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Corte De Peso No Mma: A Realidade No Brasil


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Dois assuntos polêmicos ocorridos na semana passada nos fizeram parar e refletir muito. O primeiro foi o falecimento do lutador de MMA Leandro Feijão, fato este que gerou extrema tristeza e deixará marcas não só para os seus familiares e amigos, mas também a todos que acompanham o MMA e principalmente em seus irmãos de profissão como eu, Juliano Ninja. Juntamente com este ocorrido, o outro assunto em voga e sempre de grande destaque é o corte de peso em lutadores de MMA.

O lutador Leandro deixa uma tristeza profunda com o seu falecimento, mas também um legado de aprendizado com tal fato em um assunto de extrema importância a ser discutido. Eu, como lutador e apaixonado pela minha profissão, me sinto na obrigação de falar e deixar o meu relato sobre o que acontece no nosso esporte, visando alertar e também o bem estar dos que aspiram a entrar nesse meio, e ajudar de alguma forma aos que ainda estão em atividade e carecem de acesso necessário a maiores informações sobre este tema e os devidos cuidados a se tomar. Falo isso sem medo de expor a verdade e que isso ajude quem necessita, pois penso que o sol nasce para todos que tem esse desejo de lutar em um octógono, e que estes mesmos possam vir a dispor de grande saúde para poder proporcionar grandes espetáculos ao público e assim aumentar a sua renda. Outro dia vi uma entrevista do meu amigo Eric Albarracin afirmando que a perda de peso é uma arte, concordo em grau, número e gênero. É importante ressaltar antes do meu relato que o atleta Leandro não veio a óbito decorrente do corte de peso, e sim de um AVC. Mas o corte de peso pode sim levar ao óbito como já aconteceu antes em esportes de contato como o Wrestling e outros.

Vou citar as minhas lutas e as perdas de peso sofridas com base na minha experiência.

Quando iniciei no MMA eu pesava 83kg, e a minha primeira luta foi até 80kg. A segunda e a terceira luta foram até 77kg, já a quarta e a quinta lutei com o peso de 75kg. Da sexta luta em diante eu fui para o peso o qual eu luto atualmente, categoria leve, 70kg, e logo estarei baixando para os penas, 66kg, mas farei isso com acompanhamento médico.

O que eu quero dizer com isso para os meus amigos que desejam lutar MMA é que eu fui me adaptando aos poucos para não sentir uma mudança brusca no corte de peso. Tomei esta decisão com base no que eu já havia estudado e sabia que algo inesperado poderia acontecer e influenciar muito a minha performance, além de prejudicar a minha saúde também. O outro passo que eu tomei foi me informar com profissionais da área como médicos, psicólogos esportivos e ler inúmeros artigos sobre este tema para eu poder saber quais os processos que poderiam ocorrer comigo, tanto físico como psicológico, ou seja, me conhecer melhor para saber aonde eu poderia chegar.

Quando fui perder uma quantidade maior de peso eu não passei por uma dificuldade além do normal, atribuo isso também ao fato de eu ser regrado e disciplinado na hora das refeições, hábito este adquirido desde cedo; mas mesmo assim não consegui me livrar de passar também por verdadeiros infernos em saunas ou nos recursos de banheira, que na minha opinião este último é o mais intenso porém em um curto espaço de tempo é proporcionalmente menos sofrível.

