postado
2 horas atrás, Faabs disse:

Vamos refrescar a memória....

 

A Página Negra do Cristianismo: 2000 Anos de Crimes, Terror e Repressão

  Mostrar conteúdo oculto

Prefácio

Há cerca de 2000 anos, nascia na Galileia um fundador de seita, que acabaria crucificado uns trinta anos mais tarde. Algumas de suas últimas palavras na cruz foram “Deem-me de beber”. E só. A seita que ele tinha fundado tornar-se-ia, com o passar dos anos, a maior de todos os tempos. Ela tomará o poder político dentro do Império Romano, abolirá a liberdade de religião, depois ajuntará montanhas de cadáveres: os seus membros massacrarão milhões de “infiéis”, “hereges”, “feiticeiras” e outros, depois se matarão entre eles próprios, levando a Europa às guerras mais ferozes que ela conheceu. Um passado destes poderia incitar à modéstia, mas os cristãos reivindicam, pelo contrário, o monopólio da ética. Proclamam que adoram o Deus único, que deus é “amor”, e se consideram melhores que o resto da humanidade.

Única ideologia capaz de dividir com o comunismo e o nazismo o pódio dedicado às ideologias mais mortíferas da história humana, o cristianismo mantém-se uma ideologia dominante em muitos países ocidentais, como o “gendarme do mundo”, os EUA. Chegou a hora de abrir o “Livro Negro do Cristianismo: 2000 anos de terror, perseguições e repressão”, que resume algumas das piores atrocidades cometidas em nome dessa ideologia que pretende promover o amor ao próximo.

Ano um

Os deuses não estavam mais, e Deus não estava ainda

O Império Romano garantia a liberdade de culto. O ateísmo e a razão dominavam. É nessa época que nasce um sujeito que, segundo dizem certos judeus, perdeu o juízo porque leu o Tora demasiadamente jovem. Ele funda uma seita que visa proibir o culto dos outros deuses, exceto o seu. O sujeito é finalmente morto, mas a seita se expande com o êxito que se conhece.

O culto da personalidade do fundador da seita atinge, nos cristãos, um nível que mesmo o estalinismo não conseguirá igualar: o fundador é proclamado “verdadeiro homem e verdadeiro Deus” (“Deus-Homem”, em linguagem comum). Os que duvidam disso são proclamados imediatamente hereges, e sofrerão mais tarde os raios da Inquisição. A partir do século IV da nossa era, começará o assassinato dos não-crentes pelos cristãos.

Anos 50-70

A seita cristã se desenvolve. Textos gregos, escritos por membros da seita fora da Palestina (“Os evangelhos”) relatam a vida do fundador: nascido duma virgem, que se manterá virgem mesmo tendo vários outros filhos, ele terá sarado doentes, mas também amaldiçoa uma figueira que fica instantaneamente seca, e fará precipitar num lago centenas de porcos que lhe não pertenciam (Nota 1). Este personagem, que defende os pobres mas também afirma que “aqueles que têm tudo serão louvados, e aqueles que nada têm, o pouco que têm ser-lhe-á retirado”, um pouco patético quando amaldiçoa uma figueira ou se deixa crucificar, é declarado a encarnação do “Deus único”. O fato de, segundo os evangelhos “canônicos”, as suas últimas palavras sobre a cruz terem sido “Dai-me de beber” não parece perturbar os adeptos da seita, que se expande por todo o Império.

A intolerância religiosa dos cristãos, que visam abertamente, desde o início, impor uma interdição aos cultos de deuses que não o seu, o qual eles insistem ser o “único Deus”, começa logo a atrair a atenção da justiça romana, que defende a liberdade de culto, a qual é um dos pilares dessa sociedade complexa e multicultural que é o Império Romano dos primeiros séculos da nossa era. A propaganda cristã inverte habilmente a situação. Os condenados pela justiça romana são declarados “mártires” e os seus restos são venerados nas igrejas, inventando-se a lenda de eles terem sido executados por terem “recusado a renegar a fé”, desculpa essa bem melhor do que a verdade nua, que mostra que foram condenados por desordem e imposição da intolerância religiosa na sociedade multicultural.

Ano 312

Tomada do poder pelos cristãos. No fim duma guerra civil, Constantino toma o poder. Pouco depois ele se converte oficialmente ao cristianismo, e “autoriza”, num primeiro tempo, o culto do deus único cristão, pelo Édito de Milão: é o início da perseguição religiosa na Europa. Pouco a pouco o culto dos outros deuses, exceto o deus cristão, vai sendo proibido. Os santuários clássicos serão destruídos ou transformados em igrejas cristãs. No fim do século IV, não haverá mais nenhum templo pagão em toda a bacia do Mediterrâneo.

Ano de 380

O imperador Teodósio proclama oficialmente o Cristianismo a única “Religião de Estado”. Mas ainda será necessário esperar mais 12 anos para que todos os outros cultos sejam definitivamente proibidos.

Ano de 389

Teófilo, hoje Santo Teófilo, é nomeado patriarca de Alexandria e inicia imediatamente uma violenta campanha de destruição de todos os templos e santuários não-cristãos. Tem o apoio do pio imperador Teodósio. Deve-se a Teófilo a destruição, em Alexandria, dos templos de Mitríade e de Dionísio. Essa loucura destruidora culmina em 391 com a destruição do templo de Serapis e da sua biblioteca. As pedras dos santuários destruídos serão usadas para edificar igrejas para a nova religião única, a cristã.

Em seguida e para demonstrar que ele é capaz de perseguir também cristãos (na medida em que eles não sejam 100% ortodoxos), Teófilo comanda pessoalmente as tropas que atacam e destroem os mosteiros que aderiram às ideias de Orígeno, um teólogo cristão que foi declarado herege porque afirmava que deus era puramente imaterial.

Ano de 389

Pela primeira vez, um chefe cristão dita a um imperador a política a ser seguida: Santo Ambrósio de Milão levanta-se em plena catedral e, com o sentido de caridade tão particular aos cristãos, impõe que o imperador anule a ordem que dera ao bispo de Calinicum, sobre o Eufrates, para que reconstruísse uma sinagoga que ele e a sua congregação tinham destruído. A Igreja toma partido, assim, desde o princípio, dos incendiários de sinagogas, posição que continuará a manter até ao ano de 1940.

Início dos anos 390

O piedoso imperador cristão Teodósio interdita progressivamente todos os cultos não cristãos. Pouco a pouco, os templos não-cristãos são fechados ao culto, as procissões “pagãs” são proibidas. Esta supressão da liberdade de religião em proveito exclusivo do cristianismo causa, por vezes, revoltas, como a de 408, em Calama, na Numídia. É nessa época que acontecem na Germânia as primeiras execuções de hereges, uma bela tradição que a Igreja desenvolverá com a Inquisição e a perpetuará até 1826.

Ano de 391

Uma multidão de cristãos, guiados por Santo Atanásio e Santo Teófilo, deita abaixo o templo e a enorme estátua de Serapis, em Alexandria, duas obras-primas da antiguidade. A coleção de literatura do templo também é igualmente destruída.

Ano de 412

Cirilo, hoje Santo Cirilo, doutor da Igreja, é nomeado bispo de Alexandria e sucede a seu tio Teófilo. Excita os sentimentos antissemitas difundidos entre os cristãos da cidade e, à frente duma multidão de cristãos, incendeia as sinagogas da cidade e faz fugir os judeus. Em seguida encoraja os cristãos a tomar os bens dos fugitivos, deixados para trás.

Ano de 415

Hepatia, a última grande matemática da Escola de Alexandria, filha de Theon de Alexandria, é assassinada por uma multidão de monges cristãos, incitados por Cirilo, patriarca de Alexandria, que será depois canonizado pela Igreja. O motivo dessa ação foi que a brilhante professora de matemática representava uma ameaça para a difusão do cristianismo pela sua defesa da Ciência e do Neoplatonismo. O fato de ela ser mulher, muito bela e carismática, fazia a sua existência ainda mais intolerável aos olhos dos cristãos. A sua morte marcou uma reviravolta: após o seu assassinato, numerosos pesquisadores e filósofos trocaram Alexandria pela Índia e pela Pérsia, e Alexandria deixou de ser o grande centro de ensino das ciências do Mundo Antigo. Além do mais, a Ciência retrocederá no Ocidente e não atingirá de novo um nível comparável ao da Alexandria antiga senão no início da Revolução Industrial. Os trabalhos da Escola de Alexandria sobre matemática, física e astronomia serão preservados, em parte, pelos árabes, persas, indianos e também chineses. O Ocidente, por outro lado, mergulha no obscurantismo, do qual começará a sair mais de um milênio depois. Em reconhecimento pelos seus méritos de perseguidor da comunidade científica e dos judeus de Alexandria, Cirilo será canonizado e promovido a “Doutor da Igreja”, em 1882.

Séculos V a XV

A “Idade Média Cristã”. Aproveitando o desaparecimento das grandes bibliotecas romanas e na ausência quase total da atividade editorial na Europa, a Igreja obtém, de fato, um monopólio sobre o conjunto da escrita e da informação. O povo é deixado propositadamente na ignorância, a leitura da Bíblia é desencorajada mesmo no caso de se ter acesso a um exemplar. Pouco a pouco, a Igreja impõe o seu domínio sobre a sociedade. A inquisição, o celibato dos padres (Nota 2), o caráter obrigatório do casamento antes de qualquer relação sexual, são todas instituições que datam dessa época. É também nessa época que se desenvolve o que se tornará uma das mais ricas tradições cristãs: queimar pessoas vivas. Cerca de um milhão de “bruxos” serão torrados durante a Idade Média. As cidades concorrerão para tentar bater recordes de quantidade de bruxos queimados por ano. O recorde foi estabelecido pela cidade de Bamberg, sede do episcopado, que conseguiu assar 600 feiticeiros num só ano.

Um grande número de membros da Igreja atual ainda lamenta o fim dessa época, quando a Igreja dominava totalmente a vida social. Religiosos (e outros) cristãos lembram com saudade a “espiritualidade” da época, a arte que deu grande ênfase à morte — assunto que sempre apaixonou os cristãos, e a música envolvente.

Ano de 804

O imperador cristão Carlos Magno converte grande número de saxões, propondo-lhes a seguinte escolha: converter-se ao catolicismo ou serem decapitados. Vários milhares de cabeças caem, com a bênção da Igreja: os sacerdotes presentes participam da jogada do imperador.

Século IX

Cisma do Oriente. O patriarca de Constantinopla pretende que se deve utilizar o pão com levedura para a Eucaristia. O Papa, bispo de Roma, afirma que se deve usar pão sem levedura. Com base neste problema de capital importância, a cristandade se divide, e os dois patriarcas, de Roma e de Constantinopla, se excomungam mutuamente. O Cisma vai provocar mortes até aos anos 90 (guerras nos Balcãs, ex-Iugoslávia, de católicos contra ortodoxos).

Ano de 1182

Os “pogroms” latinos de Constantinopla. Na cidade do piedoso patriarca que come pão levedado, estabeleceu-se, desde o início de século XII, uma colônia de mercadores “latinos”, essencialmente originários de Veneza, Gênova, Pisa e Amalfi. Mas essas pessoas têm tudo para desagradar aos prelados ortodoxos: além de utilizarem o pão sem levedura para a Eucaristia, fazem o sinal da cruz no sentido errado, da esquerda para a direita e não da direita para a esquerda! Os popes excitam a população e enfim, nos dias radiosos de maio de 1182, a multidão guiada pelos popes pega os latinos: vários milhares deles, homens, mulheres e crianças são trucidados.

Séculos XI e XII

Em face do crescimento da população da Europa, a Igreja propõe um método de controle populacional “natural”: as cruzadas. O apelo às cruzadas foi lançado em 1095. Em 1099 Jerusalém é “libertada”: logo que as tropas cruzadas entraram na cidade, o governador muçulmano rendeu-se sob a promessa da população civil ser poupada. Claro, a totalidade da população (que compreende essencialmente judeus e muçulmanos) é passada pelas armas nas horas seguintes, mas com o cuidado de antes violentar todas a mulheres e decapitar as crianças. Estima-se em 70.000 o número de civis massacrados. A última fase do massacre passa-se nas sinagogas e mesquitas da cidade, onde os habitantes aterrorizados se refugiaram: pensam que o caráter religioso dos locais possa inspirar os piedosos cruzados à clemência. Nada disso acontece: os cruzados entram e transformam os locais de culto em vastas carnificinas. O massacre de milhares de civis amontoados na grande mesquita da esplanada do templo dura várias horas. “Tudo o que respira” na cidade foi morto, informam com orgulho os comandantes dos cruzados.

Ano de 1204

A 4a Cruzada fez uma parada em Constantinopla, na época a maior cidade cristã. Mas os cristãos sabem fazer entre eles o que fazem aos outros: durante três dias, Constantinopla foi posta a saque, com uma orgia de violências indescritíveis.

Anos de 1208 a 1244

Cruzada dos Albigences: por iniciativa do papa Inocêncio III, uma cruzada é preparada. Em 1209, como alguns “hereges” se haviam misturado com a população de Beziers, o duque Simon de Monfort deu uma ordem que lhe assegurou a posteridade: “Matem-nos todos, deus reconhecerá os seus”. Toda a população, homens, mulheres e crianças são passados pelas armas. A Provence e a região de Toulouse ficam muito despovoadas após essa guerra que é dirigida contra a população civil, com uma ferocidade sem precedentes desde as invasões bárbaras.

Anos de 1226 a 1270

Luís IX, rei de França. Finalmente um católico, de reputação piedosa e íntegra, ascende à coroa de França. A Igreja o canoniza em 1290, em reconhecimento de seus méritos que, ninguém duvida serem excepcionais. De fato, durante o seu reinado, São Luís lança duas cruzadas, que terminam as duas de modo catastrófico: pouco importa, é a intenção (de matar e de pilhar) que conta, aos olhos da misericordiosa Igreja católica! No plano interno, São Luís (Nota 3) faz de modo que a justiça puna de modo sistemático os blasfemeadores: são postos nos pelourinhos e têm as suas línguas atravessadas por ferros em brasa.

Ano de 1231

Fundação da Inquisição. O Santo Ofício, durante toda a sua história, queimou mais de um milhão de pessoas, essencialmente hereges, judeus e muçulmanos convertidos e também os “bruxos”. A última feiticeira será queimada em 1788. O último “herege” chegará à sua vez em 1826. A inquisição e os seus imitadores protestantes queimam também médicos e cientistas, desde que haja uma oportunidade.

A Igreja nunca se arrependeu dos atos da Inquisição e até garantiu a continuidade histórica da instituição até aos nossos dias, limitando-se apenas a mudar-lhe o nome: será necessário esperar que Pio X, em 1906, faça que o “Santo Ofício da Inquisição” seja renomeado como “Santo Ofício”, e em 1965, para que seja rebatizado como “Congregação para a doutrina da fé”. Enfim, em 1997, o papa abre os arquivos do Santo Ofício, e historiadores escolhidos a dedo são autorizados a fazer pesquisas. As estimativas do número total de vítimas da inquisição são então revistas para cima, havendo um consenso que roda hoje em torno de um milhão de pessoas executadas, ao qual é necessário acrescentar as inúmeras pessoas torturadas e com todos os seus bens apreendidos.

Ano de 1251

O papa Inocêncio IV autoriza enfim a inquisição a praticar a tortura. A obtenção das confissões de culpa é grandemente facilitada. A inquisição pode aplicar, com base em confissões arrancadas através de tortura, penas indo duma simples oração ou dum jejum até à confiscação dos bens e mesmo prisão perpétua. Mas ela não pode condenar à morte. Com a subtileza característica da Igreja católica, a inquisição podia “passar” um herege para a justiça comum, que o levará à morte na fogueira, com base na confissão obtida pela Igreja, mesmo com tortura. Essa subtilidade permitirá à Igreja afirmar que ela nunca matou ninguém…

Anos 1347 a 1354

Em toda a Europa reina a Morte Negra, a primeira grande epidemia de peste no continente. Os prelados católicos logo descobriram os culpados: os judeus teriam envenenado os poços de água. Esse boato espalha-se por toda a Europa e inúmeros “pogroms” acontecem. Na Alemanha contam-se 350 comunidades judias totalmente destruídas pelos “pogroms” nesse período. Na Itália, em Milão, as autoridades civis e eclesiásticas, depois de terem executado no braseiro os “untori” judeus, inauguraram uma coluna comemorativa para lembrar o seu feito. Essa coluna passou à História com o nome de “Coluna infame”, quando, no século XIX, o romancista Manzoni teve, em primeira mão, a coragem de denunciar esse monumento à perversão religiosa.

Ano de 1483

Tomás de Torquemada é nomeado Grande Inquisidor de Castela. Esse monge dominicano (Nota 4) faz uma ampla utilização da tortura e da confiscação dos bens das vítimas. Estima-se em 20.000 o número de pessoas queimadas durante o seu mandato.

Ano de 1487

Dois monges dominicanos alemães, Jacob Sprenger e Heinrich Institoris publicam o “Malleus Malleficarum”: trata-se dum espesso volume de 400 páginas que é um guia (claro que aprovado pela hierarquia católica) de caça às bruxas. Lá se pode aprender a identificá-las (p. ex. se uma mulher acariciar um gato preto e a centenas de metros alguém se sentir mal, etc), a torturá-las para as fazer confessar, e como os inquisidores podem se absolver mutuamente, depois duma sessão de tortura. A obra afirma também que negar a existência da feitiçaria é uma heresia muito grave, passível de morte na fogueira. Durante dois séculos e meio, na Alemanha, depois da publicação do Malleus Malleficarum, negar a bruxaria podia levar ao braseiro. O manual foi um “best-seller”…

Ano de 1492

O rei “muito católico” e a rainha “muito católica” (títulos dados pelo papa em pessoa!) de Espanha, expulsam os judeus. Eles podem escolher se converter, para então poderem ser justiçados pela inquisição (que queimará grande número deles) ou partir. Mais de 160.000 judeus saíram da Espanha. A hierarquia católica não fica indiferente a essa medida duma crueldade assustadora: ela aprova a medida, e o papa encoraja os outros soberanos europeus a se inspirarem no exemplo espanhol. Em toda a Europa os padres católicos se mobilizam para obrigar os governos a proibir a entrada dos judeus expulsos.

