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Chefe da equipe com dois cinturões do UFC e um do Bellator distribui atribuições à 'família' Nova União, mas também 'bota a mão na massa' mesmo lesionado

Por Adriano Albuquerque Rio de Janeiro

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Poucos treinadores podem dizer que já tiveram dois lutadores campeões do UFC, ainda mais ao mesmo tempo. O americano Greg Jackson treina Jon Jones e Georges St-Pierre, mas não é o técnico principal do segundo. O carioca Dedé Pederneiras é atualmente o único treinador brasileiro que detém dois cinturões da principal organização de MMA do mundo, os dois únicos que sobraram no Brasil após a recente derrota de Anderson Silva. O ex-lutador é o técnico principal de José Aldo, campeão dos pesos-penas, e Renan Barão, campeão interino dos pesos-galos. Além disso, tem na equipe o atual campeão peso-pena do Bellator, Eduardo Dantas, o atual campeão do The Ultimate Fighter Brasil, Léo Santos, e incontáveis talentos que já competiram ou competem em eventos internacionais, como Thales Leites, Francimar Bodão, Ronny Markes, Marlon Sandro, Hacran Dias, Johnny Eduardo, Ronys Torres, entre outros.

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Dedé Pederneiras carrega José Aldo nos ombros após sua última defesa de cinturão (Foto: Getty Images)

Essa, porém, não é sua única função. Dedé Pederneiras é empresário da maioria de seus atletas, dono de uma academia no Rio de Janeiro e ainda representante e organizador brasileiro do Shooto, uma das maiores e mais tradicionais companhias internacionais de MMA, além de pai de uma família com três filhos pequenos. Como ele consegue cuidar de tantas atribuições ao mesmo tempo e ainda ser bem sucedido na maioria delas?

A resposta está numa mistura de firmeza e disciplina, além da delegação de tarefas entre parentes, atletas e empregados, e na criação de um ambiente familiar - literalmente e figurativamente. Isso tudo sem deixar de "botar a mão na massa" - mesmo quando é preciso expor um corpo debilitado por lesões e muitos anos de luta e trabalho. O Combate.com acompanhou um dia na rotina de Dedé, pouco mais de uma semana antes do UFC Rio 4, em que seu aluno mais bem sucedido, José Aldo, vai defender seu cinturão contra o sul-coreano Chan Sung Jung.

Momento solitário, só pela manhã

É quarta-feira e são 8h da manhã. Dedé Pederneiras já está na academia para fazer fisioterapia. Uma sessão de jiu-jítsu com Léo Santos, dez dias antes da final do TUF Brasil, resultou no agravamento de três lesões nos ligamentos do joelho direito. Ele começou recentemente a fazer sessões de spinning para melhorar, mas, hoje, desistiu de fazer a aula por conta de dores na lombar.

- Detesto musculação. Hoje em dia, só faço a maromba para conseguir lidar com as lesões - ri Dedé, que acrescenta que provavelmente terá de operar o joelho em breve.

O técnico prefere o horário matinal para malhar por ser o horário em que a sala está mais vazia. Se chega mais tarde, mal consegue se exercitar, porque é parado toda hora por sócios da academia reclamando de equipamento, aulas, mensalidades, etc. Mesmo assim, em cerca de uma hora de exercícios, Dedé é cumprimentado por inúmeros professores e alunos. Para lidar com todos os problemas da academia - que, além de três unidades separadas por poucos metros no bairro do Flamengo, ainda realiza de 120 a 130 eventos anuais, incluindo excursões turísticas, fins de semana de atividades esportivas, colônias de férias, entre outros - ele conta com sócios e uma estrutura familiar. Sua mãe cuida do departamento financeiro. A esposa é diretora de fisioterapia.

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Dedé acompanha a aula de submission ministrada por Pirata na academia (Foto: Adriano Albuquerque)

Às 9h, é hora da primeira de duas aulas de jiu-jítsu que Dedé ministra, às segundas, quartas e sextas. Nesta manhã, ele deixa Pirata, técnico da seleção brasileira masculina de luta olímpica, tomar as rédeas da classe, mas também opina e vai para o meio quando julga necessário. Por se tratar das últimas semanas de treino para as lutas de 20 dos 35 alunos presentes, a aula é sem quimono.