A realidade do que acontece para cortar peso é uma verdadeira loucura, falo isso pois já cometi alguns excessos, como jejum total de 24 horas e depois acordava para fazer sauna com um calor de 50 graus e cheio de casacos com uma roupa de plástico usada para este mesmo fim com sessões intermináveis de entra e sai da sauna, com um amigo passando cartão de crédito no meu corpo para raspar a “pele morta” e com isso suar mais. Alguns chegam a usar diuréticos(nunca usei), induzem vômitos(nunca precisei deste recurso), mascam chicletes para cuspir demasiadamente e tentar se livrar cada vez mais de líquidos, e detalhe, tudo o que citei acima é feito tudo em conjunto e ao mesmo tempo dependendo da necessidade e desespero da pessoa e quanto falta para bater o peso. É uma verdadeira guerra contra a balança, e o alvo acaba sendo você mesmo. Sim, nós fazemos isso! Já fiz também banheira com álcool e sal em imersão total com água quente em sessões de vinte minutos dentro da banheira com oito minutos fora deitado numa cama com quatro ou cinco cobertas grossas em cima de mim e mais uma toalha enrolada no rosto com sessões intervaladas até bater o peso, e sempre acompanhado de alguém me ajudando, pois poderia acontecer de baixar a pressão e desmaiar dentro da banheira e acabar morrendo afogado. E digo, o meu caso está longe de ser o mais radical, pois tem lutadores que ficam 48 horas em jejum total e fazem todo o processo acima citado; e há ainda casos de lutadores que fazem mais de 48 horas de jejum total e passam por esse processo todo, quem é do meio sabe. Não vou citar nomes, mas teve um atleta que pertencia a nossa equipe, um lutador de prestígio e renome internacional, e uma vez, quando faltavam apenas 24 horas para ele pesar, o camarada estava ainda com 15kg acima, mas conseguiu bater o peso certo no dia da pesagem; lutou, venceu, mas quase morreu no processo de corte de peso. Toda equipe tem um caso como esse ou parecido, e se não teve ainda vai ter, ou tem corriqueiramente, essa é a verdade. O que eu tenho a dizer sobre isso? É a necessidade de dinheiro(baixa renda do atleta), desejo de brilhar, vontade de estar mais forte ou maior do que o oponente, compromisso, etc… Mas vamos por partes. Meus amigos, é importante além da conta a pessoa fazer testes de corte de peso antes de se aventurar em algum “achismo”, estes testes são chamados cut tests, além de se informar também a respeito de tudo o que envolve o assunto de corte de peso para não ser pego de surpresa, e ter a supervisão de alguém experiente com um treinador qualificado e parceiros de treino que saibam de verdade o que está acontecendo para lhe passar a informação baseada na experiência correta, isso sem falar em um MÉDICO, por favor! Uma explicação rápida de como o lutador pode falecer nesse processo, uma pessoa pode ficar em média sem água ou líquidos de cinco a seis dias, dependo do organismo, é uma média, agora, imagine um lutador em fase final de preparação para lutar, com o seu metabolismo acelerado e ficando em jejum total de 48 horas, sem líquido e ainda na fase final desidratando mais ainda o seu corpo para perder peso? Se um corpo consegue suportar ficar sem água em uma média de cinco ou seis dias, e você está 48 dias em jejum total, somando a isto ter que suportar intensas temperaturas debaixo de casacos em uma sauna com calor infernal, você estará mais do que em débito de líquido no seu organismo, você está a beira da morte! Importante citar também que um atleta não é uma pessoa comum, ele tem um nível de tolerância física acima do normal. Um quadro comparativo bem fácil para entendermos isso é que, uma pessoa que faz apenas musculação tem um nível “X” de tolerância, já uma pessoa que faz musculação e Boxe, tem um nível maior de tolerância que o primeiro; agora, alguém que faz musculação, Jiu Jitsu e Boxe, tem um nível maior de tolerância física que os dois primeiros e assim sucessivamente. O nível de tolerância física também está relacionado a intensidade com que estas atividades são praticadas, juntas ou isoladas. Usei o exemplo anterior dos comparativos para mostrar o que acontece em nosso país onde muitos são apenas lutadores e não atletas, como o falecido Leandro. Qual a diferença entre os dois? O lutador é alguém que não vive a rotina de atleta, ou seja, lutar é um trabalho paralelo, e divide o trabalho que envolve a sua renda fixa com uma segunda jornada de treinos sem o descanso necessário. Esse lutador treina mas não de uma forma exatamente correta como deveria ser, não se alimentando também como deveria e possivelmente não suplementará de forma adequada, o que resulta em uma queda de imunidade e deixa o seu organismo mais suscetível a não conseguir tolerar temperaturas de calor extremo para obter a perda de peso em uma situação o qual necessite usar sauna ou banheira, e se tiver que perder muito peso poderá ir a óbito. E o atleta? Ele é totalmente o oposto do lutador, vive apenas de lutar, tem o devido acompanhamento e suporte necessário, descansa mais e acaba tendo o seu organismo mais tolerante a situações extremas, e muitas vezes acaba nem passando por perigos, pois tem um profissional que lhe oferece o suporte que necessita. Sei da realidade que muitos colegas de profissão passam por ainda não serem atletas, pois passei o mesmo em início de carreira, mas logo após certo sofrimento e desinformação tive a sorte(oportunidade + trabalho) de ter um médico que me proporcionasse o suporte que eu necessitava, aliado a isso o fato de eu ser curioso ao extremo para buscar informações com ele. Este médico possuía um excelente currículo no assunto para poder me acompanhar e orientar da forma correta, o que também não me poupou total falta de sofrimento, mas foi mais da metade do meu caminho adiantado com esse ajuda. Na maioria dos meus treinamentos pré luta eu treinava sempre com 75,kg. Em uma dessas oportunidades quando eu tive uma luta marcada, eu falei ao meu médico na rehidratação: “quero ficar grandão para lutar”. Lutei com 81kg, venci, não me faltou gás pois sempre me apresentei bem condicionado, mas estava lento e senti uma queda de rendimento, e isso me frustrou. Vejam bem, é um erro que muitos cometem pensando que, ficar “grandão” para lutar é sinônimo de lutar bem e que terão um desempenho fantástico baseado no seu tamanho, ledo engano. Vou citar outra experiência minha, uma vez eu estava treinando para uma luta internacional contra um Wrestler que era da categoria de 77kg, portanto, ele pesava em seu off acima dos 90kg e também era mais alto do que eu… e dessa vez, seria a primeira luta que o meu oponente faria abaixo desse peso, e nós lutaríamos em um peso combinado de 71, 500kg. Eu sei que, baseado nas minhas experiências anteriores, ele estaria no dia da luta com pelo menos 12kg a mais, ou seja, vamos contar com fato de que este cidadão não era um mutante como muitos que recuperam um peso absurdo(eu cheguei a recuperar no máximo 10kg em uma luta), e supostamente estaria no dia da luta com seus 82kg.