Os judeus que escolheram se converter são perseguidos pela inquisição com uma impressionante determinação: até ao século XVIII, far-se-á o “Teste da banha de porco” aos judeus convertidos e seus descendentes: uma salada com pedaços de carne e banha de porco é apresentada ao “convertido”. Se for notado que ele não comeu a carne suína, será queimado como “falso convertido”. Esse método será também aplicado aos muçulmanos e seus descendentes.

Se a expulsão dos judeus de Espanha foi a maior do gênero registrada na História, não foi a primeira. Na França, os prelados católicos tinham já conseguido a expulsão dos judeus em 1306, e que foi logo revogada, antes de ser confirmada em 1394. A Inglaterra já tinha procedido à expulsão em 1290. Em 1496, Portugal imita o seu poderoso vizinho, expulsando também os judeus.

Ano de 1493

O primeiro índio da América no paraíso. Quando Cristóvão Colombo, que teve o cuidado de levar um monge nas bagagens, chega à América, encontra os índios que descreverá como gente amigável e solícita. Prende 12 deles e os leva para Espanha. À chegada, um deles fica doente: antes da sua morte, é batizado rapidamente, o que permite a corte dos muito católicos reis exultar, porque um indígena do Novo Mundo acabava de entrar no paraíso cristão. Esta triste história marcará o início da trágica cristianização dos índios americanos, onde os episódios dos redutos do Paraguai e as perseguições aos índios Pueblo serão alguns dos mais trágicos.

Ano de 1499

Acontece neste ano o maior “auto da fé” que a História registra. Em um só auto de fé, o inquisidor Diego Rodrigues Lucero queima vivos nada menos que 107 judeus convertidos ao cristianismo, em Córdova.

Século XVI

O drama dos castrados. A Igreja, que tinha proibido que mulheres cantassem no coral das igrejas, enfrenta um problema trágico: como não torturar os ouvidos dos piedosos prelados de cristo, privando-os das vozes sopranas, tão importantes nos coros para louvar o amor a deus? Uma solução bárbara é encontrada: castrar jovens meninos cuja voz tenha sido considerada bela. Nos corais da Santa Igreja católica não faltarão assim nunca os sopranos e contraltos…

Esta prática bárbara só terminará em 1878, por ordem do Papa Leão XIII. Mas é mantida ainda durante o século XIX, a ponto de Rossini, quando ele compôs a “Pequena missa solene”; escreveu, com naturalidade, que serão suficientes para executá-la “um piano e uma dúzia de cantores dos três sexos, homens, mulheres e castrados”.

Ano de 1506

“Pogrom” de Lisboa: 3000 judeus são trucidados pelos piedosos católicos, incitados pelos prelados.

Século XVI

Júlio II della Rovere, papa. Hábil chefe militar, veste uma armadura durante a missa, quando um monge insolente lhe diz que o traje não é conveniente. “Quando se trata de conquistar terras, deus não faz questão do traje, mas da fé do seu servidor”, lhe responde, passando assim à História. Deus lhe permitiu, de fato, conquistar a cidade de Bolonha, que foi, como deveria, posta a saque.

Ano de 1521

Inspirado pelo Espírito Santo, que aparentemente não tinha o que fazer, um monge alemão, Martin Luther, traduz do latim o “Novo Testamento”, em algumas semanas. O diabo acaba de o tentar: Lutero não encontra coisa melhor a fazer do que lançar sobre ele um tinteiro, que suja a parede. Essa mancha está religiosamente preservada para os turistas do castelo de Wartburg.

O acontecimento pareceria insignificante. Mas não é, pois ele inaugura o maior cisma da cristandade: durante os séculos seguintes, os cristãos vão se massacrar mutuamente ainda com mais entusiasmo do que quando eles matavam e queimavam os não-cristãos, os hereges, as bruxas, os judeus e muçulmanos convertidos, etc.

Lutero escreverá e dirá diversas vezes que era necessário queimar as sinagogas e escorraçar os judeus das cidades: ele se situa assim dentro da tradição dos pais da Igreja católica, e que será mantida até ao século XIX pela inquisição e depois no século XX pelos camisas castanhas (seguidores de Mussolini).

Ano de 1527

Saque de Roma. Os soldados protestantes massacram a totalidade da população de Roma, umas 40.000 almas, e pilham a cidade. O papa é salvo pelos guardas suíços. Ele se fecha com eles no Castelo de Santo Ângelo, enquanto a população é massacrada. Ele passou um grande medo. Os suíços ganham assim uma fama profissional no estrangeiro, o que se perpetua até hoje.

Ano de 1553

Calvino, que condena os excessos da Igreja Católica, faz decapitar o livre-pensador e médico Michel Servet, que havia descoberto a circulação sanguínea. Esse é somente um dos 15 hereges que o reformador fez executar durante a sua ditadura sobre Genebra.

Calvino tem um papel muito ativo na prisão e depois na condenação à morte de Michel Servet. Primeiro ele troca correspondência com ele e depois que o médico, fugindo da inquisição, chega a Genebra, manda-o prender. Calvino havia dito a seu amigo, o reformador Farel, que se Servet entrasse em Genebra, de lá não sairia vivo. Ele manteve a sua promessa e interveio pessoalmente no julgamento pedindo a sua execução. A única clemência dada a Servet foi de ser decapitado em vez de queimado vivo.

Ano de 1571

A invenção da imprensa permite que um número crescente de pessoas se informe. A Igreja reage criando o Índex (Index Additus Librorum Prohibitorum): essa instituição editava regularmente a lista dos livros proibidos. A última edição do Índex foi publicada em 1961.

Anos de 1566 a 1572

Pio V, papa. Este santo da Igreja católica vangloria-se publicamente diversas vezes de ter, durante a sua carreira de inquisidor, colocado fogo com suas próprias mãos em mais de 100 fogueiras de hereges que ele mesmo acusara, confundira e condenara.

Publica também uma nova edição do catecismo oficial da Igreja, no qual o amor ao próximo e a misericórdia ocupam um lugar importante.

Anos de 1547 a 1593

Guerras de religião na França. As subseitas cristãs entregam-se a uma guerra civil sem perdão, interrompida por diversas pazes e tréguas temporárias. Durante uma delas, teve lugar o massacre de 20.000 protestantes, homens, mulheres e crianças, numa só noite, a tristemente célebre Noite de S. Bartolomeu (1572).

Fim do século XVI até ao início do século XVIII

Conversão forçada dos índios Pueblo. Subindo pela costa do golfo do México, os exploradores espanhóis, sempre acompanhados de monges e padres, entram em contato com a tribo dos Pueblo, no território que hoje pertence ao estado americano do Novo México: diferentes dos índios nômades das planícies do Norte e doutros indígenas mais combativos que os espanhóis encontraram no México e na América do Sul, os índios Pueblo vivem em aldeias (los pueblos) de casas de tijolos com 2 ou 3 andares, são pacíficos e praticam a agricultura. Seguem uma religião na qual se venera o “Pai do Céu” e a “Terra Mãe”, temem os demônios (os Skinnwalkers) que andam pela crista das montanhas ao pôr do sol, veneram os corvos como reencarnação dos seus antepassados. Eles têm também um rico templo de deuses semelhantes aos dos gregos, sendo o seu deus principal a mulher-aranha. As cerimônias são celebradas em pequenas igrejas familiares, as Kivas. Estes pacíficos agricultores logo se tornam objeto de atenção dos padres espanhóis, impacientes por substituir o culto do Pai Céu e da Mãe Terra por aquele de cujo deus se bebe o sangue durante as cerimônias: os pajés índios são acusados de bruxaria e executados. As Kivas são destruídas pelos militares hispânicos. Os cultos religiosos tradicionais são proibidos, sob pena de mutilação. Índios surpreendidos a celebrar uma cerimônia tradicional terão um braço ou um pé cortados. Apesar disso tudo, alguns índios continuarão a fazer os seus cultos, em segredo e à noite. Os padres católicos usarão esse fato nos seus sermões e que os índios ainda hoje citam com amargura: os padres diziam que a religião dos índios era a das trevas, pois era sempre à noite, enquanto que o cristianismo era a religião da luz, pois se come a carne e se bebe o sangue do deus cristão em pleno dia. Diversas revoltas sangrentas pontuam a cristianização dos Pueblo. Essa perseguição religiosa só cessará depois da anexação do território pelos EUA, em 1847.

Ano de 1600

Giordano Bruno é queimado vivo em Roma, condenado por heresia. Ele havia ousado definir o Universo como infinito e admitido a hipótese da existência de formas de vida fora da Terra. Era demais para a Igreja. Depois de 8 anos de processo, durante os quais lhe são arrancadas confissões, sob tortura, ele é condenado à morte como “herege obstinado e ímpio”. Ele se defende tentando mostrar que as suas ideias não estão em contradição com as doutrinas cristãs, mas em vão. Ele foi queimado vivo, em público, em Roma, no Campo dei Fiori. Tiveram o cuidado de lhe cortar a língua antes de o enviar ao local da execução, para evitar todo o risco de que as suas palavras emocionassem a multidão que veio assistir ao espetáculo. O seu principal acusador, o cardeal Bellarmino, será mais tarde canonizado e, em 1930, proclamado “Doutor da Igreja”.

É interessante notar que, no caso de Galileu, a Igreja católica expressou o seu arrependimento no fim do séc. XX, com a sua reabilitação em 1992, nunca se arrependerá da execução de Bruno. Pelo contrário, ela se opôs com veemência à instalação duma estátua de Giordano Bruno, em 1889. Em 1929, o papa pediu a Mussolini para que destruísse essa estátua, antes de canonizar e depois nomear “Doutor da igreja” o cardeal Roberto Bellarmino, acusador de Giordano Bruno.

Ano de 1609

Expulsão dos mouros de Espanha. Depois da expulsão dos judeus de Espanha, a inquisição se aborrecia um pouco nesse belo país. Lança então a caça aos “morescos”, os árabes convertidos ao cristianismo. Há a suspeita de serem falsos convertidos e são executados todos os que se recusam a beber vinho ou comer carne de porco, ou que sejam limpos demais. Com efeito, o Islamismo, contrariamente ao cristianismo, prescreve lavagens periódicas. A higiene nunca foi tão perigosa como no séc. XVI em Espanha! Enfim, em 1609, temendo talvez ter deixado passar alguns falsos convertidos, a inquisição consegue do rei a expulsão dos “morescos” para o Norte da África. O número dos expulsos é mal conhecido: as estimativas variam entre 300.000 e 3.000.000. Os expulsos chegam a terras islâmicas, onde o Corão prevê a pena de morte para os que renegaram Mahomé…

Ano de 1633

Processo de Galileu. Por ter duvidado da teoria geocêntrica de Ptolomeu, (que, diga-se de passagem, não era cristão), Galileo Galilei é obrigado a retratar-se: são-lhe mostrados os instrumentos de tortura que seriam usados se ele insistisse. O processo de Galileu só foi reaberto para revisão pelo papa João Paulo II, e Galileu é reabilitado em 1992.

As suas obras já tinham sido colocadas no Índex em 1616. Passará o resto da sua vida confinado na sua casa (prisão domiciliar). Foi a sua reputação internacional de cientista que lhe evitou consequências mais graves.

Anos de 1618 a 1648

Guerra dos 30 anos. Os muito católicos reis de Habsbourg forçam a conversão dos seus súbditos protestantes da Boêmia, iniciando a maior guerra que o continente europeu tinha conhecido. A população da Alemanha é reduzida à metade. Numerosas cidades são devastadas. Epidemias de peste assolam toda a Europa Central, desde a Lombardia à Prússia.

Trata-se realmente duma guerra religiosa, embora as igrejas tenham tentado fazer crer que se tratava dum conflito político: a guerra iniciou-se por conflitos religiosos e pela ação de reis estrangeiros, como Gustavo II da Suécia, que intervieram por razões de convicção religiosa. O caso de Gustavo II é particularmente significativo, pois obrigava seus soldados a cantar canções religiosas todas as noites, embora eles fossem uns terríveis saqueadores. O exército sueco ganhou o título de “Schrecken des Krieges” pela população alemã, que teme a pilhagem dos suecos ainda mais do que as feitas pelos exércitos dos Habsbourg.

Segunda metade do séc. XVIII

O assunto das reduções do Paraguai. Este caso é particularmente interessante, pois aqui os católicos se massacram e se excomungam entre eles. Os jesuítas haviam estabelecido no Paraguai um pequeno império particular feito de reduções (redutos), ou seja, pequenas aldeias fortificadas na floresta, onde viviam os índios convertidos ao cristianismo, mas uma correção das fronteiras coloca alguns desses redutos em território português. Ora, Portugal, país católico e cristão, mantém na época a tradição da escravatura: os portugueses pensam então roubar aos jesuítas os índios para depois vendê-los como escravos.

O papa intervém, excomunga os jesuítas das reduções. Depois, um exército, com os canhões e espadas benzidas pelos padres de serviço, ataca as reduções, massacra os jesuítas e toma os índios como escravos. Um Te Deum solene celebra a vitória, como deve.

Pouco depois o papa interdita a ordem dos jesuítas, culpada de ser muito inteligente e racional, e sobretudo de não ter servido com lealdade a família de Bourbon, reis de França e de Espanha, monarcas absolutos e grandes amigos da Igreja católica.

Ano de 1766

Em pleno século das luzes, um jovem de 19 anos, o Cavaleiro de la Barre, passa “a vinte passos duma procissão, sem tirar o chapéu”. É preso e torturado. Finalmente é decapitado depois de lhe terem cortado a língua. O seu corpo é depois colocado sobre uma fogueira e queimado junto com um exemplar do Dicionário Filosófico de Voltaire, diante duma multidão entusiasmada.

Ano de 1788

No Cantão de Glaris, na Suíça, a última bruxa foi queimada.

Esta execução da Inquisição não foi a última, e continuará queimando hereges até 1826.

Ano de 1793

Kant, professor de Filosofia em Konigsberg e estrela internacional da filosofia moderna, depois da publicação da “Crítica da Razão Pura”, publica “A religião nos limites da Razão”, onde ele coloca as doutrinas cristãs à prova do raciocínio e do “imperativo categórico”. É demais para os piedosos reis da Prússia, que empurrados pelos prelados protestantes, intervém e Kant é forçado a retratar-se publicamente, sob pena de perder imediatamente o seu posto na universidade de Konigsberg. Todos os professores universitários são obrigados a assinar, sob pena de dispensa imediata, um documento onde prometem não citar os ensinamentos de Kant com relação à religião. Como no caso de Galileu, a fama internacional de Kant o salva de consequências mais severas. Kant ainda pensa em se exilar, mas neste fim de século, há poucos céus clementes para pensadores que ousaram criticar aspectos da ideologia cristã. Assim acabará os seus dias em Konigsberg.

Ano de 1826

O último herege é queimado vivo pela inquisição espanhola. Uma rica tradição cristã termina. Daí para a frente, a Igreja recorrerá a meios mais sutis para matar, como proibir a assistência a mulheres que devem abortar, sabotando o planejamento familiar nos países pobres, proibindo os preservativos como modo de lutar contra a Aids-Sida, etc.

Ano de 1847

Guerra do Sonderbund. A Suíça é dilacerada por uma guerra religiosa. Os cantões católicos, cujos governos estão muito influenciados pelos conselheiros jesuítas, fundam uma aliança militar, o Sonderbund, que exige a anexação aos cantões católicos de regiões majoritariamente protestantes. Chamam os monarcas católicos da Áustria em seu auxílio, depois iniciam as hostilidades. Somente uma vitória rápida das tropas federais/protestantes permitiu evitar uma intervenção austríaca, que levaria a um conflito de extensão europeia.

Os protestantes, por seu lado, encetam uma feroz “Caça aos católicos”, nos campos de Genebra.

Os jesuítas, considerados responsáveis pela guerra, são expulsos da Suíça, e essa expulsão valerá até 1970.

Ano de 1848

A população de Roma revolta-se contra a ditadura papal. O papa é expulso. Volta ao poder em 1849, devido à ação das tropas francesas enviadas por Luís Napoleão Bonaparte, presidente da república francesa. Os opositores são fuzilados. O Estado da Igreja volta a ser uma monarquia absoluta, cujo soberano é o papa.

Ano de 1871

O papa excomunga todo aquele que participar de qualquer eleição do estado italiano, que é classificado como “diabólico”, porque retirou aos papas o seu poder temporal. Essa sentença de excomunhão automática não impedirá o papa de abençoar, alguns anos depois, a fundação do “Partito populare”, de inspiração católica e fundado por um padre.

Ano de 1881

Os “Pogroms” russos começam. Incitados pelos prelados ortodoxos, que difundiram um boato que o Czar Alexandre II teria sido assassinado por um judeu, multidões se juntam em mais de 200 cidades russas e destroem os bens dos judeus. Os pogroms tornar-se-ão comuns na piedosa Rússia Czarista, sobretudo entre 1908 e 1917. O mais violento dentre eles teve lugar em Kishinev, em 1913: as autoridades civis e religiosas da cidade incitam a multidão que ataca violentamente os judeus. Durante dois dias a multidão mata 45 judeus, fere 600 e pilha 1500 casas. Claro que os responsáveis (popes e políticos) nunca serão incomodados pela justiça.

Ano de 1889

Numa Roma livre do jugo papal, no dia 9 de junho, é inaugurada a estátua de Giordano Bruno, no Campo das Flores. O papa Leão XIII, sofredor, passará o dia todo de jejum aos pés da estátua de S. Pedro. A imprensa católica dispara: fala de “orgia satânica”, descrevendo a manifestação da inauguração, o “triunfo da sinagoga, dos arquibandidos da Maçonaria, dos chefes do liberalismo demagógico”, “o máximo da ignorância e da malignidade anticlerical”.

Anos de 1918 a 1945

Os anos do compromisso. A Igreja católica apoia ativamente o crescimento dos totalitarismos na Europa. Na Áustria, o seu apoio ao Austro-Fascismo é total. Na Itália, ela assina com o regime fascista uma concordata que faz do catolicismo a religião de estado: os italianos podem de novo votar sem serem excomungados, pena que isso de pouco serve em período de ditadura. A Igreja sacrifica em grande parte as suas próprias associações: todas, exceto a Ação Católica, devem integrar as organizações fascistas. O Vaticano promete a Mussolini de fazer com que a Ação Católica não se deixe tentar por ações antifascistas.

Em 1929, Mussolini, depois de ter assinado a concordata dita “Patti Lateranensi”, é qualificado pelo papa como “o homem da providência”. Em 1932, o ditador recebe das mãos do papa a Ordem da Espora de Ouro, que é a mais alta distinção concedida pelo Estado do Vaticano.