Você não leu errado: são 20 atletas com luta marcada, seja no UFC, Bellator, Shooto, Wocs, Jungle Fight, etc. São quase 50 lutadores treinando com o time. Ninguém teria condições de, sozinho, traçar estratégias e acompanhar o desenvolvimento de todos esses atletas juntos. Por isso, Dedé faz todo o planejamento em grupo. Quando o card de um evento é fechado, ele junta seu grupo de confiança, que consiste dos professores e treinadores da academia e dos lutadores mais antigos da equipe, como Aldo, Marlon, Léo Santos, entre outros, e analisa os vídeos dos adversários em conjunto para desenhar o plano de jogo. Cada treinador fica responsável por acompanhar o progresso de um grupo de atletas, com Dedé como supervisor. Ele não para de ver o scout dos adversários por todo o camp. No caso das lutas do UFC, recebe vídeos cortados com as principais características de cada oponente, divididos em categorias.

- Vejo um milhão de vezes. Todo dia eu chego de manhã e dou uma olhada. Às vezes, almoço, estou de bobeira e assisto de novo - conta Dedé.

Joelho, pra que te quero!

A quarta-feira é de chuva no Rio de Janeiro e a atividade programada para o dia, de treinos na escadaria e na rampa de um morro vizinho, teve de ser transferida para dentro da academia - o piso estaria muito escorregadio na rua. Com isso, os 20 lutadores em estágio de preparação, incluindo José Aldo, Thales Leites, Jussier Formiga e Renan Barão, passam a uma pequena sala de cerca de 40m² dentro da academia. Agora, o grupo terá de se alternar entre a esteira - ajustada para simular subida - e treinos de manopla e esgrima. A cada dois minutos, os grupos trocam de lugar.

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Dedé Perderneiras segura manopla para José Aldo durante atividade (Foto: Adriano Albuquerque)

O ritmo se intensifica a cada turno, mas Dedé não se omite: faz manopla e absorve golpes duros de diversos lutadores, incluindo o peso-médio Thales Leites. Quando é hora da esgrima, o veterano de 46 anos encara o peso-leve Valmir "Bidu" Lázaro, de 27, e o peso-mosca Formiga, de 28. Os demais treinadores provocam os lutadores: "Não vai deixar o velhinho te cinturar!" Bidu leva Dedé três passos para trás e o sofrimento do treinador, principalmente no joelho, é visível. Mas ele segue até o final da atividade, com mais gás até do que alguns de seus atletas.

Fim de treino às 11h, Dedé vai para seu escritório, onde começa a pior parte de seu dia: a de resolver os "pepinos" da equipe, da academia, do Shooto, da família. Nesta quarta, o primeiro que entra na sala é um representante de um dos patrocinadores de José Aldo, que quer gravar um depoimento em vídeo com o atleta para uma ação de marketing. Dedé libera e inclusive empresta uma das câmeras da academia. Depois, é a vez de Felipe Mineiro, peso-galo que luta nesta sexta-feira no Wocs. Dedé traça o planejamento de corte de peso num pedaço de papel e explica exatamente o que o atleta precisa comer e beber em cada dia para bater o peso na pesagem de quinta-feira.

Aldo também passa alguns minutos no escritório. Mais do que muitos outros atletas da equipe, ele requere acompanhamento de perto para que mantenha-se dentro do planejamento. Dedé se preocupa porque o campeão perde peso com facilidade e já está abaixo da marca que deveria estar naquele momento, então o incentiva, cobra com firmeza, mas sem perder a calma, que ele coma mais e tome seus suplementos. O peso-leve Felipe Olivieri é o último a entrar na sala e pede ajuda para trocar um cheque em dólar, além de pedir um suplemento específico para recuperação de articulações, que a academia recebe gratuitamente de uma marca de suplementação.

Dedé para; o mundo, não

Ao final da manhã, ainda há inúmeros problemas para cuidar, mas Dedé Pederneiras vai para casa almoçar com a família. Sua casa fica a menos de 15 minutos a pé da academia, mas o treinador vai de carro assim mesmo. A imprevisibilidade de sua rotina pode exigir que ele tenha de ir aos mais diversos lugares para resolver problemas de seus múltiplos empreendimentos. Hoje, Dedé precisa ir à Tijuca, onde finaliza a compra de uma van para transportar equipamentos da academia, e à Barra da Tijuca para uma consulta médica, que vai impedí-lo de lecionar a aula de jiu-jítsu da tarde.

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Dedé Pederneiras na mesa com os filhos André e Caíque (Foto: Adriano Albuquerque)

Ao chegar em casa, Dedé encontra a esposa, Daniela, e os filhos André, de sete anos de idade, e Caíque, de cinco. O técnico dá lugar ao pai, que se senta à mesa e ajuda a mulher na tentativa de disciplinar as crianças. O telefone e o rádio, porém, não param de tocar. Só pela manhã, num espaço de quatro horas, foram 13 ligações atendidas e 11 perdidas, sem contar as mensagens. Durante o almoço, ele nem olha para os aparelhos apitando - apenas quando é para tirar das mãos dos meninos para que eles se concentrem na refeição.