E como faria eu, que em fase de treinamento estava já com 75, 500kg? Fiz a melhor escolha da minha vida, como eu já havia estudado e me testado anteriormente, optei por falar com meu médico para ele fazer um soro que eu não ultrapassasse os 76kg(acreditem, um excelente profissional consegue fazer isso). Perdi um pouco de peso na banheira de forma tranqüila, e cheguei para lutar com 76kg. Levei um atraso no começo, mas consegui reverter e vencer por finalização no primeiro round. Ou seja, eu estava rápido e forte para agüentar o tranco, e se eu carregasse um peso extra que eu não tinha no meu período de treino pré luta, eu estaria em desvantagem na hora do combate, em poucas palavras, estaria mais lento e com certeza teria uma queda de rendimento, e qualquer kilo a mais nesse caso faria diferença e daria mais vantagem ao meu adversário. A verdade é esta, o que vai fazer você vencer é o seu treinamento, e não o tamanho do seu corpo, pois somos lutadores e não fisiculturistas, mas claro, faço uma ressalva para o atleta estar encaixado em uma categoria compatível com a sua altura, força… Mas o principal é o seu treino e o fator psicológico que ditarão o ritmo da sua vitória. E vale lembrar que um corpo gigantesco na hora da luta cansa mais rápido, em uma linguagem de maior entendimento seria muito músculo para carregar e sangue demais para bombar pra dentro do músculo, ou seja, o coração sofre um esforço triplo, e coitado deste órgão. Fisiculturistas são diferentes de lutadores, e os protocolos usados no fisiculturismo não se aplicam aos esportes de combate ou ao MMA, mas esse pensamento ainda persiste nos anais do nosso esporte. A musculatura do atleta de MMA tem que ser funcional, e não baseada na hipertrofia e retenção hídrica como presuposto de obter grande desempenho atlético em combate. Jon Jones é um fisiculturista? Ele é atlético, forte, ou seja, tem uma musculatura funcional. Força é diferente de volume muscular. Um conselho aos meus amigos que estão iniciando nesse esporte e que não dispõem de recursos, trabalhem duro, se esforcem ao máximo que os resultados desejados irão aparecer, seja em forma de suporte de especialistas para lhe acompanharem ou até financeiramente. Vamos usar um exemplo para motivar esta busca, lembrem do nosso campeão José Aldo que já chegou a dormir em chão de academia, mas persistiu, lutou, venceu e se consagrou, e hoje dispõe de todo o suporte necessário e MERECIDO!

A realidade que muitos passam em nosso país é triste ao extremo, e o que atinge os lutadores de MMA de norte a sul é a falta de incentivo, grana, a necessidade, ou seja, a FOME!

Aceitar uma luta a poucos dias do evento tendo que cortar uma quantidade de peso é difícil, complicado e prejudicial a saúde. Mas para alguns, não aceitar isso significa não botar comida na mesa, como o caso do lutador Leandro, que trabalhava de gari e tinha que varrer os seus medos para garantir o seu prato de comida com um rendimento extra lutando nos ringues; além disso soma-se também o seu desejo e vontade de brilhar em um evento de grande porte, de preferência no exterior, e com isso mudar de vida.

Me digam o seguinte, quem tem filhos dentro de casa e se encontra passando por dificuldades e sabe lutar ou pratica alguma luta levando jeito pro negócio não vai nem se importar com o tempo que terá para perder peso ou se isto será prejudicial a saúde, pois a fome é cruel e a nossa realidade também, e só quem já passou por isso sabe do que eu estou falando. Escrevi este texto acima não para apontar culpados ou denunciar erros, pois seu eu quisesse fazer isso, teríamos que ir mais a fundo e citar inúmeros fatores como a nossa política, problemas culturais e sociais, mas não estou aqui para isso. Meus sentimentos a família de Leandro, a sua namorada que carrega ainda a criança que se encontra em seu ventre como resultado do fruto desse amor extra ringue entre os dois; meus sentimentos também aos seus amigos, companheiros de treino e professores. E parabéns ao Shooto Brasil que tomou a atitude de cancelar o evento em respeito ao lutador Leandro e ainda irá pagar a bolsa de todos os atletas que lutariam no evento, atitude digna! Muito obrigado e fiquem com Deus, OSS!!!

Juliano Ninja.

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É ele era chato no TUF, ou foi a imagem que fizeram dele também.

Os princípios do cara não bateram com o técnico/equipe que ele tinha e acabou naquilo.

Texto muito bom!

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