Essa bela harmonia vai resistir mesmo ao momento de tensão causado pela estátua de Giordano Bruno. O papa aproveita a concordata para pedir ao seu amigo ditador que destrua a estátua erigida em 1889. O ditador, que tem um filho com o nome de Bruno, toma a defesa do livre-pensador e declara à Câmara de Deputados que “A estátua de Giordano Bruno, melancólica como o destino desse monge, ficará onde ela está. Tenho a impressão que seria se encarniçar contra esse filósofo que, se equivocado e persistiu no erro, no entanto já pagou”. Para mostrar que não se arrepende de nada a Igreja canoniza então Roberto Bellarmino, o acusador de G. Bruno, nomeando-o “Doutor da Igreja”.

Na Alemanha, em janeiro de 1933, o Zentrum, partido católico, cujo líder é um prelado católico (Pralat Kaas), vota plenos poderes para Hitler: este último pode assim atingir a maioria de dois terços necessária para suspender os direitos garantidos pela Constituição. Com uma caridade toda cristã, o bom prelado aceita também fechar os olhos para os discutíveis processos nazistas, como a prisão dos deputados comunistas antes da votação. Depois a Igreja começa a negociar uma nova concordata com a Alemanha: nesse cenário, ela sacrifica o Zentrum, então o único partido significativo que os nazistas não tinham proibido. Na realidade ele tinha-o ajudado a chegar ao poder. Em 5 de julho de 1933, o Zentrum se dissolve sob solicitação da hierarquia católica, deixando o caminho livre para o NSDAP de Hitler, então partido único.

Hitler declara-se católico no “Mein Kampf”, o livro onde ele anuncia o seu programa político. Também afirma que está convencido ser ele um “instrumento de deus”. A Igreja católica nunca colocou no seu Índex o “Mein Kampf”, mesmo antes da ascensão de Hitler ao poder. Podemos acreditar que o programa antissemita do futuro chanceler não desagradava à Igreja. Hitler mostrará o seu reconhecimento tornando obrigatória uma prece a Jesus nas escolas públicas alemãs e reintroduzindo a frase “Gott mit uns” (Deus está conosco) nos uniformes do exército alemão.

Em 1938, as SS e SA organizam a “Noite de Cristal”: com trajes civis, os milicianos nazistas atacam sinagogas e lojas pertencentes a judeus. A população alemã está horrorizada e aterrorizada. O bispo de Freiburg, monsenhor Gröber, declara então, em resposta às perguntas sobre as leis racistas e os pogroms da noite de cristal: “Não podemos recusar a ninguém o direito de salvaguardar a pureza da sua raça e de elaborar medidas necessárias a esse fim”.

Na Espanha, um general tenta um golpe de estado militar, que aborta mas degenera em guerra civil. A Igreja o apoia, padres e bispos benzem os canhões de Franco, celebram com muita pompa Te Deum pelas suas vitórias contra o governo republicano legítimo. A guerra faz mais de um milhão de mortos, e Franco fuzila todos os prisioneiros. Franco se mostrará reconhecido por seus piedosos aliados, nomeando diversos membros da Opus Dei para o seu governo. A influência da Opus Dei crescerá ao longo da ditadura franquista, ao ponto de se chegar a mais de metade dos ministros serem membros dessa venerável instituição católica.

Na França, a Igreja declara, desde 1940, que “Petain é a França”: ela prefere de fato o Trabalho-Família-Pátria do estado francês às Liberté-Égalité-Fraternité da República, que sempre a horrorizaram.

Durante a 2a guerra mundial, o Vaticano estava ciente do extermínio dos judeus pelos nazistas. Saber-se-á, após a guerra, que o papa diversas vezes esteve para fazer um pronunciamento público, mas que finalmente se absteve essencialmente pela sua comunistofobia e achando que uma vitória russa seria “pior”. No entanto ele chorou em 1942, junto às ruínas de Roma, bombardeada pelos aliados. Também ele se esquece de mencionar que o seu aliado político Mussolini tinha solicitado a Hitler para ter “a honra de participar dos bombardeamentos sobre Londres”, é verdade que o papa não habitava em Londres…

Ano de 1948

O papa declara que todo aquele que votar nos comunistas ou que ajudar esse partido de qualquer maneira será automaticamente excomungado. Essa medida divide as famílias, provoca exclusões socialmente intoleráveis para muitos e obriga à clandestinidade de numerosos comunistas nas zonas rurais.

Os curas italianos apressaram-se a traduzir essa decisão em fatos, e pedem que as suas ovelhas votem no grande partido anticomunista (DC — Democrazia Cristiana). O partido DC vai-se afundar logo em seguida na corrupção generalizada nos anos 90.

Ano de 1961

Última edição do índex (Índex Additus Librorum Prohibitorum), que cita como autores cujas obras são proibidas de leitura pelos católicos entre outros: Jean-Paul Sartre, Alberto Moravia, André Gide.

Anos 80

Depois de um período de aparente liberalização, o papa João Paulo II chega à cabeça da maior seita do mundo e rende-se às mais terríveis tradições da Igreja.

A sua condenação do preservativo, como modo de luta contra a Aids-Sida, provoca um grande número de mortos, difícil de estimar. Pratica uma política ativa de sabotagem às medidas de controle da natalidade no terceiro mundo. As consequências são difíceis de contabilizar, mas podem ser medidas em termos de fome, miséria, criminalidade e falta de assistência médica nos continentes mais pobres — América do Sul e África.

Na sua caça aos hereges, o papa suspende “A divinis”, dois teólogos alemães que tinham ousado duvidar, um da infalibilidade papal, e outro da imaculada concepção de Maria. (Nota 5)

Anos 90: guerras de religião na Iugoslávia

A Iugoslávia era, nos anos 80, uma das terras favoritas para férias balneares dos europeus. A publicidade iugoslava da época vendia o caráter multireligioso do país como um argumento turístico, pois se podia ver em Mostar e em outras belas cidades as mesquitas e as igrejas lado a lado. Mas o país se afundou numa série de guerras civis que se querem descrever como guerras “étnicas”, quando na verdade se tratam de guerras religiosas. O caso da guerra da Croácia é o mais flagrante. Sérvios e croatas têm a mesma origem étnica e até a mesma língua, o Croata-servo. O mais irônico é que o croata-servo (servo-croata, escrito em caracteres latinos), é hoje a língua oficial dos soldados do exército Iugoslavo que combateu em Kosovo contra a OTAN, depois de ter lutado contra os croatas no início dos anos 90. Mas a religião separa os croatas dos Sérvios: os croatas foram cristianizados por Roma e são católicos. Os sérvios foram cristianizados pelos bizantinos e são ortodoxos. Quando Milosevitch começa a agitar o espectro da “Grande Sérvia”, a Croácia declara a independência. Imediatamente o Vaticano e a R. F. da Alemanha, cujo chanceler se declarava um católico convicto, reconhecem a Croácia católica como estado independente. O Vaticano mandou para todo o mundo anúncios para que os países reconhecessem o novo estado católico. O papa multiplica os apelos, as preces e as missas pela independência da Croácia. Durante esse tempo, o ditador croata, antigo oficial superior do regime comunista e também católico praticante, deu férias para todos os seus funcionários ortodoxos, isto é, sérvios. Depois escolheu como bandeira nacional a antiga insígnia dos Oustachis, que entre 1940 e 44 tinham praticado um genocídio de cerca de 600.000 sérvios. A guerra civil iniciou-se.

Finalmente termina essa guerra, e o papa beatifica o cardeal Stepinac que havia qualificado Ante Palevitc, o ditador Oustachi durante a ocupação de 1940/44, de “Dom de deus”, para a Croácia e o havia apoiado ativamente.

A guerra da Iugoslávia continuou depois na Bósnia, onde os membros dos três grupos religiosos (ortodoxos, muçulmanos e católicos) se enfrentaram em uma série de combates triangulares, tendo a população civil como a principal vítima. Depois a guerra passou para o Kosovo, província agrícola sem interesse estratégico, e todos sabemos o que se passou.

As guerras da Iugoslávia são um caso emblemático da catastrófica intolerância que é típica das religiões “reveladas”: as comunidades religiosas se enfrentam, neste final de século, em nome de religiões que elas receberam dos acasos da expansão dos diversos impérios (Romano, Bizantino e Otomano) desde a idade-média.

Notas do Tradutor

1 Que falta de conhecimentos sanitários!

2 Para evitar problemas de herança, dos bens da Igreja.

3 …do Maranhão, é esse mesmo!

4 Dominicanos e franciscanos dominavam a Inquisição.

5 No Brasil também interditou e puniu diversos padres mais ousados, como Leonardo Boff.

 

 

O Cristianismo trouxe amor, paz e solidariedade ao mundo. Crime, terror e repressão é nos regimes ateus que mataram 100 milhões de pessoas em um século. Se você duvida, estude história. Pegue dois ou três livros sobre a história do mundo e leia. Não é a minha opinião, são fatos históricos.

Postado (editado)
21 minutos atrás, FrangoEctomorfo disse:

 

O Cristianismo trouxe amor, paz e solidariedade ao mundo. Crime, terror e repressão é nos regimes ateus que mataram 100 milhões de pessoas em um século. Se você duvida, estude história. Pegue dois ou três livros sobre a história do mundo e leia. Não é a minha opinião, são fatos históricos.

Se você acha que cristianismo trouxe somente amor e alegria, você não leu nada sobre a história do cristianismo, ou leu só o que lhe agrada e ignorou todo o resto.

 

Ainda posso complementar com o 2º capítulo do livro "God is Not Great", disponível aqui: http://lelivros.today/book/baixar-livro-deus-nao-e-grande-christopher-hitchens-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler-online/

 