André e Caíque o vêem como um super-herói. Para motivá-los a comer, Dedé usa um velho recurso de pais experientes: joga "queda de braço" com cada um e só os deixa vencer se "limparem" o prato. Outro prêmio é jogar videogame com o pai após o almoço. O caçula, Matheus, de um ano e oito meses, acorda para se juntar à bagunça, mesmo sem entender o que está acontecendo. Dedé joga um pouco, mas logo não tem mais condições de ignorar as chamadas. É hora de voltar à labuta.

Igualdade, o segredo da união

No caminho à academia, Dedé resolve, por telefone, alguns problemas relacionados ao Shooto, cuja edição anual na sede do Bope está programada para o próximo dia 25 de agosto. Como organizador, ele cuida do casamento de lutas e também de toda a logística do evento. Tantas ligações, entre os compromissos de treinador, empresário, promotor e homem de família, resultam numa conta mensal de cerca de R$ 2.500.

Ele também passa na loja de suplementos alimentares que mantém numa galeria próxima, para conferir a venda de camisas de José Aldo, e num restaurante que patrocina seus eventos e lutadores para conferir se um dos atletas pagou a cota mensal. O acordo é que os lutadores que não recebem patrocínio pagam apenas R$ 300 por mês, cerca de R$ 10 ao dia, e podem fazer todas as refeições por lá. A uma quadra de distância, está o apartamento em que moram vários dos atletas da Nova União. O apê era a casa de Dedé antes de se mudar, e passou a abrigar dezenas de lutadores que anteriormente dormiam na própria academia para se manter no Rio. Quatro dividem um quarto, três dividem outro. Alguns ficam pela sala. Renan Barão montou uma beliche no quartinho para acomodar um amigo do Rio Grande do Norte. Eles pagam R$ 300 de aluguel e podem focar no treino.

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Dedé em seu escritório: conta mensal de telefone bate na casa de R$ 2.500 (Foto: Adriano Albuquerque)

Nada disso garante a lealdade do grupo. O que mantém a Nova União fechada é a confiança de Dedé em cada um dos lutadores e treinadores mais antigos da equipe. Nesta quarta, uma situação comum no meio é tópico de discussão: dois novatos, trazidos por um dos atletas mais antigos, tiveram problemas com o próprio lutador que abriu as portas da academia para eles, mas querem continuar. Dedé recomenda que os três se acertem entre si, e debate o problema com cada membro do seu grupo forte. Todos votam. Segundo o treinador, 70% das vezes, novatos problemáticos são vetados, mesmo quando ele é a favor da permanência.

- Ninguém chega a lugar nenhum sozinho. Sempre ajudamos um ao outro. Acho justo todas as pessoas mais antigas participarem. Se a Nova União tem hoje o nome que tem, não é só porque o Aldo hoje é o campeão. Outras pessoas antes do Aldo fizeram parte da academia, especialmente na parte do jiu-jítsu, e contribuíram para isso. As pessoas antigas que treinam aqui dentro, e o Aldo é uma delas, estão sempre opinando e vendo como vamos tratar os assuntos que aparecem. O peso delas é igual ao meu. Tenho um voto e todo mundo tem um voto. A única diferença é que eu sou o relator do processo. Trago uma situação, relato o que está acontecendo, mas, na hora de julgar, meu voto como relator é igual ao de todos. E uma decisão é tomada, independentemente de ser minha vontade ou não. A vontade do grupo prevalece. Não adianta trazer uma pessoa que o grupo não queira e que venha me dar trabalho mais tarde com um grupo que tenho unido - explica.

Não há tempo para resolver a questão nesta quarta. Dedé tem que lidar com patrocinadores cujos pagamentos estão atrasados, com posicionamentos de equipes e marcas, com a divulgação do Shooto, e ainda com os exames médicos na Barra. A ida à Tijuca é adiada para outro dia. Mas sem estresse: tudo será resolvido no momento certo.

- Eu consigo lidar com tanta coisa porque consigo deixar um problema em cada lugar. É tanta coisa para resolver, que eu passo de um ao outro e já paro de pensar no anterior para me concentrar no atual. Depois, eu volto no anterior. Consigo separar bem essas coisas - dá a receita.

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Fonte: SporTV Combate

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