Spoiler


Imagine que você pode realizar um feito do qual eu sou incapaz. Imagine,
em outras palavras, que você pode criar a imagem de um criador infinitamente
bondoso e todo-poderoso, que o concebeu, depois o fez e moldou, o colocou no
mundo que ele tinha feito para você e agora o supervisiona e cuida de você mesmo
quando você está dormindo. Imagine ainda mais: que se você seguir as regras e os
mandamentos que ele amorosamente estabeleceu, irá se qualificar para uma
eternidade de bem-aventurança e tranquilidade. Não digo que invejo sua crença (pois
para mim soa como desejar uma forma horrível de ditadura benevolente e
imutável), mas tenho uma pergunta sincera. Por que tal crença não deixa felizes os
que nela creem? Deve parecer a eles que estão de posse de um segredo maravilhoso,
do tipo que podem a ele se aferrar mesmo nos momentos de extrema adversidade.
Superficialmente, algumas vezes esse parece ser o caso. Eu fui a serviços
evangélicos, em comunidades negras e brancas, em que todo o acontecimento era um
longo brado de exaltação sobre ser salvo, amado e assim por diante. Muitas
cerimônias, em todas as denominações e entre quase todos os pagãos, são projetadas
exatamente para evocar celebração e festa comunal, e é exatamente por isso que eu
suspeito delas. Mas também há momentos mais contidos, sóbrios e elegantes.
Quando eu era membro da Igreja Ortodoxa Grega, podia sentir, mesmo que nelas
não pudesse acreditar, as palavras de contentamento trocadas entre os crentes na
manhã da Páscoa: "Christos anesti!" (Cristo ascendeu!), "Alethos anesti!" (Ele de fato
ascendeu!). Devo acrescentar que eu era membro da Igreja Ortodoxa Grega por
uma razão que explica por que muitas pessoas professam uma filiação externa. Eu
ingressei nela para satisfazer meus cunhados gregos. O arcebispo que me recebeu em
sua comunhão no mesmo dia em que celebrou meu casamento, dessa forma
embolsando duas taxas em vez da única habitual, posteriormente se tornou um
entusiasmado torcedor e levantador de fundos para seus colegas ortodoxos sérvios
assassinos em massa Radovan Karadzic e Ratko Mladic, que encheram incontáveis
covas coletivas por toda a Bósnia. No meu casamento seguinte, celebrado por um
rabino judeu reformado com tendências einsteinianas e shakespearianas, eu tinha um
pouco mais em comum com o celebrante. Mas mesmo ele estava consciente de que
sua longa homossexualidade era, em princípio, condenada como crime capital
punido pelos fundadores de sua religião com o apedrejamento. Quanto à Igreja
Anglicana, na qual fui originalmente batizado, pode parecer uma patética ovelha
balindo, mas, como descendente de uma igreja que sempre recebeu subsídios estatais
e teve um relacionamento íntimo com a monarquia hereditária, ela teve uma
responsabilidade histórica pelas Cruzadas, pela perseguição a católicos, judeus e
dissidentes, e pelo combate à ciência e à razão.
O nível de intensidade varia de acordo com o tempo e o lugar, mas é
possível afirmar como sendo verdade que a religião não se satisfaz, a longo prazo
não pode se satisfazer, com suas próprias alegações maravilhosas e garantias
sublimes. Ela precisa tentar intervir na vida dos não-crentes, dos hereges ou dos que
professam outras crenças. Ela pode falar sobre a bem-aventurança do próximo
mundo, mas quer o poder neste. E isso é de se esperar. Afinal, ela foi inteiramente
feita pelo homem. E não tem confiança em suas variadas pregações para sequer
permitir a coexistência entre diferentes crenças.
Basta um exemplo, de uma das mais reverenciadas figuras produzidas pela
religião moderna. Em 1996, a República da Irlanda realizou um referendo sobre
uma questão: se sua Constituição ainda deveria proibir o divórcio. A maioria dos
partidos em um país cada vez mais secular convocou os eleitores a aprovar a
mudança na lei. Eles o fizeram por duas ótimas razões. Já não era considerado
correto que a Igreja Católica Romana impusesse sua moralidade a todos os
cidadãos. E era obviamente impossível esperar uma eventual reunificação irlandesa
se a grande minoria protestante do Norte continuasse a ser afastada pela
possibilidade de controle clerical. Madre Teresa voou de Calcutá para participar da
campanha, juntamente com a Igreja e seus linhas duras, em defesa do voto "não".
Em outras palavras, uma mulher irlandesa casada com um bêbado incestuoso e
agressor de mulheres nunca deveria esperar algo melhor e podia colocar sua alma
em perigo caso pedisse um novo começo, enquanto os protestantes podiam escolher
as bênçãos de Roma ou permanecer inteiramente afastados. Nem sequer foi sugerido
que os católicos poderiam seguir os mandamentos de sua própria Igreja sem impô-
los a todos os outros cidadãos. E isso nas Ilhas Britânicas, na última década do
século XX. O referendo acabou emendando a Constituição, embora por uma pequena
margem. (No mesmo ano Madre Teresa concedeu uma entrevista dizendo que
esperava que sua amiga, a princesa Diana, fosse mais feliz após ter escapado do que
obviamente era um casamento infeliz, mas não surpreende ver a Igreja impor leis
mais severas aos pobres ou oferecer indulgências aos ricos.)
Uma semana antes dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001 eu
participei de um debate com Dennis Prager, um dos mais conhecidos radialistas
religiosos dos Estados Unidos. Ele me desafiou publicamente a responder o que
classificou de uma "simples pergunta sim ou não", e eu concordei alegremente. Muito
bem, disse ele. Eu deveria me imaginar em uma cidade estranha ao anoitecer. Eu
deveria imaginar que um grande grupo de homens vinha em minha direção. Então:
eu me sentiria mais seguro ou menos seguro sabendo que eles estavam apenas vindo
de uma cerimônia religiosa? Como o leitor verá, essa não é uma pergunta que
permita uma resposta sim ou não. Mas eu era capaz de responder a ela como se não
fo
sse hipotética. "Apenas para ficar na letra 'B', eu de fato já passei por essa
experiência em Belfast, Beirute, Bombaim, Belgrado, Belém e Bagdá. Em todos os
casos eu posso dizer não com convicção, e posso apresentar os motivos pelos quais
me sentiria imediatamente ameaçado se pensasse que o grupo que se aproximava de
mim no escuro estava vindo de um encontro religioso."
Eis aqui um rápido resumo da crueldade de inspiração religiosa que eu
testemunhei nesses seis lugares. Em Belfast, eu vi ruas inteiras incendiadas por uma
guerra sectária entre diferentes seitas cristãs, e entrevistei pessoas que tiveram parentes
e amigos sequestrados, assassinados ou torturados por esquadrões da morte de
religiões rivais, frequentemente por nenhum outro motivo além de filiação a outra
confissão religiosa. Há uma velha piada irlandesa sobre o homem que é parado em
uma barreira na rua e tem de responder qual é sua religião. Quando ele responde que
é ateu, ouve a pergunta: "Ateu protestante ou católico?" Acho que isso mostra como a
obsessão se entranhou até mesmo no lendário senso de humor local. Seja como for,
isso realmente aconteceu a um amigo meu, e a experiência decididamente não foi
divertida. O pretexto apresentado para essa violência é o de nacionalismos opostos,
mas a língua das ruas usada pelas tribos rivais em combate consiste em termos
insultuosos para a outra confissão ("Prods" e "Teagues"). Durante muitos anos o
establishment protestante quis que os católicos fossem segregados e eliminados. De
fato, na época em que o Estado do Ulster foi fundado, o lema era: "Um Parlamento
prestante para um povo protestante." O sectarismo convenientemente replica a si
mesmo, e sempre é possível contar com ele para evocar um sectarismo recíproco. Na
questão principal a liderança católica estava de acordo. Ela desejava escolas
administradas pelo clero e bairros segregados, a melhor forma de exercer o controle.
Assim, em nome de Deus, os antigos ódios foram cravados nas novas gerações de
alunos, e ainda estão sendo cravados. (Mesmo a simples palavra "cravar" me causa
náuseas, furadeiras elétricas eram frequentemente utilizadas para destruir as patelas
daqueles que se tornavam presas das gangues religiosas.)
Quando eu fui pela primeira vez a Beirute, no verão de 1975, ela ainda
podia ser reconhecida como "a Paris do Oriente". Mas aquele paraíso aparente
estava infestado de um grande número de serpentes. Ele sofria de uma grande oferta
de religiões, todas elas "acomodadas" por uma constituição federal sectária. Por lei, o
presidente tinha de ser um cristão, normalmente um católico maronita; o presidente
do Parlamento, um muçulmano, e assim por diante. Isso nunca funcionou bem,
porque institucionalizava diferenças de crença, bem como de casta e etnia (os
muçulmanos xiitas estavam na base da pirâmide social, os curdos eram
inteiramente despossuídos).
O principal partido cristão era na verdade uma milícia católica chamada
Phalange, ou "Falange", fundada por um libanês maronita chamado Pierre
Gemayel, que havia ficado muito impressionado quando visitou as Olimpíadas da
Berlim de Hitler em 1936. A Falange mais tarde conquistou fama internacional com
o massacre de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila em 1982,
quando agiu sob as ordens do general Sharon. Pode parecer grotesco um general
judeu colaborar com um partido fascista, mas eles tinham um inimigo muçulmano
em comum, e isso era suficiente. A invasão do Líbano por Israel naquele ano
também deu força ao nascimento do Hezbollah, modestamente batizado de "Partido
de Deus", que mobilizou os despossuídos xiitas e gradualmente os colocou sob a
liderança da ditadura teocrática que havia assumido o poder no Irã três anos antes.
Foi também no adorável Líbano que, tendo aprendido a dividir o negócio de
sequestros com o crime organizado, os fiéis evoluíram para nos apresentar a beleza
dos homens-bomba. Ainda posso ver a cabeça arrancada na rua em frente à
embaixada francesa semidestruída. Em geral eu tendia a atravessar a rua quando os
grupos de orações apareciam.
Bombaim também costumava ser considerada uma pérola do Oriente,
com seu colar de luzes ao longo da estrada da montanha e sua magnífica arquitetura
colonial britânica. Era uma das cidades mais diversificadas e plurais da Índia, e suas
muitas camadas tinham sido inteligentemente exploradas por Salman Rushdie —
especialmente em O último suspiro do mouro — e pelos filmes de Mira Nair. É
verdade que tinha havido lutas intercomunais na época, entre 1947 e 1948, em que o
grande movimento histórico pela autogestão da Índia estava sendo arruinado pelas
exigências muçulmanas de um Estado separado e pelo fato de que o Partido do
Congresso era liderado por um hindu devoto. Mas provavelmente tantas pessoas
buscam refugio em Bombaim durante aquele momento de sede de sangue quanto as
que foram expulsas ou fugiram de lá. Instalou-se uma forma de coexistência
cultural, como frequentemente ocorre quando as cidades são expostas ao mar e às
influências externas. Os parses — antigos zoroastristas que tinham sido perseguidos
na Pérsia — eram uma minoria importante, e a cidade também abrigava uma
comunidade historicamente significativa de judeus. Mas isso não era suficiente para
satisfazer o sr. Bal Thackeray e seu movimento nacionalista hindu Shiv Sena, que
nos unos 1990 decidiu que Bombaim deveria ser governada por e para seus
correligionários, e que soltou nas ruas um bando de capangas e sicários. Apenas
para mostrar do que era capaz, ele ordenou que a cidade fosse rebatizada de
"Mumbai", e em parte por isso eu a incluo na lista com seu nome tradicional.
Até a década de 1980, Belgrado tinha sido a capital da Iugoslávia, ou a
terra dos eslavos do Sul, significando que por definição era a capital de um Estado
multiétnico e multiconfessional. Mas um intelectual croata secular certa vez me fez
um alerta que, como em Belfast, assumiu a forma de uma piada amarga. "Se eu
digo às pessoas que sou ateu e croata, elas me perguntam como eu posso provar que
não sou sérvio", disse ele. Em outras palavras, ser croata é ser católico romano. Ser
sérvio é ser cristão ortodoxo. Na década de 1940 isso significava um Estado-fantoche
nazista instalado na Croácia e patrocinado pelo Vaticano, que naturalmente queria
exterminar todos os judeus da região, mas também promoveu uma campanha de
conversão forçada dirigida à outra comunidade cristã. Consequentemente, dezenas de
milhares de cristãos ortodoxos foram massacrados ou deportados e um enorme
campo de concentração foi instalado perto da cidade de Jasen. O regime do general
Ante Pavelic e seu partido Ustashe era tão desagradável que até mesmo muitos
oficiais alemães protestaram por terem de se associar a ele.
Na época em que eu visitei o local do campo de Jasenovacs em 1992, a
bota de certa forma estava no outro pé. As cidades croatas de Vukovar e Dubrovnik
tinham sido brutalmente bombardeadas pelas forças armadas da Sérvia, então
comandadas por Slobodan Milosevic. A cidade majoritariamente muçulmana de
Sarajevo tinha sido cercada e estava sendo bombardeada continuamente. Em outras
regiões da Bósnia-Herzegovina, especialmente ao longo do rio Drina, cidades inteiras
eram pilhadas e massacradas no que os próprios sérvios classificaram de "limpeza
étnica". Na verdade, "limpeza religiosa" estaria mais perto da verdade. Milosevic era
um ex-burocrata comunista que tinha se transformado em nacionalista xenófobo, e
sua cruzada antimuçulmana, que era um disfarce para a anexação da Bósnia a uma
"Grande Sérvia", era em grande medida levada a cabo por milícias não-oficiais
operando sob seu controle "não assumido". Essas gangues eram compostas de
radicais religiosos, frequentemente abençoadas por padres e bispos ortodoxos, e
algumas vezes reforçadas por "voluntários" ortodoxos da Grécia e da Rússia. Eles
fizeram um esforço especial para destruir todos os vestígios de civilização otomana,
como no caso particularmente atroz da dinamitação de vários minaretes históricos
em Banja Luka, o que foi feito durante um cessar-fogo, e não como resultado de uma
batalha.
O mesmo é verdade, como frequentemente é esquecido, no caso de seus
equivalentes católicos. As formações Ustashe foram revividas na Croácia e fizeram
uma tentativa criminosa de tomar a Herzegovina, como tinham feito durante a
Segunda Guerra Mundial. A bela cidade de Mostar também foi bombardeada e
sitiada, e a mundialmente famosa Stari Most, ou "Ponte Velha", datada da época
turca e considerada pela Unesco local cultural de importância mundial, foi
bombardeada até desmoronar rio abaixo. De fato, as forças extremistas católicas e
ortodoxas estavam unidas em uma divisão e em uma limpeza sangrentas da
Bósnia-Herzegovina. Elas foram, e em grande medida ainda são, poupadas dessa
vergonha pública porque a mídia mundial preferiu a simplificação de "croata" e
"sérvio" e só mencionou religião quando se referia a "os muçulmanos". Mas a tríade
de termos "croata", "sérvio" e "muçulmano" é desigual e enganadora, no sentido de
que equaciona duas nacionalidades e uma religião. (A mesma confusão é feita de
fo
rma diferente na cobertura do Iraque, com o trio "sunita-xiita-curdo"). Havia pelo
menos dez mil sérvios em Sarajevo durante o cerco, e um dos principais
comandantes da defesa, um oficial e cavalheiro chamado general Jovan Divjak, cuja
mão tive orgulho de apertar sob fogo, também era sérvio. A população judaica da
cidade, que datava de 1492, em sua maioria também se identificava com o governo
e a causa da Bósnia. Teria sido muito mais correto se a imprensa e a televisão
tivessem dito que "hoje as forças cristãs ortodoxas retomaram o bombardeio de
Sarajevo" ou "ontem a milícia católica conseguiu derrubar a Stari Most". Mas a
terminologia confessional era reservada exclusivamente aos "muçulmanos", mesmo
que seus assassinos se dessem o trabalho de usar grandes cruzes ortodoxas sobre as
bandoleiras ou colar imagens da Virgem Maria nas coronhas dos rifles. Assim,
mais uma vez, a religião envenena tudo, incluindo nossa própria capacidade de
discernimento.
Quanto a Belém, acho que estaria disposto a admitir ao sr. Prager que em
um bom dia eu me sentiria seguro o bastante para ficar do lado de fora da igreja do
Santo Sepulcro ao anoitecer. Foi em Belém, não distante de Jerusalém, que muitos
acreditam que, com a cooperação de uma virgem que concebeu imaculada, Deus
teve um filho.
A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, comprometida em
casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo "Espírito Santo."
Sim, e o semideus grego Perseu nasceu quando o deus Júpiter visitou a virgem
Danae na forma de um banho de ouro e a engravidou. O deus Buda nasceu através
de uma abertura no lado do corpo de sua mãe. Coatlicue, a serpente, pegou uma
pequena bola de plumas do céu e a escondeu em seu seio, e assim o deus asteca
Huitzilochtli foi concebido. A virgem Nana pegou uma romã da árvore banhada
pelo sangue do assassinado Agdistis, colocou-a em seu seio e deu à luz o deus Attis.
A filha virgem de um rei mongol acordou certa noite e se viu banhada por uma luz
grandiosa, que fez com que ela desse à luz Gêngis Khan. Krishna nasceu da virgem
Devaka. Horus nasceu da virgem Ísis. Mercúrio nasceu da virgem Maia. Rômulo
nasceu da virgem Rhea Silvia. Por alguma razão, muitas religiões se obrigam a
pensar no canal de nascimento como uma rua de mão única, e até mesmo o Corão
trata a Virgem Maria com reverência. Contudo, isso não fez diferença durante as
Cruzadas, quando um exército papal partiu para retomar Belém e Jerusalém dos
muçulmanos, incidentalmente destruindo muitas comunidades judaicas e saqueando
a cristã herética Bizâncio no caminho, e promoveu um massacre nas ruas estreitas de
Jerusalém, onde, de acordo com cronistas histéricos e encantados, o sangue jorrava
até a brida dos cavalos.
Algumas dessas tempestades de ódio, intolerância e sede de sangue
passaram, embora novas estejam sempre se formando nessa região, mas enquanto
isso a pessoa pode se sentir relativamente não perturbada nos arredores ou na praça
da Manjedoura, que é o centro, como o nome diz, de uma armadilha para turistas de
tal mau gosto que é capaz de envergonhar Lourdes. Quando visitei essa cidade
deplorável pela primeira vez, ela estava sob o controle nominal de uma
municipalidade fundamentalmente cristã palestina ligada a uma dinastia política
específica, identificada com a família Freij. Nas vezes em que voltei a vê-la desde
então, geralmente foi sob um violento toque de recolher imposto pelas autoridades
militares israelenses — cuja presença na margem ocidental em si não está
desvinculada da crença em determinadas profecias das Escrituras, embora nesse caso
com uma promessa diferente feita por um deus diferente a pessoas diferentes. Agora é
a vez de mais outra religião. As forças do Hamas, que afirmam que toda a Palestina
é uma waqf islâmica de ordenamento santo consagrada ao islamismo, começaram
a ganhar espaço entre os cristãos de Belém. Seu líder, Mahmoud al-Zahar, anunciou
que todos os habitantes do Estado Islâmico da Palestina deverão obedecer à lei
muçulmana. Há agora em Belém a proposta de que não-muçulmanos estejam
sujeitos ao imposto al-Jeziya, a taxa histórica imposta aos dhimmis, ou não-crentes,
sob o antigo Império Otomano. Funcionárias da prefeitura são proibidas de
cumprimentar visitantes do sexo masculino com apertos de mão. Em Gaza, uma
jovem chamada Yusra al-Azami foi morta a tiros em abril de 2005 pelo crime de se
sentar sozinha em um carro com seu noivo. O jovem escapou apenas com um
espancamento. Os líderes do esquadrão de "vício e virtude" do Hamas justificaram
esse caso banal de assassinato e tortura dizendo que havia "suspeita de
comportamento imoral". Em uma Palestina que um dia foi secular, maltas de
jovens sexualmente reprimidos são alistados para bisbilhotar carros estacionados,
podendo fazer o que quiserem.
Eu certa vez assisti em Nova York a uma palestra do falecido Abba Eban,
um dos mais refinados e educados diplomatas e estadistas de Israel. Ele disse que a
primeira coisa que chamava a atenção no conflito israelense-palestino era a
facilidade da solução para ele. Depois desse início irresistível, ele disse, com a
autoridade de ex-ministro do Exterior e representante na ONU, que o ponto
fu
ndamental era simples. Dois povos de tamanho aproximadamente equivalente
disputavam a mesma terra. A solução obviamente era criar dois Estados lado a
lado. Algo tão óbvio não podia ser percebido pelos homens? E teria sido assim,
décadas atrás, se os rabinos e os mulás messiânicos tivessem sido deixados de fora.
Mas as alegações de autoridade exclusiva dada por Deus feitas por clérigos histéricos
dos dois lados — e reforçadas por cristãos fixados no Armagedom que esperavam
produzir o Apocalipse (precedido pela morte ou conversão de todos os judeus) —
tornaram a situação insuportável e colocaram toda a humanidade na posição de
refém de uma rixa que hoje inclui a ameaça de uma guerra nuclear. A religião
envenena tudo. Além de uma ameaça à civilização, ela se tornou uma ameaça à
sobrevivência humana.
E para terminar, Bagdá. É um dos maiores centros de aprendizado e
cultura na história humana. Foi ali que algumas das obras perdidas de Aristóteles e
outros gregos ("perdidas" porque as autoridades cristãs queimaram algumas,
proibiram outras e fecharam as escolas de filosofia sob a alegação de que não
poderia haver reflexões úteis sobre a moralidade antes da pregação de Jesus) foram
preservadas, traduzidas e transmitidas, através da Andaluzia, de volta para o
ignorante Ocidente "cristão". As bibliotecas, os poetas e os arquitetos de Bagdá eram
renomados. Muitas essas realizações se deram sob califas muçulmanos, que
algumas vezes permitiam e da mesma forma frequentemente reprimiam sua
expressão, mas Bagdá também apresenta traços da antiga cristandade caldeia e
nestorianista, e foi um dos muitos centros da diáspora judaica. Até o final da década
de 1940, era lar de tantos judeus quanto os que viviam em Jerusalém.
Não vou aqui elaborar uma posição sobre a derrubada de Saddam
Hussein em abril de 2003. Direi apenas que aqueles que consideravam seu regime
"secular" estão se enganando. É verdade que o Partido Baath foi fundado por um
homem chamado Michel Aflag, um cristão sinistro simpático ao fascismo, e
também é verdade que a filiação ao partido era livre para todas as religiões (embora
eu tenha todos os motivos para acreditar que a filiação de judeus era limitada).
Contudo, pelo menos desde a sua calamitosa invasão do Irã em 1979, que levou a
fu
riosas acusações da teocracia iraniana de que ele era um "infiel", Saddam Hussein
estabeleceu que seu governo — que de qualquer modo era baseado na minoria tribal
sunita — era de devoção e jihad. (O Partido Baath sírio, também baseado em uma
parcela confessional da sociedade ligada à minoria alawita, teve igualmente um
longo e hipócrita relacionamento com os mulás iranianos.) Saddam colocou na
bandeira iraquiana as palavras "Allahuh Akhbar" — "Deus é grande". Ele financiou
uma gigantesca conferência internacional de guerreiros santos e mulás, e manteve
relações calorosas com o outro grande Estado financiador da região, o governo
genocida do Sudão. Ele construiu a maior mesquita da região e a batizou de "Mãe de
todas as batalhas", com direito a um Corão escrito com sangue que ele alegava ser
seu. Quando iniciou sua própria campanha de genocídio contra o povo
(majoritariamente sunita) do Curdistão — campanha que envolveu o uso contínuo
de armas químicas e o assassinato e a deportação de centenas de milhares de pessoas
—, ele escolheu o nome de "Operação Anfal", conseguindo com esse termo uma
justificativa corânica — "Os despojos" da sura 8 — para a espoliação e a destruição
de não-crentes. Quando as forças da coalizão cruzaram a fronteira do Iraque,
encontraram exército de Saddam se dissolvendo como um cubo de açúcar em chá
quente, mas se depararam com uma resistência tenaz de um grupo paramilitar
chamado Fedain Saddam, reforçado por jihadistas estrangeiros. Uma das tarefas do
grupo era executar qualquer um que aplaudisse publicamente a intervenção ocidental,
e alguns enforcamentos e mutilações públicos logo foram registrados em vídeo para
que todos vissem.
No mínimo todos podem concordar que o povo iraquiano suportara muito
nos 35 anos anteriores de guerra e ditadura, que o regime de Saddam não poderia
durar para sempre como um sistema à margem da lei internacional e que, portanto
— quaisquer que sejam as objeções ao verdadeiro significado de "mudança de
regime" —, a sociedade como um todo precisava de tempo para respirar e refletir
sobre reconstrução e reconciliação. Não foi permitido nem um só minuto para
respirar.
Todos conhecem as consequências. Os financiadores da Al-Qaeda,
liderados por um criminoso jordaniano chamado Abu Musad al-Zarqawi,
lançaram uma campanha frenética de assassinato e sabotagem. Eles não apenas
assassinaram mulheres sem véu, jornalistas e professores seculares. Eles não apenas
colocaram bombas em igrejas cristãs (talvez chegue a dois por cento a população
cristã do Iraque) e mataram ou mutilaram cristãos que produziam e vendiam
álcool. Eles não apenas fizeram um vídeo de um fuzilamento em massa e da
decapitação de um contingente de operários nepaleses, que eram supostamente hindus
e portanto não mereciam qualquer consideração. Essas atrocidades podem ser
consideradas mais ou menos rotineiras. Eles dirigiram a parcela mais cruel de sua
campanha de terror contra seus colegas muçulmanos. As mesquitas e os cortejos
fúnebres da maioria xiita longamente oprimida foram explodidos. Peregrinos que
percorriam longas distâncias para os templos recém acessíveis de Karbala e Najaf
estavam sob risco de vida. Em uma carta a seu líder Osama bin Laden, Zarqawi deu
duas razões principais para essa política extraordinariamente malévola. Em
primeiro lugar, como ele escreveu, os xiitas eram hereges que não seguiam a trilha
certa da pureza salafista. Eles, portanto, eram uma presa perfeita para os
verdadeiramente santos. Em segundo lugar, caso fosse possível induzir uma guerra
religiosa na sociedade iraquiana, os planos dos "cruzados" do Ocidente seriam
prejudicados. A esperança óbvia era deflagrar a reação dos próprios xiitas, que
lançaria os árabes sunitas nos braços de seus "protetores" osamistas. E, apesar de
alguns nobres apelos à contenção feitos pelo grande aiatolá xiita Sistani, não se
mostrou muito difícil incitar tal reação. Depois de algum tempo, esquadrões da
morte xiitas, frequentemente trajando uniformes policiais, estavam matando e
torturando a esmo membros fiéis da fé sunita árabe. A influência sub-reptícia da
"república islâmica" vizinha do Irã não era difícil de identificar, e em algumas
regiões xiitas também se tornou um tanto perigoso ser uma mulher sem véu ou uma
pessoa secular. O Iraque pode se orgulhar de uma história bastante longa de
casamentos exógamos e de cooperação intercomunal. Mas alguns poucos anos dessa
dialética de ódio logo conseguiram criar uma atmosfera de infelicidade, desconfiança,
hostilidade e política baseada em seitas. Mais uma vez, a religião envenenou tudo.
Em todos os casos que mencionei,houve aqueles que protestaram em nome
da religião e que tentaram se opor à maré montante do fanatismo e do culto à morte.
Eu consigo me lembrar de um punhado de padres, bispos, rabinos e imãs que
colocaram a humanidade acima de sua própria seita ou seu próprio credo. A
história oferece muitos outros exemplos assim, que discutirei posteriormente. Mas
esse é um elogio ao humanismo, não à religião. No que diz respeito a isso, essas
crises também me levaram, e a muitos outros ateus, a protestarem em prol de
católicos discriminados na Irlanda, muçulmanos bósnios enfrentando o extermínio
nos Bálcãs cristãos, afegãos e iraquianos xiitas passados no fio da espada por
jihadistas sunitas e vice-versa, e incontáveis outros casos. Adotar tal postura é uma
obrigação elementar de um humano que se respeita. Mas a relutância geral das
autoridade clericais a proclamar uma condenação clara, seja o Vaticano no caso da
Croácia ou líderes sauditas ou iranianos no caso de suas respectivas confissões, é
uniformemente lamentável. Assim como a disposição de cada "rebanho" de retornar
a um comportamento atávico à menor provocação.
Não, sr. Prager, eu descobri que não é uma regra prudente buscar ajuda
quando o encontro de orações termina. E isso, como eu disse, apenas na letra "B".
Em todos esses casos, qualquer um preocupado com a segurança ou a dignidade
humana precisaria de uma esperança fervorosa em um surto massivo de
secularismo democrático e republicano.
Eu não preciso viajar para todos esses lugares exóticos de modo ver o
veneno em ação. Muito antes do dia fatídico de 11 de setembro de 2001 eu já podia
sentir que a religião estava voltando a desafiar a sociedade civil. Quando não estou
atuando como correspondente estrangeiro ocasional e amador, levo uma vida
bastante tranquila e ordeira: escrevo livros e ensaios, ensino meus alunos a amar a
literatura inglesa, frequento agradáveis conferências literárias, participo das
discussões efêmeras que surgem no mercado editorial e na academia. Mas mesmo
essa existência bastante protegida tem sido sujeita a ultrajes, invasões, insultos e
desafios. No dia 14 de fevereiro de 1989, meu amigo Salman Rushdie foi vítima de
sentenças simultâneas de morte e de vida pelo crime de ter escrito uma obra de ficção.
Para ser mais preciso, o chefe teocrático de um Estado estrangeiro — o aiatolá
Khomeini do Irã — publicamente ofereceu dinheiro em seu próprio nome para
instigar o assassinato de um romancista que era cidadão de outro país. Aqueles que
fo
ram encorajados a levar a cabo esse plano de assassinato por encomenda, que se
estendia a "todos os envolvidos na publicação" de Os Versos Satânicos, recebiam a
oferta não apenas do dinheiro vivo, mas também de uma passagem de graça para o
paraíso. Era impossível imaginar afronta maior aos valores da liberdade de
expressão. O aiatolá não tinha lido, e provavelmente não podia ler, e de qualquer
fo
rma proibiu todos de ler o romance. Mas ele conseguiu produzir lamentáveis
demonstrações entre muçulmanos na Inglaterra, bem como no mundo todo, onde
multidões queimaram o livro e gritaram pedindo que o autor também fosse lançado
às chamas. Esse episódio — em parte horrível, em parte grotesco — teve suas
origens, claro, no mundo material ou "real". O aiatolá, tendo desperdiçado a vida de
centenas de milhares de jovens iranianos em uma tentativa de prolongar a guerra
que Saddam Hussein iniciara, desse modo a transformando em uma vitória própria
de sua ideologia reacionária, tinha pouco antes sido obrigado a reconhecer a
realidade e aceitar a resolução da ONU de cessar-fogo a que dissera preferir beber
veneno a assinar. Em outras palavras, ele precisava de um "assunto". Um grupo de
muçulmanos reacionários da África do Sul que integrava o parlamento-marionete
do regime do apartheid tinha anunciado que o sr. Rushdie seria morto se
comparecesse a uma feira do livro em seu país. Um grupo fundamentalista no
Paquistão tinha derramado sangue nas ruas. Khomeini tinha de provar que não
seria superado por ninguém.
Há algumas afirmações supostamente feitas pelo profeta Maomé que
dificilmente se ajustam aos ensinamentos muçulmanos. Estudiosos do Corão
tentaram provar a quadratura do círculo sugerindo que nesses casos o Profeta estava
acidentalmente recebendo orientações de Satanás, e não de Deus. Essa artimanha —
que não faria feio em comparação com a sinuosa escola da apologia cristã medieval
— se mostrou uma excelente oportunidade para um romancista explorar o
relacionamento entre as Escrituras sagradas e a literatura. Mas a mente literal não
entende a mente irônica e sempre a identifica como fonte de perigo. Mais ainda,
Rushdie tinha sido criado como muçulmano e compreendia o Corão, de fato
significando que ele era um apóstata. E a "apostasia" de acordo com o hadith, é
punível com a morte. Não existe o direito de mudar de religião, e todos os Estados
religiosos sempre insistiram em penas duras para aqueles que tentassem fazer isso.
Várias tentativas sérias de matar Rushdie foram feitas por esquadrões da
morte religiosos apoiados por embaixadas iranianas. Seus tradutores italiano e
japonês foram violentamente atacados - em um dos casos, aparentemente pela
crença absurda de que o tradutor pudesse saber do seu paradeiro — e um deles foi
selvagemente mutilado enquanto morria, seu editor norueguês recebeu vários tiros
nas costas disparados por um rifle de repetição e foi deixado à morte na neve, mas
sobreviveu de forma impressionante. Poderíamos pensar que tal homicídio
arrogante financiado pelo Estado, dirigido contra um indivíduo solitário e pacífico
que levava uma vida dedicada à linguagem, iria produzir uma condenação
generalizada. Mas não foi o caso. Em declarações refletidas, o Vaticano, o arcebispo
de Canterbury e o rabino-chefe sefardita de Israel assumiram uma postura de
simpatia para com...o aiatolá. Assim como o cardeal-arcebispo de Nova York e
muitas outras figuras religiosas menores. Embora eles normalmente empregassem
algumas poucas palavras para deplorar o recurso à violência, todos esses homens
afirmaram que o principal problema levantado pela publicação de Versos Satânicos
não era o assassinato por mercenários, mas a blasfêmia. Alguns personagens
públicos não pertencentes a ordens religiosas, como o escritor marxista John Berger,
o historiador conservador Hugh Trevor Roper e o decano dos autores de histórias de
espionagem John Le Carré, também se pronunciaram dizendo que Rushdie era autor
de seus próprios problemas, e os tinha atraído para si "ofendendo" uma grande
religião monoteísta. Não parecia nada de mais para essas pessoas que a polícia
britânica tivesse de defender um cidadão nascido na Índia, ex-muçulmano, de uma
orquestrada campanha para tirar sua vida em nome de Deus.
Protegida como costuma ser minha própria vida, eu tive um gostinho
dessa situação surreal quando o senhor Rushdie foi a Nova York no fim de semana
de Ação de Graças de 1993 para um encontro com o presidente Clinton e passou
uma noite ou duas em meu apartamento. Foi necessária uma enorme e proibitiva
operação de segurança para que isso fosse possível, e ao final fui convidado a fazer
uma visita ao Departamento de Estado. Lá fui avisado de que tinham interceptadas
"conversas" confiáveis expressando intenções de vingança contra mim e minha
família. Fui aconselhado a mudar de endereço e de número de telefone, o que pareceu
uma forma improvável de evitar o revide. Isso, contudo, deixou claro para mim o
que eu já sabia. Para mim não é possível dizer: "Bem, vocês perseguem seu sonho
xiita de um imã oculto e eu continuo meus estudos de Thomas Paine e George
Orwell, e o mundo é grande o bastante para nós". O verdadeiro crente não pode
descansar enquanto o mundo inteiro não ajoelhar. Não é óbvio para todo todo, diz o
devoto, que a autoridade religiosa está acima de todas e que aqueles que se recusam a
reconhecer isso abrem mão do direito de existir?
Como costuma ser, foram os assassinos do xiismo que chamaram a
atenção do mundo para esse ponto alguns anos atrás. Foi tão horripilante o regime
talibã no Afeganistão, que massacrou a população xiita hazara, que o próprio Irã
considerou a hipótese de invadir o país em 1999. E tão grande foi o vício talibã em
profanação que ele metodicamente bombardeou e destruiu um dos maiores artefatos
culturais do mundo — as estátuas gêmeas de Buda em Bamiyan, que em sua
magnificência mostravam a fusão do estilo helenista e outros no passado afegão.
Mas, sendo indubitavelmente pré-islâmicas, as estátuas eram um claro insulto ao
Talibã e a seus convidados da Al-Qaeda, e a redução de Bamiyan a pó e escombros
antecipou a destruição de duas outras estruturas gêmeas, bem como de quase três mil
pessoas no centro de Manhattan no outono de 2001.
Todos têm sua própria história de 11 de setembro: eu poderia pular a
minha, a não ser para dizer que alguém que eu conhecia superficialmente foi
arremessado contra a parede do Pentágono, tendo conseguido telefonar para o
marido e dar uma descrição de seus assassinos e suas táticas (e tendo sabido por ele
que não era um sequestro e que ela iria morrer). Do teto de meu prédio em
Washington eu podia ver a fumaça se erguendo do outro lado do rio, e desde então
nunca passei pelo Capitólio ou pela Casa Branca sem pensar no que poderia ter
acontecido se não fossem a coragem e a capacidade dos passageiros do quarto avião,
que conseguiram derrubá-lo em um campo da Pensilvânia a apenas vinte minutos
de seu destino.
Bem, como eu consegui responder em uma réplica posterior a Dennis
Prager, agora você tem sua resposta. Os 19 assassinos suicidas de Nova York,
Washington e Pensilvânia eram, sem dúvida alguma, os crentes mais sinceros
naqueles aviões. Talvez possamos ouvir um pouco menos sobre como as "pessoas de
fé" têm vantagens morais que as outras só podem invejar. E o que aprender com o
júbilo e a propaganda extasiada com que esse grande feito de fé foi louvado no
mundo islâmico? Na época os Estados Unidos tinham um procurador-geral
chamado John Ashcroft que afirmara que os Estados Unidos "não tinham rei que
não Jesus" (uma afirmação que era exatamente três palavras longa demais). Havia
um presidente que queria entregar o tratamento aos pobres a instituições "baseadas
na fé". Esse não seria o momento de dar algum valor à luz da razão e à defesa de
uma sociedade que separa Igreja e Estado e valoriza a liberdade de expressão?
Para mim a decepção foi, e continua a ser, pungente. Em algumas horas os
"reverendos" Pat Robertson e Jerry Falwell anunciaram que a imolação das criaturas
que eram seus pares era um julgamento divino de uma sociedade que tolerava o
homossexualismo e o aborto. No serviço fúnebre solene pelas vítimas, realizado na
bela Catedral Nacional de Washington, foi permitido um pronunciamento de Billy
Graham, um homem cujo registro de oportunismo e antissemitismo é em si uma
pequena desgraça nacional. Seu sermão absurdo buscou afirmar que todos os
mortos estavam no céu e não voltariam a nós nem se pudessem. Eu digo absurdo
porque é impossível, mesmo nos termos mais complacentes, acreditar que um bom
número de cidadãos pecadores não tivesse sido assassinado naquele dia pela AlQaeda. E não há por que acreditar que Billy Graham conhecesse o paradeiro de suas
alma quanto mais seus desejos póstumos. Mas também havia algo sinistro em ouvir
alegações detalhadas de conhecimento do céu, do mesmo tipo que o próprio Bin
Laden estava fazendo em benefício dos assassinos.
As coisas continuaram a piorar no intervalo entre a remoção do Talibã e a
derrubada de Saddam Hussein. Um graduado funcionário militar chamado general
William Boykin anunciou que tivera uma visão quando servia durante o fiasco na
Somália. Aparentemente, o rosto do próprio Satanás tinha sido detectado por
alguma fotografia aérea de Mogadiscio, mas isso serviu apenas para aumentar a
confiança do general de que seu deus era mais forte do que a divindade malévola da
oposição. Foi revelado na Academia Militar da Força Aérea dos Estados Unidos que
cadetes judeus e agnósticos estavam sendo perversamente atormentados por um
grupo de impunes alunos "renascidos", que insistiam em que apenas aqueles que
aceitavam Jesus como seu salvador eram qualificados para o serviço militar. O vicecomandante da academia enviou e-mails defendendo um dia nacional de oração
(cristã). Uma capelã chamada Melinda Morton, que se queixou dessa histeria e
intimidação, foi repentinamente transferida para uma base distante no Japão.
Enquanto isso, o multiculturalismo alienado também deu sua contribuição, entre
outras formas garantindo a distribuição de edições baratas e em grande escala de
edições sauditas do Corão para uso no sistema penitenciário americano. Esses textos
wahabitas chegavam ainda mais longe que o original ao recomendar a guerra santa
contra todos os cristãos, os judeus e os secularistas. Observar tudo isso era
testemunhar uma espécie de suicídio cultural: um "suicídio assistido" que crentes e
não-crentes estavam preparados para oficiar.
É preciso destacar de imediato que esse tipo de coisa, além de antiético e não
profissional, era também absolutamente inconstitucional e antiamericano. James
Madison, o autor da Primeira Emenda à Constituição, que proíbe qualquer lei
referente ao estabelecimento de uma religião, também foi um dos autores do Artigo
IV, que afirma de forma inequívoca que "nenhum teste religioso poderá ser exigido
como qualificação para qualquer posto ou cargo público". Seu Detached Memoranda
posterior deixa absolutamente claro que ele, para começar, se opunha à nomeação de
capelães, tanto nas Forças Armada quanto nas cerimônias de instalação do
Congresso. "O estabelecimento do posto de capelão no Congresso é uma clara
violação dos direitos iguais, bem como dos princípios da Constituição." Quanto à
presença de clérigos nas Forças Armadas, Madison escreveu: "O objetivo disso é
sedutor, o motivo é louvável. Mas não é mais seguro aderir a um princípio correto e
confiar em suas consequências do que confiar no raciocínio, por mais ilusório que
seja, em favor de um errado? Observe os exércitos e marinhas do mundo e diga se o
que está sendo mais contemplado na nomeação de seus ministros de religião é o
interesse espiritual dos rebanhos ou o interesse pessoal do pastor." Qualquer um que
citasse Madison hoje muito provavelmente seria considerado subversivo ou insano,
mas sem ele e Thomas Jefferson, coautores do Estatuto da Virgínia sobre Liberdade
Religiosa, os Estados Unidos teriam continuado a ser o que eram — com os judeus
proibidos de ocupar cargos em alguns estados, católicos em outros e protestantes em
Maryland: este último era um estado em que "palavras profanas referentes à
Santíssima Trindade" eram passíveis de punição com tortura, marcação a ferro e na
terceira oportunidade, "morte sem o benefício de um clérigo". A Geórgia poderia ter
continuado a insistir que sua fé estadual oficial era o "protestantismo" — quaisquer
que pudessem ser os muitos híbridos de Lutero.
Com o debate sobre a intervenção no Iraque se tornando mais acalorado,
rios de absurdos escorrem dos púlpitos. A maioria das igrejas se opôs ao esforço
para remover Saddam Hussein, e o papa se desgraçou inteiramente fazendo um
convite pessoal ao criminoso de guerra procurado Tariq Aziz, homem responsável
pelo assassinato de crianças pelo Estado. Aziz foi não apenas recebido no Vaticano
como principal membro católico de um partido fascista governante (não tendo sido a
primeira vez que tal indulgência tinha sido concedida), como foi levado a Assis para
uma sessão pessoal de oração no santuário de São Francisco, que aparentemente
costumava fazer palestras para pássaros. Ele deve ter pensado que tudo aquilo era
fácil demais. Do outro lado do arco confessional, alguns, mas não todos, evangélicos
americanos se entusiasmaram com a perspectiva de conquistar o mundo
muçulmano para Jesus. (Eu digo "alguns, mas não todos', porque uma dissidência
fundamentalista desde então passou a fazer manifestações nos funerais de soldados
americanos mortos no Iraque, dizendo que o assassinato deles era punição de Deus
pelo homossexualismo americano. Um cartaz especialmente saboroso, agitado em
frente aos rostos dos enlutados, é "Graças a Deus pelas IEDs", as bombas colocadas
ao lado das estradas pelos fascistas muçulmanos igualmente antigays. Não é
problema meu decidir qual teologia calvinista é a correta: eu diria que as chances de
qualquer uma estar certa são aproximadamente as mesmas. Charles Stanley, cujos
sermões semanais na Primeira Igreja Batista de Atlanta são assistidos por milhões
de pessoas agiu como qualquer imã demagógico quando disse: "Devemos nos
oferecer para participar do esforço de guerra de qualquer forma possível. Deus
combate as pessoas que se opõem a ele, lutam contra ele e seus seguidores." O serviço
de notícias de sua organização, o Baptist Press, publicou um artigo de um
missionário, exultante pelo fato de a "política externa americana e o poderio militar
terem aberto uma oportunidade para o evangelho na terra de Abraão, Isaac e Jacó".
Não querendo ser superado, Tim LaHaye foi ainda mais longe. Mais conhecido
como coautor da série de romances baratos recordista de vendas Deixados para trás,
que prepara o americano médio para o "arrebatamento" e depois para o
Armagedom, ele identificou o Iraque como "ponto central de acontecimentos de final
dos tempos". Outros entusiastas bíblicos tentaram ligar Saddam Hussein ao iníquo
rei Nabucodonosor da antiga Babilônia, uma comparação que o próprio ditador
provavelmente teria aprovado, em função de sua reconstrução das antigas muralhas
de Babilônia com tijolos que tinham, todos eles, seu nome gravado. Assim, em vez
de uma discussão racional sobre a melhor forma de conter e derrotar o fanatismo
religioso, o que havia era o fortalecimento mútuo de duas manifestações dessa
mania: o ataque jihadista invocou o espectro tingido de sangue dos cruzados.
Nesse sentido, a religião não é diferente do racismo. Uma versão dela
inspira e provoca a outra. Certa vez armaram outra armadilha para mim,
ligeiramente mais investigativa que a de Dennis Prager, concebida para revelar meu
grau de preconceito latente. Você está em uma plataforma de uma estação deserta do
metrô em Nova York, tarde da noite. De repente surge um grupo de 12 negros. Você
fica onde está ou se encaminha para a saída? Eu mais uma vez pude responder que
já tinha passado exatamente por essa experiência. Esperando sozinho o trem, bem
depois de meia-noite, de repente vi uma equipe de operários que deixava o túnel com
ferramentas e luvas de trabalho. Todos eram negros. Eu instantaneamente me senti
mais seguro e me encaminhei na direção deles. Eu não tenho ideia de qual era a
filiação religiosa deles. Mas em todos os outros casos que citei, a religião foi um
tremendo multiplicador de suspeita tribal e ódio, com membros de um grupo
falando com os de outro usando exatamente a entonação do intolerante. Cristãos e
judeus comem carne de porco contaminada e bebem álcool venenoso: budistas e
muçulmanos do Sri Lanka culparam os festejos natalinos embalados por vinho de
2004 pelo tsunami que imediatamente se seguiu. Católicos são sujos e têm filhos
demais. Muçulmanos procriam como coelhos e limpam os fundilhos com a mão
errada. Judeus têm piolhos nas barbas e querem o sangue de crianças cristãs para
dar sabor e tempero ao matzá da Páscoa. E assim por diante.

 

 

Esses regimes ateus que vc tanto fala, em nenhum deles as pessoas mataram em nome do ateísmo. Ateu é somente alguém que não acredita em nenhum Deus. Fora isso, são pessoas normais. Podem ser boas pessoas ou não.


Ninguém mata milhões de pessoas por não acreditar em Papai Noel

Editado por Faabs
Postado
4 minutos atrás, Faabs disse:

Se você acha que cristianismo trouxe somente amor e alegria, você não leu nada sobre a história do cristianismo, ou leu só o que lhe agrada e ignorou todo o resto.

 

Ainda posso complementar com o 2º capítulo do livro "God is Not Great", disponível aqui: http://lelivros.today/book/baixar-livro-deus-nao-e-grande-christopher-hitchens-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler-online/

 

  Mostrar conteúdo oculto

Sua aversão à religião, no sentido que o termo normalmente
tem, era do mesmo tipo daquele de Lucrécio: ele a via com a
sensação de que era não uma mera fraude mental, mas um
grande mal moral. Ele a via como o maior inimigo da
moralidade: primeiramente, por estabelecer padrões artificiais
— crença em credos, sentimentos devocionais e cerimônias não
ligados ao bom do homem — e determinar que estes fossem
aceitos como substitutos para a verdadeira virtude; mas acima
de tudo, por viciar de forma radical o padrão moral; isso
consiste em fazer as vontades de um ser com o qual esbanja
todas as frases de louvor, mas que na verdade ela retrata como
sendo eminentemente odioso.
John Stuart Mill sobre seu pai, em Autobiografia
Tantum religio potuit suadere malorum.
(A tais alturas do mal os homens são levados pela religião.)
Lucrécio, Sobre a natureza das coisas
Imagine que você pode realizar um feito do qual eu sou incapaz. Imagine,
em outras palavras, que você pode criar a imagem de um criador infinitamente
bondoso e todo-poderoso, que o concebeu, depois o fez e moldou, o colocou no
mundo que ele tinha feito para você e agora o supervisiona e cuida de você mesmo
quando você está dormindo. Imagine ainda mais: que se você seguir as regras e os
mandamentos que ele amorosamente estabeleceu, irá se qualificar para uma
eternidade de bem-aventurança e tranquilidade. Não digo que invejo sua crença (pois
para mim soa como desejar uma forma horrível de ditadura benevolente e
imutável), mas tenho uma pergunta sincera. Por que tal crença não deixa felizes os
que nela creem? Deve parecer a eles que estão de posse de um segredo maravilhoso,
do tipo que podem a ele se aferrar mesmo nos momentos de extrema adversidade.
Superficialmente, algumas vezes esse parece ser o caso. Eu fui a serviços
evangélicos, em comunidades negras e brancas, em que todo o acontecimento era um
longo brado de exaltação sobre ser salvo, amado e assim por diante. Muitas
cerimônias, em todas as denominações e entre quase todos os pagãos, são projetadas
exatamente para evocar celebração e festa comunal, e é exatamente por isso que eu
suspeito delas. Mas também há momentos mais contidos, sóbrios e elegantes.
Quando eu era membro da Igreja Ortodoxa Grega, podia sentir, mesmo que nelas
não pudesse acreditar, as palavras de contentamento trocadas entre os crentes na
manhã da Páscoa: "Christos anesti!" (Cristo ascendeu!), "Alethos anesti!" (Ele de fato
ascendeu!). Devo acrescentar que eu era membro da Igreja Ortodoxa Grega por
uma razão que explica por que muitas pessoas professam uma filiação externa. Eu
ingressei nela para satisfazer meus cunhados gregos. O arcebispo que me recebeu em
sua comunhão no mesmo dia em que celebrou meu casamento, dessa forma
embolsando duas taxas em vez da única habitual, posteriormente se tornou um
entusiasmado torcedor e levantador de fundos para seus colegas ortodoxos sérvios
assassinos em massa Radovan Karadzic e Ratko Mladic, que encheram incontáveis
covas coletivas por toda a Bósnia. No meu casamento seguinte, celebrado por um
rabino judeu reformado com tendências einsteinianas e shakespearianas, eu tinha um
pouco mais em comum com o celebrante. Mas mesmo ele estava consciente de que
sua longa homossexualidade era, em princípio, condenada como crime capital
punido pelos fundadores de sua religião com o apedrejamento. Quanto à Igreja
Anglicana, na qual fui originalmente batizado, pode parecer uma patética ovelha
balindo, mas, como descendente de uma igreja que sempre recebeu subsídios estatais
e teve um relacionamento íntimo com a monarquia hereditária, ela teve uma
responsabilidade histórica pelas Cruzadas, pela perseguição a católicos, judeus e
dissidentes, e pelo combate à ciência e à razão.
O nível de intensidade varia de acordo com o tempo e o lugar, mas é
possível afirmar como sendo verdade que a religião não se satisfaz, a longo prazo
não pode se satisfazer, com suas próprias alegações maravilhosas e garantias
sublimes. Ela precisa tentar intervir na vida dos não-crentes, dos hereges ou dos que
professam outras crenças. Ela pode falar sobre a bem-aventurança do próximo
mundo, mas quer o poder neste. E isso é de se esperar. Afinal, ela foi inteiramente
feita pelo homem. E não tem confiança em suas variadas pregações para sequer
permitir a coexistência entre diferentes crenças.
Basta um exemplo, de uma das mais reverenciadas figuras produzidas pela
religião moderna. Em 1996, a República da Irlanda realizou um referendo sobre
uma questão: se sua Constituição ainda deveria proibir o divórcio. A maioria dos
partidos em um país cada vez mais secular convocou os eleitores a aprovar a
mudança na lei. Eles o fizeram por duas ótimas razões. Já não era considerado
correto que a Igreja Católica Romana impusesse sua moralidade a todos os
cidadãos. E era obviamente impossível esperar uma eventual reunificação irlandesa
se a grande minoria protestante do Norte continuasse a ser afastada pela
possibilidade de controle clerical. Madre Teresa voou de Calcutá para participar da
campanha, juntamente com a Igreja e seus linhas duras, em defesa do voto "não".
Em outras palavras, uma mulher irlandesa casada com um bêbado incestuoso e
agressor de mulheres nunca deveria esperar algo melhor e podia colocar sua alma
em perigo caso pedisse um novo começo, enquanto os protestantes podiam escolher
as bênçãos de Roma ou permanecer inteiramente afastados. Nem sequer foi sugerido
que os católicos poderiam seguir os mandamentos de sua própria Igreja sem impô-
los a todos os outros cidadãos. E isso nas Ilhas Britânicas, na última década do
século XX. O referendo acabou emendando a Constituição, embora por uma pequena
margem. (No mesmo ano Madre Teresa concedeu uma entrevista dizendo que
esperava que sua amiga, a princesa Diana, fosse mais feliz após ter escapado do que
obviamente era um casamento infeliz, mas não surpreende ver a Igreja impor leis
mais severas aos pobres ou oferecer indulgências aos ricos.)
Uma semana antes dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001 eu
participei de um debate com Dennis Prager, um dos mais conhecidos radialistas
religiosos dos Estados Unidos. Ele me desafiou publicamente a responder o que
classificou de uma "simples pergunta sim ou não", e eu concordei alegremente. Muito
bem, disse ele. Eu deveria me imaginar em uma cidade estranha ao anoitecer. Eu
deveria imaginar que um grande grupo de homens vinha em minha direção. Então:
eu me sentiria mais seguro ou menos seguro sabendo que eles estavam apenas vindo
de uma cerimônia religiosa? Como o leitor verá, essa não é uma pergunta que
permita uma resposta sim ou não. Mas eu era capaz de responder a ela como se não
fo
sse hipotética. "Apenas para ficar na letra 'B', eu de fato já passei por essa
experiência em Belfast, Beirute, Bombaim, Belgrado, Belém e Bagdá. Em todos os
casos eu posso dizer não com convicção, e posso apresentar os motivos pelos quais
me sentiria imediatamente ameaçado se pensasse que o grupo que se aproximava de
mim no escuro estava vindo de um encontro religioso."
Eis aqui um rápido resumo da crueldade de inspiração religiosa que eu
testemunhei nesses seis lugares. Em Belfast, eu vi ruas inteiras incendiadas por uma
guerra sectária entre diferentes seitas cristãs, e entrevistei pessoas que tiveram parentes
e amigos sequestrados, assassinados ou torturados por esquadrões da morte de
religiões rivais, frequentemente por nenhum outro motivo além de filiação a outra
confissão religiosa. Há uma velha piada irlandesa sobre o homem que é parado em
uma barreira na rua e tem de responder qual é sua religião. Quando ele responde que
é ateu, ouve a pergunta: "Ateu protestante ou católico?" Acho que isso mostra como a
obsessão se entranhou até mesmo no lendário senso de humor local. Seja como for,
isso realmente aconteceu a um amigo meu, e a experiência decididamente não foi
divertida. O pretexto apresentado para essa violência é o de nacionalismos opostos,
mas a língua das ruas usada pelas tribos rivais em combate consiste em termos
insultuosos para a outra confissão ("Prods" e "Teagues"). Durante muitos anos o
establishment protestante quis que os católicos fossem segregados e eliminados. De
fato, na época em que o Estado do Ulster foi fundado, o lema era: "Um Parlamento
prestante para um povo protestante." O sectarismo convenientemente replica a si
mesmo, e sempre é possível contar com ele para evocar um sectarismo recíproco. Na
questão principal a liderança católica estava de acordo. Ela desejava escolas
administradas pelo clero e bairros segregados, a melhor forma de exercer o controle.
Assim, em nome de Deus, os antigos ódios foram cravados nas novas gerações de
alunos, e ainda estão sendo cravados. (Mesmo a simples palavra "cravar" me causa
náuseas, furadeiras elétricas eram frequentemente utilizadas para destruir as patelas
daqueles que se tornavam presas das gangues religiosas.)
Quando eu fui pela primeira vez a Beirute, no verão de 1975, ela ainda
podia ser reconhecida como "a Paris do Oriente". Mas aquele paraíso aparente
estava infestado de um grande número de serpentes. Ele sofria de uma grande oferta
de religiões, todas elas "acomodadas" por uma constituição federal sectária. Por lei, o
presidente tinha de ser um cristão, normalmente um católico maronita; o presidente
do Parlamento, um muçulmano, e assim por diante. Isso nunca funcionou bem,
porque institucionalizava diferenças de crença, bem como de casta e etnia (os
muçulmanos xiitas estavam na base da pirâmide social, os curdos eram
inteiramente despossuídos).
O principal partido cristão era na verdade uma milícia católica chamada
Phalange, ou "Falange", fundada por um libanês maronita chamado Pierre
Gemayel, que havia ficado muito impressionado quando visitou as Olimpíadas da
Berlim de Hitler em 1936. A Falange mais tarde conquistou fama internacional com
o massacre de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila em 1982,
quando agiu sob as ordens do general Sharon. Pode parecer grotesco um general
judeu colaborar com um partido fascista, mas eles tinham um inimigo muçulmano
em comum, e isso era suficiente. A invasão do Líbano por Israel naquele ano
também deu força ao nascimento do Hezbollah, modestamente batizado de "Partido
de Deus", que mobilizou os despossuídos xiitas e gradualmente os colocou sob a
liderança da ditadura teocrática que havia assumido o poder no Irã três anos antes.
Foi também no adorável Líbano que, tendo aprendido a dividir o negócio de
sequestros com o crime organizado, os fiéis evoluíram para nos apresentar a beleza
dos homens-bomba. Ainda posso ver a cabeça arrancada na rua em frente à
embaixada francesa semidestruída. Em geral eu tendia a atravessar a rua quando os
grupos de orações apareciam.
Bombaim também costumava ser considerada uma pérola do Oriente,
com seu colar de luzes ao longo da estrada da montanha e sua magnífica arquitetura
colonial britânica. Era uma das cidades mais diversificadas e plurais da Índia, e suas
muitas camadas tinham sido inteligentemente exploradas por Salman Rushdie —
especialmente em O último suspiro do mouro — e pelos filmes de Mira Nair. É
verdade que tinha havido lutas intercomunais na época, entre 1947 e 1948, em que o
grande movimento histórico pela autogestão da Índia estava sendo arruinado pelas
exigências muçulmanas de um Estado separado e pelo fato de que o Partido do
Congresso era liderado por um hindu devoto. Mas provavelmente tantas pessoas
buscam refugio em Bombaim durante aquele momento de sede de sangue quanto as
que foram expulsas ou fugiram de lá. Instalou-se uma forma de coexistência
cultural, como frequentemente ocorre quando as cidades são expostas ao mar e às
influências externas. Os parses — antigos zoroastristas que tinham sido perseguidos
na Pérsia — eram uma minoria importante, e a cidade também abrigava uma
comunidade historicamente significativa de judeus. Mas isso não era suficiente para
satisfazer o sr. Bal Thackeray e seu movimento nacionalista hindu Shiv Sena, que
nos unos 1990 decidiu que Bombaim deveria ser governada por e para seus
correligionários, e que soltou nas ruas um bando de capangas e sicários. Apenas
para mostrar do que era capaz, ele ordenou que a cidade fosse rebatizada de
"Mumbai", e em parte por isso eu a incluo na lista com seu nome tradicional.
Até a década de 1980, Belgrado tinha sido a capital da Iugoslávia, ou a
terra dos eslavos do Sul, significando que por definição era a capital de um Estado
multiétnico e multiconfessional. Mas um intelectual croata secular certa vez me fez
um alerta que, como em Belfast, assumiu a forma de uma piada amarga. "Se eu
digo às pessoas que sou ateu e croata, elas me perguntam como eu posso provar que
não sou sérvio", disse ele. Em outras palavras, ser croata é ser católico romano. Ser
sérvio é ser cristão ortodoxo. Na década de 1940 isso significava um Estado-fantoche
nazista instalado na Croácia e patrocinado pelo Vaticano, que naturalmente queria
exterminar todos os judeus da região, mas também promoveu uma campanha de
conversão forçada dirigida à outra comunidade cristã. Consequentemente, dezenas de
milhares de cristãos ortodoxos foram massacrados ou deportados e um enorme
campo de concentração foi instalado perto da cidade de Jasen. O regime do general
Ante Pavelic e seu partido Ustashe era tão desagradável que até mesmo muitos
oficiais alemães protestaram por terem de se associar a ele.
Na época em que eu visitei o local do campo de Jasenovacs em 1992, a
bota de certa forma estava no outro pé. As cidades croatas de Vukovar e Dubrovnik
tinham sido brutalmente bombardeadas pelas forças armadas da Sérvia, então
comandadas por Slobodan Milosevic. A cidade majoritariamente muçulmana de
Sarajevo tinha sido cercada e estava sendo bombardeada continuamente. Em outras
regiões da Bósnia-Herzegovina, especialmente ao longo do rio Drina, cidades inteiras
eram pilhadas e massacradas no que os próprios sérvios classificaram de "limpeza
étnica". Na verdade, "limpeza religiosa" estaria mais perto da verdade. Milosevic era
um ex-burocrata comunista que tinha se transformado em nacionalista xenófobo, e
sua cruzada antimuçulmana, que era um disfarce para a anexação da Bósnia a uma
"Grande Sérvia", era em grande medida levada a cabo por milícias não-oficiais
operando sob seu controle "não assumido". Essas gangues eram compostas de
radicais religiosos, frequentemente abençoadas por padres e bispos ortodoxos, e
algumas vezes reforçadas por "voluntários" ortodoxos da Grécia e da Rússia. Eles
fizeram um esforço especial para destruir todos os vestígios de civilização otomana,
como no caso particularmente atroz da dinamitação de vários minaretes históricos
em Banja Luka, o que foi feito durante um cessar-fogo, e não como resultado de uma
batalha.
O mesmo é verdade, como frequentemente é esquecido, no caso de seus
equivalentes católicos. As formações Ustashe foram revividas na Croácia e fizeram
uma tentativa criminosa de tomar a Herzegovina, como tinham feito durante a
Segunda Guerra Mundial. A bela cidade de Mostar também foi bombardeada e
sitiada, e a mundialmente famosa Stari Most, ou "Ponte Velha", datada da época
turca e considerada pela Unesco local cultural de importância mundial, foi
bombardeada até desmoronar rio abaixo. De fato, as forças extremistas católicas e
ortodoxas estavam unidas em uma divisão e em uma limpeza sangrentas da
Bósnia-Herzegovina. Elas foram, e em grande medida ainda são, poupadas dessa
vergonha pública porque a mídia mundial preferiu a simplificação de "croata" e
"sérvio" e só mencionou religião quando se referia a "os muçulmanos". Mas a tríade
de termos "croata", "sérvio" e "muçulmano" é desigual e enganadora, no sentido de
que equaciona duas nacionalidades e uma religião. (A mesma confusão é feita de
fo
rma diferente na cobertura do Iraque, com o trio "sunita-xiita-curdo"). Havia pelo
menos dez mil sérvios em Sarajevo durante o cerco, e um dos principais
comandantes da defesa, um oficial e cavalheiro chamado general Jovan Divjak, cuja
mão tive orgulho de apertar sob fogo, também era sérvio. A população judaica da
cidade, que datava de 1492, em sua maioria também se identificava com o governo
e a causa da Bósnia. Teria sido muito mais correto se a imprensa e a televisão
tivessem dito que "hoje as forças cristãs ortodoxas retomaram o bombardeio de
Sarajevo" ou "ontem a milícia católica conseguiu derrubar a Stari Most". Mas a
terminologia confessional era reservada exclusivamente aos "muçulmanos", mesmo
que seus assassinos se dessem o trabalho de usar grandes cruzes ortodoxas sobre as
bandoleiras ou colar imagens da Virgem Maria nas coronhas dos rifles. Assim,
mais uma vez, a religião envenena tudo, incluindo nossa própria capacidade de
discernimento.
Quanto a Belém, acho que estaria disposto a admitir ao sr. Prager que em
um bom dia eu me sentiria seguro o bastante para ficar do lado de fora da igreja do
Santo Sepulcro ao anoitecer. Foi em Belém, não distante de Jerusalém, que muitos
acreditam que, com a cooperação de uma virgem que concebeu imaculada, Deus
teve um filho.
A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, comprometida em
casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo "Espírito Santo."
Sim, e o semideus grego Perseu nasceu quando o deus Júpiter visitou a virgem
Danae na forma de um banho de ouro e a engravidou. O deus Buda nasceu através
de uma abertura no lado do corpo de sua mãe. Coatlicue, a serpente, pegou uma
pequena bola de plumas do céu e a escondeu em seu seio, e assim o deus asteca
Huitzilochtli foi concebido. A virgem Nana pegou uma romã da árvore banhada
pelo sangue do assassinado Agdistis, colocou-a em seu seio e deu à luz o deus Attis.
A filha virgem de um rei mongol acordou certa noite e se viu banhada por uma luz
grandiosa, que fez com que ela desse à luz Gêngis Khan. Krishna nasceu da virgem
Devaka. Horus nasceu da virgem Ísis. Mercúrio nasceu da virgem Maia. Rômulo
nasceu da virgem Rhea Silvia. Por alguma razão, muitas religiões se obrigam a
pensar no canal de nascimento como uma rua de mão única, e até mesmo o Corão
trata a Virgem Maria com reverência. Contudo, isso não fez diferença durante as
Cruzadas, quando um exército papal partiu para retomar Belém e Jerusalém dos
muçulmanos, incidentalmente destruindo muitas comunidades judaicas e saqueando
a cristã herética Bizâncio no caminho, e promoveu um massacre nas ruas estreitas de
Jerusalém, onde, de acordo com cronistas histéricos e encantados, o sangue jorrava
até a brida dos cavalos.
Algumas dessas tempestades de ódio, intolerância e sede de sangue
passaram, embora novas estejam sempre se formando nessa região, mas enquanto
isso a pessoa pode se sentir relativamente não perturbada nos arredores ou na praça
da Manjedoura, que é o centro, como o nome diz, de uma armadilha para turistas de
tal mau gosto que é capaz de envergonhar Lourdes. Quando visitei essa cidade
deplorável pela primeira vez, ela estava sob o controle nominal de uma
municipalidade fundamentalmente cristã palestina ligada a uma dinastia política
específica, identificada com a família Freij. Nas vezes em que voltei a vê-la desde
então, geralmente foi sob um violento toque de recolher imposto pelas autoridades
militares israelenses — cuja presença na margem ocidental em si não está
desvinculada da crença em determinadas profecias das Escrituras, embora nesse caso
com uma promessa diferente feita por um deus diferente a pessoas diferentes. Agora é
a vez de mais outra religião. As forças do Hamas, que afirmam que toda a Palestina
é uma waqf islâmica de ordenamento santo consagrada ao islamismo, começaram
a ganhar espaço entre os cristãos de Belém. Seu líder, Mahmoud al-Zahar, anunciou
que todos os habitantes do Estado Islâmico da Palestina deverão obedecer à lei
muçulmana. Há agora em Belém a proposta de que não-muçulmanos estejam
sujeitos ao imposto al-Jeziya, a taxa histórica imposta aos dhimmis, ou não-crentes,
sob o antigo Império Otomano. Funcionárias da prefeitura são proibidas de
cumprimentar visitantes do sexo masculino com apertos de mão. Em Gaza, uma
jovem chamada Yusra al-Azami foi morta a tiros em abril de 2005 pelo crime de se
sentar sozinha em um carro com seu noivo. O jovem escapou apenas com um
espancamento. Os líderes do esquadrão de "vício e virtude" do Hamas justificaram
esse caso banal de assassinato e tortura dizendo que havia "suspeita de
comportamento imoral". Em uma Palestina que um dia foi secular, maltas de
jovens sexualmente reprimidos são alistados para bisbilhotar carros estacionados,
podendo fazer o que quiserem.
Eu certa vez assisti em Nova York a uma palestra do falecido Abba Eban,
um dos mais refinados e educados diplomatas e estadistas de Israel. Ele disse que a
primeira coisa que chamava a atenção no conflito israelense-palestino era a
facilidade da solução para ele. Depois desse início irresistível, ele disse, com a
autoridade de ex-ministro do Exterior e representante na ONU, que o ponto
fu
ndamental era simples. Dois povos de tamanho aproximadamente equivalente
disputavam a mesma terra. A solução obviamente era criar dois Estados lado a
lado. Algo tão óbvio não podia ser percebido pelos homens? E teria sido assim,
décadas atrás, se os rabinos e os mulás messiânicos tivessem sido deixados de fora.
Mas as alegações de autoridade exclusiva dada por Deus feitas por clérigos histéricos
dos dois lados — e reforçadas por cristãos fixados no Armagedom que esperavam
produzir o Apocalipse (precedido pela morte ou conversão de todos os judeus) —
tornaram a situação insuportável e colocaram toda a humanidade na posição de
refém de uma rixa que hoje inclui a ameaça de uma guerra nuclear. A religião
envenena tudo. Além de uma ameaça à civilização, ela se tornou uma ameaça à
sobrevivência humana.
E para terminar, Bagdá. É um dos maiores centros de aprendizado e
cultura na história humana. Foi ali que algumas das obras perdidas de Aristóteles e
outros gregos ("perdidas" porque as autoridades cristãs queimaram algumas,
proibiram outras e fecharam as escolas de filosofia sob a alegação de que não
poderia haver reflexões úteis sobre a moralidade antes da pregação de Jesus) foram
preservadas, traduzidas e transmitidas, através da Andaluzia, de volta para o
ignorante Ocidente "cristão". As bibliotecas, os poetas e os arquitetos de Bagdá eram
renomados. Muitas essas realizações se deram sob califas muçulmanos, que
algumas vezes permitiam e da mesma forma frequentemente reprimiam sua
expressão, mas Bagdá também apresenta traços da antiga cristandade caldeia e
nestorianista, e foi um dos muitos centros da diáspora judaica. Até o final da década
de 1940, era lar de tantos judeus quanto os que viviam em Jerusalém.
Não vou aqui elaborar uma posição sobre a derrubada de Saddam
Hussein em abril de 2003. Direi apenas que aqueles que consideravam seu regime
"secular" estão se enganando. É verdade que o Partido Baath foi fundado por um
homem chamado Michel Aflag, um cristão sinistro simpático ao fascismo, e
também é verdade que a filiação ao partido era livre para todas as religiões (embora
eu tenha todos os motivos para acreditar que a filiação de judeus era limitada).
Contudo, pelo menos desde a sua calamitosa invasão do Irã em 1979, que levou a
fu
riosas acusações da teocracia iraniana de que ele era um "infiel", Saddam Hussein
estabeleceu que seu governo — que de qualquer modo era baseado na minoria tribal
sunita — era de devoção e jihad. (O Partido Baath sírio, também baseado em uma
parcela confessional da sociedade ligada à minoria alawita, teve igualmente um
longo e hipócrita relacionamento com os mulás iranianos.) Saddam colocou na
bandeira iraquiana as palavras "Allahuh Akhbar" — "Deus é grande". Ele financiou
uma gigantesca conferência internacional de guerreiros santos e mulás, e manteve
relações calorosas com o outro grande Estado financiador da região, o governo
genocida do Sudão. Ele construiu a maior mesquita da região e a batizou de "Mãe de
todas as batalhas", com direito a um Corão escrito com sangue que ele alegava ser
seu. Quando iniciou sua própria campanha de genocídio contra o povo
(majoritariamente sunita) do Curdistão — campanha que envolveu o uso contínuo
de armas químicas e o assassinato e a deportação de centenas de milhares de pessoas
—, ele escolheu o nome de "Operação Anfal", conseguindo com esse termo uma
justificativa corânica — "Os despojos" da sura 8 — para a espoliação e a destruição
de não-crentes. Quando as forças da coalizão cruzaram a fronteira do Iraque,
encontraram exército de Saddam se dissolvendo como um cubo de açúcar em chá
quente, mas se depararam com uma resistência tenaz de um grupo paramilitar
chamado Fedain Saddam, reforçado por jihadistas estrangeiros. Uma das tarefas do
grupo era executar qualquer um que aplaudisse publicamente a intervenção ocidental,
e alguns enforcamentos e mutilações públicos logo foram registrados em vídeo para
que todos vissem.
No mínimo todos podem concordar que o povo iraquiano suportara muito
nos 35 anos anteriores de guerra e ditadura, que o regime de Saddam não poderia
durar para sempre como um sistema à margem da lei internacional e que, portanto
— quaisquer que sejam as objeções ao verdadeiro significado de "mudança de
regime" —, a sociedade como um todo precisava de tempo para respirar e refletir
sobre reconstrução e reconciliação. Não foi permitido nem um só minuto para
respirar.
Todos conhecem as consequências. Os financiadores da Al-Qaeda,
liderados por um criminoso jordaniano chamado Abu Musad al-Zarqawi,
lançaram uma campanha frenética de assassinato e sabotagem. Eles não apenas
assassinaram mulheres sem véu, jornalistas e professores seculares. Eles não apenas
colocaram bombas em igrejas cristãs (talvez chegue a dois por cento a população
cristã do Iraque) e mataram ou mutilaram cristãos que produziam e vendiam
álcool. Eles não apenas fizeram um vídeo de um fuzilamento em massa e da
decapitação de um contingente de operários nepaleses, que eram supostamente hindus
e portanto não mereciam qualquer consideração. Essas atrocidades podem ser
consideradas mais ou menos rotineiras. Eles dirigiram a parcela mais cruel de sua
campanha de terror contra seus colegas muçulmanos. As mesquitas e os cortejos
fúnebres da maioria xiita longamente oprimida foram explodidos. Peregrinos que
percorriam longas distâncias para os templos recém acessíveis de Karbala e Najaf
estavam sob risco de vida. Em uma carta a seu líder Osama bin Laden, Zarqawi deu
duas razões principais para essa política extraordinariamente malévola. Em
primeiro lugar, como ele escreveu, os xiitas eram hereges que não seguiam a trilha
certa da pureza salafista. Eles, portanto, eram uma presa perfeita para os
verdadeiramente santos. Em segundo lugar, caso fosse possível induzir uma guerra
religiosa na sociedade iraquiana, os planos dos "cruzados" do Ocidente seriam
prejudicados. A esperança óbvia era deflagrar a reação dos próprios xiitas, que
lançaria os árabes sunitas nos braços de seus "protetores" osamistas. E, apesar de
alguns nobres apelos à contenção feitos pelo grande aiatolá xiita Sistani, não se
mostrou muito difícil incitar tal reação. Depois de algum tempo, esquadrões da
morte xiitas, frequentemente trajando uniformes policiais, estavam matando e
torturando a esmo membros fiéis da fé sunita árabe. A influência sub-reptícia da
"república islâmica" vizinha do Irã não era difícil de identificar, e em algumas
regiões xiitas também se tornou um tanto perigoso ser uma mulher sem véu ou uma
pessoa secular. O Iraque pode se orgulhar de uma história bastante longa de
casamentos exógamos e de cooperação intercomunal. Mas alguns poucos anos dessa
dialética de ódio logo conseguiram criar uma atmosfera de infelicidade, desconfiança,
hostilidade e política baseada em seitas. Mais uma vez, a religião envenenou tudo.
Em todos os casos que mencionei,houve aqueles que protestaram em nome
da religião e que tentaram se opor à maré montante do fanatismo e do culto à morte.
Eu consigo me lembrar de um punhado de padres, bispos, rabinos e imãs que
colocaram a humanidade acima de sua própria seita ou seu próprio credo. A
história oferece muitos outros exemplos assim, que discutirei posteriormente. Mas
esse é um elogio ao humanismo, não à religião. No que diz respeito a isso, essas
crises também me levaram, e a muitos outros ateus, a protestarem em prol de
católicos discriminados na Irlanda, muçulmanos bósnios enfrentando o extermínio
nos Bálcãs cristãos, afegãos e iraquianos xiitas passados no fio da espada por
jihadistas sunitas e vice-versa, e incontáveis outros casos. Adotar tal postura é uma
obrigação elementar de um humano que se respeita. Mas a relutância geral das
autoridade clericais a proclamar uma condenação clara, seja o Vaticano no caso da
Croácia ou líderes sauditas ou iranianos no caso de suas respectivas confissões, é
uniformemente lamentável. Assim como a disposição de cada "rebanho" de retornar
a um comportamento atávico à menor provocação.
Não, sr. Prager, eu descobri que não é uma regra prudente buscar ajuda
quando o encontro de orações termina. E isso, como eu disse, apenas na letra "B".
Em todos esses casos, qualquer um preocupado com a segurança ou a dignidade
humana precisaria de uma esperança fervorosa em um surto massivo de
secularismo democrático e republicano.
Eu não preciso viajar para todos esses lugares exóticos de modo ver o
veneno em ação. Muito antes do dia fatídico de 11 de setembro de 2001 eu já podia
sentir que a religião estava voltando a desafiar a sociedade civil. Quando não estou
atuando como correspondente estrangeiro ocasional e amador, levo uma vida
bastante tranquila e ordeira: escrevo livros e ensaios, ensino meus alunos a amar a
literatura inglesa, frequento agradáveis conferências literárias, participo das
discussões efêmeras que surgem no mercado editorial e na academia. Mas mesmo
essa existência bastante protegida tem sido sujeita a ultrajes, invasões, insultos e
desafios. No dia 14 de fevereiro de 1989, meu amigo Salman Rushdie foi vítima de
sentenças simultâneas de morte e de vida pelo crime de ter escrito uma obra de ficção.
Para ser mais preciso, o chefe teocrático de um Estado estrangeiro — o aiatolá
Khomeini do Irã — publicamente ofereceu dinheiro em seu próprio nome para
instigar o assassinato de um romancista que era cidadão de outro país. Aqueles que
fo
ram encorajados a levar a cabo esse plano de assassinato por encomenda, que se
estendia a "todos os envolvidos na publicação" de Os Versos Satânicos, recebiam a
oferta não apenas do dinheiro vivo, mas também de uma passagem de graça para o
paraíso. Era impossível imaginar afronta maior aos valores da liberdade de
expressão. O aiatolá não tinha lido, e provavelmente não podia ler, e de qualquer
fo
rma proibiu todos de ler o romance. Mas ele conseguiu produzir lamentáveis
demonstrações entre muçulmanos na Inglaterra, bem como no mundo todo, onde
multidões queimaram o livro e gritaram pedindo que o autor também fosse lançado
às chamas. Esse episódio — em parte horrível, em parte grotesco — teve suas
origens, claro, no mundo material ou "real". O aiatolá, tendo desperdiçado a vida de
centenas de milhares de jovens iranianos em uma tentativa de prolongar a guerra
que Saddam Hussein iniciara, desse modo a transformando em uma vitória própria
de sua ideologia reacionária, tinha pouco antes sido obrigado a reconhecer a
realidade e aceitar a resolução da ONU de cessar-fogo a que dissera preferir beber
veneno a assinar. Em outras palavras, ele precisava de um "assunto". Um grupo de
muçulmanos reacionários da África do Sul que integrava o parlamento-marionete
do regime do apartheid tinha anunciado que o sr. Rushdie seria morto se
comparecesse a uma feira do livro em seu país. Um grupo fundamentalista no
Paquistão tinha derramado sangue nas ruas. Khomeini tinha de provar que não
seria superado por ninguém.
Há algumas afirmações supostamente feitas pelo profeta Maomé que
dificilmente se ajustam aos ensinamentos muçulmanos. Estudiosos do Corão
tentaram provar a quadratura do círculo sugerindo que nesses casos o Profeta estava
acidentalmente recebendo orientações de Satanás, e não de Deus. Essa artimanha —
que não faria feio em comparação com a sinuosa escola da apologia cristã medieval
— se mostrou uma excelente oportunidade para um romancista explorar o
relacionamento entre as Escrituras sagradas e a literatura. Mas a mente literal não
entende a mente irônica e sempre a identifica como fonte de perigo. Mais ainda,
Rushdie tinha sido criado como muçulmano e compreendia o Corão, de fato
significando que ele era um apóstata. E a "apostasia" de acordo com o hadith, é
punível com a morte. Não existe o direito de mudar de religião, e todos os Estados
religiosos sempre insistiram em penas duras para aqueles que tentassem fazer isso.
Várias tentativas sérias de matar Rushdie foram feitas por esquadrões da
morte religiosos apoiados por embaixadas iranianas. Seus tradutores italiano e
japonês foram violentamente atacados - em um dos casos, aparentemente pela
crença absurda de que o tradutor pudesse saber do seu paradeiro — e um deles foi
selvagemente mutilado enquanto morria, seu editor norueguês recebeu vários tiros
nas costas disparados por um rifle de repetição e foi deixado à morte na neve, mas
sobreviveu de forma impressionante. Poderíamos pensar que tal homicídio
arrogante financiado pelo Estado, dirigido contra um indivíduo solitário e pacífico
que levava uma vida dedicada à linguagem, iria produzir uma condenação
generalizada. Mas não foi o caso. Em declarações refletidas, o Vaticano, o arcebispo
de Canterbury e o rabino-chefe sefardita de Israel assumiram uma postura de
simpatia para com...o aiatolá. Assim como o cardeal-arcebispo de Nova York e
muitas outras figuras religiosas menores. Embora eles normalmente empregassem
algumas poucas palavras para deplorar o recurso à violência, todos esses homens
afirmaram que o principal problema levantado pela publicação de Versos Satânicos
não era o assassinato por mercenários, mas a blasfêmia. Alguns personagens
públicos não pertencentes a ordens religiosas, como o escritor marxista John Berger,
o historiador conservador Hugh Trevor Roper e o decano dos autores de histórias de
espionagem John Le Carré, também se pronunciaram dizendo que Rushdie era autor
de seus próprios problemas, e os tinha atraído para si "ofendendo" uma grande
religião monoteísta. Não parecia nada de mais para essas pessoas que a polícia
britânica tivesse de defender um cidadão nascido na Índia, ex-muçulmano, de uma
orquestrada campanha para tirar sua vida em nome de Deus.
Protegida como costuma ser minha própria vida, eu tive um gostinho
dessa situação surreal quando o senhor Rushdie foi a Nova York no fim de semana
de Ação de Graças de 1993 para um encontro com o presidente Clinton e passou
uma noite ou duas em meu apartamento. Foi necessária uma enorme e proibitiva
operação de segurança para que isso fosse possível, e ao final fui convidado a fazer
uma visita ao Departamento de Estado. Lá fui avisado de que tinham interceptadas
"conversas" confiáveis expressando intenções de vingança contra mim e minha
família. Fui aconselhado a mudar de endereço e de número de telefone, o que pareceu
uma forma improvável de evitar o revide. Isso, contudo, deixou claro para mim o
que eu já sabia. Para mim não é possível dizer: "Bem, vocês perseguem seu sonho
xiita de um imã oculto e eu continuo meus estudos de Thomas Paine e George
Orwell, e o mundo é grande o bastante para nós". O verdadeiro crente não pode
descansar enquanto o mundo inteiro não ajoelhar. Não é óbvio para todo todo, diz o
devoto, que a autoridade religiosa está acima de todas e que aqueles que se recusam a
reconhecer isso abrem mão do direito de existir?
Como costuma ser, foram os assassinos do xiismo que chamaram a
atenção do mundo para esse ponto alguns anos atrás. Foi tão horripilante o regime
talibã no Afeganistão, que massacrou a população xiita hazara, que o próprio Irã
considerou a hipótese de invadir o país em 1999. E tão grande foi o vício talibã em
profanação que ele metodicamente bombardeou e destruiu um dos maiores artefatos
culturais do mundo — as estátuas gêmeas de Buda em Bamiyan, que em sua
magnificência mostravam a fusão do estilo helenista e outros no passado afegão.
Mas, sendo indubitavelmente pré-islâmicas, as estátuas eram um claro insulto ao
Talibã e a seus convidados da Al-Qaeda, e a redução de Bamiyan a pó e escombros
antecipou a destruição de duas outras estruturas gêmeas, bem como de quase três mil
pessoas no centro de Manhattan no outono de 2001.
Todos têm sua própria história de 11 de setembro: eu poderia pular a
minha, a não ser para dizer que alguém que eu conhecia superficialmente foi
arremessado contra a parede do Pentágono, tendo conseguido telefonar para o
marido e dar uma descrição de seus assassinos e suas táticas (e tendo sabido por ele
que não era um sequestro e que ela iria morrer). Do teto de meu prédio em
Washington eu podia ver a fumaça se erguendo do outro lado do rio, e desde então
nunca passei pelo Capitólio ou pela Casa Branca sem pensar no que poderia ter
acontecido se não fossem a coragem e a capacidade dos passageiros do quarto avião,
que conseguiram derrubá-lo em um campo da Pensilvânia a apenas vinte minutos
de seu destino.
Bem, como eu consegui responder em uma réplica posterior a Dennis
Prager, agora você tem sua resposta. Os 19 assassinos suicidas de Nova York,
Washington e Pensilvânia eram, sem dúvida alguma, os crentes mais sinceros
naqueles aviões. Talvez possamos ouvir um pouco menos sobre como as "pessoas de
fé" têm vantagens morais que as outras só podem invejar. E o que aprender com o
júbilo e a propaganda extasiada com que esse grande feito de fé foi louvado no
mundo islâmico? Na época os Estados Unidos tinham um procurador-geral
chamado John Ashcroft que afirmara que os Estados Unidos "não tinham rei que
não Jesus" (uma afirmação que era exatamente três palavras longa demais). Havia
um presidente que queria entregar o tratamento aos pobres a instituições "baseadas
na fé". Esse não seria o momento de dar algum valor à luz da razão e à defesa de
uma sociedade que separa Igreja e Estado e valoriza a liberdade de expressão?
Para mim a decepção foi, e continua a ser, pungente. Em algumas horas os
"reverendos" Pat Robertson e Jerry Falwell anunciaram que a imolação das criaturas
que eram seus pares era um julgamento divino de uma sociedade que tolerava o
homossexualismo e o aborto. No serviço fúnebre solene pelas vítimas, realizado na
bela Catedral Nacional de Washington, foi permitido um pronunciamento de Billy
Graham, um homem cujo registro de oportunismo e antissemitismo é em si uma
pequena desgraça nacional. Seu sermão absurdo buscou afirmar que todos os
mortos estavam no céu e não voltariam a nós nem se pudessem. Eu digo absurdo
porque é impossível, mesmo nos termos mais complacentes, acreditar que um bom
número de cidadãos pecadores não tivesse sido assassinado naquele dia pela AlQaeda. E não há por que acreditar que Billy Graham conhecesse o paradeiro de suas
alma quanto mais seus desejos póstumos. Mas também havia algo sinistro em ouvir
alegações detalhadas de conhecimento do céu, do mesmo tipo que o próprio Bin
Laden estava fazendo em benefício dos assassinos.
As coisas continuaram a piorar no intervalo entre a remoção do Talibã e a
derrubada de Saddam Hussein. Um graduado funcionário militar chamado general
William Boykin anunciou que tivera uma visão quando servia durante o fiasco na
Somália. Aparentemente, o rosto do próprio Satanás tinha sido detectado por
alguma fotografia aérea de Mogadiscio, mas isso serviu apenas para aumentar a
confiança do general de que seu deus era mais forte do que a divindade malévola da
oposição. Foi revelado na Academia Militar da Força Aérea dos Estados Unidos que
cadetes judeus e agnósticos estavam sendo perversamente atormentados por um
grupo de impunes alunos "renascidos", que insistiam em que apenas aqueles que
aceitavam Jesus como seu salvador eram qualificados para o serviço militar. O vicecomandante da academia enviou e-mails defendendo um dia nacional de oração
(cristã). Uma capelã chamada Melinda Morton, que se queixou dessa histeria e
intimidação, foi repentinamente transferida para uma base distante no Japão.
Enquanto isso, o multiculturalismo alienado também deu sua contribuição, entre
outras formas garantindo a distribuição de edições baratas e em grande escala de
edições sauditas do Corão para uso no sistema penitenciário americano. Esses textos
wahabitas chegavam ainda mais longe que o original ao recomendar a guerra santa
contra todos os cristãos, os judeus e os secularistas. Observar tudo isso era
testemunhar uma espécie de suicídio cultural: um "suicídio assistido" que crentes e
não-crentes estavam preparados para oficiar.
É preciso destacar de imediato que esse tipo de coisa, além de antiético e não
profissional, era também absolutamente inconstitucional e antiamericano. James
Madison, o autor da Primeira Emenda à Constituição, que proíbe qualquer lei
referente ao estabelecimento de uma religião, também foi um dos autores do Artigo
IV, que afirma de forma inequívoca que "nenhum teste religioso poderá ser exigido
como qualificação para qualquer posto ou cargo público". Seu Detached Memoranda
posterior deixa absolutamente claro que ele, para começar, se opunha à nomeação de
capelães, tanto nas Forças Armada quanto nas cerimônias de instalação do
Congresso. "O estabelecimento do posto de capelão no Congresso é uma clara
violação dos direitos iguais, bem como dos princípios da Constituição." Quanto à
presença de clérigos nas Forças Armadas, Madison escreveu: "O objetivo disso é
sedutor, o motivo é louvável. Mas não é mais seguro aderir a um princípio correto e
confiar em suas consequências do que confiar no raciocínio, por mais ilusório que
seja, em favor de um errado? Observe os exércitos e marinhas do mundo e diga se o
que está sendo mais contemplado na nomeação de seus ministros de religião é o
interesse espiritual dos rebanhos ou o interesse pessoal do pastor." Qualquer um que
citasse Madison hoje muito provavelmente seria considerado subversivo ou insano,
mas sem ele e Thomas Jefferson, coautores do Estatuto da Virgínia sobre Liberdade
Religiosa, os Estados Unidos teriam continuado a ser o que eram — com os judeus
proibidos de ocupar cargos em alguns estados, católicos em outros e protestantes em
Maryland: este último era um estado em que "palavras profanas referentes à
Santíssima Trindade" eram passíveis de punição com tortura, marcação a ferro e na
terceira oportunidade, "morte sem o benefício de um clérigo". A Geórgia poderia ter
continuado a insistir que sua fé estadual oficial era o "protestantismo" — quaisquer
que pudessem ser os muitos híbridos de Lutero.
Com o debate sobre a intervenção no Iraque se tornando mais acalorado,
rios de absurdos escorrem dos púlpitos. A maioria das igrejas se opôs ao esforço
para remover Saddam Hussein, e o papa se desgraçou inteiramente fazendo um
convite pessoal ao criminoso de guerra procurado Tariq Aziz, homem responsável
pelo assassinato de crianças pelo Estado. Aziz foi não apenas recebido no Vaticano
como principal membro católico de um partido fascista governante (não tendo sido a
primeira vez que tal indulgência tinha sido concedida), como foi levado a Assis para
uma sessão pessoal de oração no santuário de São Francisco, que aparentemente
costumava fazer palestras para pássaros. Ele deve ter pensado que tudo aquilo era
fácil demais. Do outro lado do arco confessional, alguns, mas não todos, evangélicos
americanos se entusiasmaram com a perspectiva de conquistar o mundo
muçulmano para Jesus. (Eu digo "alguns, mas não todos', porque uma dissidência
fundamentalista desde então passou a fazer manifestações nos funerais de soldados
americanos mortos no Iraque, dizendo que o assassinato deles era punição de Deus
pelo homossexualismo americano. Um cartaz especialmente saboroso, agitado em
frente aos rostos dos enlutados, é "Graças a Deus pelas IEDs", as bombas colocadas
ao lado das estradas pelos fascistas muçulmanos igualmente antigays. Não é
problema meu decidir qual teologia calvinista é a correta: eu diria que as chances de
qualquer uma estar certa são aproximadamente as mesmas. Charles Stanley, cujos
sermões semanais na Primeira Igreja Batista de Atlanta são assistidos por milhões
de pessoas agiu como qualquer imã demagógico quando disse: "Devemos nos
oferecer para participar do esforço de guerra de qualquer forma possível. Deus
combate as pessoas que se opõem a ele, lutam contra ele e seus seguidores." O serviço
de notícias de sua organização, o Baptist Press, publicou um artigo de um
missionário, exultante pelo fato de a "política externa americana e o poderio militar
terem aberto uma oportunidade para o evangelho na terra de Abraão, Isaac e Jacó".
Não querendo ser superado, Tim LaHaye foi ainda mais longe. Mais conhecido
como coautor da série de romances baratos recordista de vendas Deixados para trás,
que prepara o americano médio para o "arrebatamento" e depois para o
Armagedom, ele identificou o Iraque como "ponto central de acontecimentos de final
dos tempos". Outros entusiastas bíblicos tentaram ligar Saddam Hussein ao iníquo
rei Nabucodonosor da antiga Babilônia, uma comparação que o próprio ditador
provavelmente teria aprovado, em função de sua reconstrução das antigas muralhas
de Babilônia com tijolos que tinham, todos eles, seu nome gravado. Assim, em vez
de uma discussão racional sobre a melhor forma de conter e derrotar o fanatismo
religioso, o que havia era o fortalecimento mútuo de duas manifestações dessa
mania: o ataque jihadista invocou o espectro tingido de sangue dos cruzados.
Nesse sentido, a religião não é diferente do racismo. Uma versão dela
inspira e provoca a outra. Certa vez armaram outra armadilha para mim,
ligeiramente mais investigativa que a de Dennis Prager, concebida para revelar meu
grau de preconceito latente. Você está em uma plataforma de uma estação deserta do
metrô em Nova York, tarde da noite. De repente surge um grupo de 12 negros. Você
fica onde está ou se encaminha para a saída? Eu mais uma vez pude responder que
já tinha passado exatamente por essa experiência. Esperando sozinho o trem, bem
depois de meia-noite, de repente vi uma equipe de operários que deixava o túnel com
ferramentas e luvas de trabalho. Todos eram negros. Eu instantaneamente me senti
mais seguro e me encaminhei na direção deles. Eu não tenho ideia de qual era a
filiação religiosa deles. Mas em todos os outros casos que citei, a religião foi um
tremendo multiplicador de suspeita tribal e ódio, com membros de um grupo
falando com os de outro usando exatamente a entonação do intolerante. Cristãos e
judeus comem carne de porco contaminada e bebem álcool venenoso: budistas e
muçulmanos do Sri Lanka culparam os festejos natalinos embalados por vinho de
2004 pelo tsunami que imediatamente se seguiu. Católicos são sujos e têm filhos
demais. Muçulmanos procriam como coelhos e limpam os fundilhos com a mão
errada. Judeus têm piolhos nas barbas e querem o sangue de crianças cristãs para
dar sabor e tempero ao matzá da Páscoa. E assim por diante.

 

 

Esses regimes ateus que vc tanto fala, em nenhum deles as pessoas mataram em nome do ateísmo. Ateu é somente alguém que não acredita em nenhum Deus. Fora isso, são pessoas normais. Podem ser boas pessoas ou não.


Ninguém mata milhões de pessoas por não acreditar em Papai Noel

 

“Ninguém nunca matou em nome do ateísmo"

Postado (editado)

Um dos exemplos do amor e paz do cristianismo.

 

Citar

Na noite de 14 de julho os cruzados começaram a usar as torres de assalto para se aproximarem das muralhas. Na manhã do 15 de julho (uma sexta-feira santa, sete dias depois da procissão), a torre de Godofredo de Bulhão alcançou a sua secção na porta do canto nordeste.

Vários nobres reclamariam a honra de terem sido os primeiros a penetrar em Jerusalém. Segundo uma das crónicas da época, a exacta sequência terá sido Letoldo e Gilberto de Tournai, depois Godofredo de Bulhão e o seu irmão Eustácio III de Bolonha, Tancredo de Altavila e os seus homens.[4] Outros cruzados entraram pela antiga entrada dos peregrinos. O avanço da torre de Raimundo de Saint-Gilles foi travado por uma vala, mas assim que outros cruzados foram invadindo a cidade, o guarda da porta assediada rendeu-se ao conde de Toulouse.

 

Durante a tarde e noite do dia 15 e manhã do dia seguinte, os cruzados massacraram a população de Jerusalém - muçulmanos, judeus e cristãos do oriente.[5][6] Muitos muçulmanos tentaram refugiar-se na mesquita de Al-Aqsa, onde "…a matança foi tão grande que os nossos homens patinhavam em sangue até aos tornozelos…"[4] e, segundo Raimundo de Aguilers: "os homens andavam a cavalo com sangue até aos joelhos e aos freios". O cronista Ibn al-Qalanisi escreveu que os defensores judeus procuraram refúgio na sua sinagoga, mas os "francos incendiaram-na sobre as suas cabeças", matando todos os que estavam lá dentro.[7] Os cruzados circundaram o edifício em chamas enquanto cantavam "Cristo, Adoramos-vos!".[8]

 

Godofredo de Bulhão não terá participado deste aspecto mais violento da conquista.[3] Tancredo de Altavila e Raimundo IV de Toulouse teriam tentado proteger alguns grupos da fúria assassina, mas na generalidade falharam: Tancredo tomou o bairro do Templo e ofereceu protecção a alguns muçulmanos, mas depois não conseguiu evitar (ou teria mesmo acabado por ordenar) as suas mortes às mãos dos seus companheiros. O governador fatímida Iftikhar ad-Daula retirou para a Torre de David, que rendeu a Raimundo em troca da sua saída segura e da sua guarda para Ascalão.[9]

 

A Gesta Francorum afirma que algumas pessoas conseguiram escapar ilesas e, segundo o(s) seu(s) autor(es) anónimo(s), "Quando os pagãos foram vencidos, os nossos homens capturaram grandes números, tanto homens como mulheres, matando-os ou aprisionando-os, conforme desejavam".[4] A maioria dos relatos só diverge na descrição da quantidade de cadáveres amontoados ou de sangue que escorria pelo chão. A estimativa do número de mortos varia entre 6.000 e 40.000, com os cristãos a falar de 10.000 e os muçulmanos de 70.000.[10] Segundo o arcebispo Guilherme de Tiro, os próprios vencedores ficaram impressionados de horror e descontentamento.

 

[Os nossos líderes] ordenaram que todos os sarracenos mortos fossem lançados para fora das muralhas por causa do enorme fedor, uma vez que toda a cidade estava cheia dos seus corpos; e assim os sarracenos sobreviventes arrastaram os mortos para as saídas dos portões [da cidade] e empilharam-nos em montes [...] Nunca ninguém tinha visto ou ouvido falar de tal mortandade de gentes pagãs [...]. Gesta Francorum et aliorum Hierosolimitanorum, de autor(es) anónimo(s)[4]

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cerco_de_Jerusalém_(1099)

Editado por Faabs
Postado

Eu vejo as cruzadas da mesma forma que a ditadura daqui, foi algo bom para combater o mau, mas algumas pessoas ruins fizeram algumas coisas ruins usando isso como escudo.

Postado
11 minutos atrás, danilorf disse:

As Cruzadas foram algo nobre

As Cruzadas foram algo nobre

As Cruzadas foram algo nobre

As Cruzadas foram algo nobre

 

Disappointed-gif.gif

Crie uma conta ou entre para comentar

Você precisar ser um membro para fazer um comentário

Criar uma conta

Crie uma nova conta em nossa comunidade. É fácil!

Crie uma nova conta

Entrar

Já tem uma conta? Faça o login.

Entrar Agora
×
×
  • Criar Novo...