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Medicine 101


AlvinhoRJ

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a maioria das mulheres vaidosas tomam 3 banhos por dia e se entopem de cremes HAEUHAEUHUEAHUEA

eu não sou vaidosa, mas tomo 2, um qdo acordo e outro depois do treino

mas só lavo o cabelo depois do treino

detesto passar creme hahahah nem condicionador eu passo as vezes pra vc ter uma ideia

mas 3 banhos é muuuito exagero

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  • 2 semanas depois...

Caso 9

Terça-feira na Dermatologia, estávamos eu e meus colegas apreensivos dentro do consultório aguardando a chegada de um paciente que, todos nós sabíamos, se encontrava num estado gravíssimo. Sabíamos porque, antes de entrar no consultório, reparamos lá longe no fim do corredor que havia algo muito errado com um dos pacientes, e que ele não estava nada bem. O que poderia ser tão grave assim na Dermato?

Ao abrir a porta, primeiro chegou a mãe, e logo em seguida o filho, Daniel. Daniel tem 12 anos, mora em Ouro Branco - MG. Entrou vagarosamente, descalço, na ponta dos pés, joelhos levemente fletidos, com os braços juntos ao corpo, postura curvada, cabisbaixo, tremendo. Com a chegada de Daniel sentimos um cheiro forte de secreções e sangue. O que já era um silêncio se transformou num silêncio angustiante.

Daniel se encontrava extremamente debilitado. Seu estado geral era péssimo. Apresentava lesões por TODO o corpo, do calcanhar até a pálpebra dos olhos, sem NENHUMA área de pele saudável (com exceção da palma das mãos e planta dos pés). Enfim, mais de 90% de seu corpo estava com lesões vermelhas (eritematosas), descamadas, com secreções e sangrentas. Daniel usava uma camisa branca, molhada e com manchas amarelas e vermelhas nas áreas em contato com a pele devido às secreções e sangue. É difícil achar uma foto no Google que retrate a gravidade do estado da pele de Daniel. Creio que esta foto seja a mais precisa:

f4large.jpg

Visualmente, Daniel aparentava ser um Grande Queimado. Porém, como veremos a seguir, não é o caso. Daniel, durante toda a consulta, não se moveu e não falou uma palavra. As lesões são extremamente dolorosas. Ele está assim há 4 meses (antes disso não apresentava nenhuma lesão). As lesões começaram no tronco, e se espalharam pelos braços, pescoço, pernas e rosto. No início, eram lesões pequenas, e coçavam intensamente. Com o tempo, as lesões passaram a se ulcerar e dar a sensação de queimação. Daniel nem sempre toma banho. Contato com a água é muito doloroso. Sabão então, arde demais. A sensação que Daniel tem é que ele está sendo queimado. Por esses motivos, Daniel não sai de casa e obviamente não voltou às aulas.

Daniel não se acidentou, não sofreu maus tratos, nem tem deficiências nutricionais. Daniel é vítima de uma doença autoimune de componente genético, desencadeada pela picada de um tipo de mosquito infectado por um tipo de vírus. Com o aspecto das lesões, clínca e laudo imuno-histoquímico, o diagnóstico foi dado: Pênfigo Foliáceo. É uma doença sem cura, com tratamento demorado a base de corticóides.

Pênfigo Foliáceo Endêmico, também conhecido como Fogo Selvagem (ou Pênfigo Foliáceo Brasileiro), é uma doença de pele autoimune caracterizada pela perda de adesão entre queratinócitos (células da pele) da camada superior da epiderme, resultando na formação de bolhas superficiais. Quando o sistema imune desses pacientes reconhece um antígeno específico de um vírus específico (uma das hipóteses aceitas), ocorre no sistema imune uma reação cruzada de produção de anticorpos entre o antígeno viral e uma proteína de adesão celular chamada desmogleína-1, o que culmina na produção de anticorpos contra essas proteínas do corpo, que são expressas principalmente na camada granulosa da epiderme (ver imagem).

desmossomos.jpg

Essa proteína está presente em organelas denominadas desmossomos, essenciais para a coesão intercelular. Com essa perda de adesão ocorre um processo chamado acantólise, quando a camada córnea e subcórnea da pele se descama, deixando expostas células da camada granulosa e gerando lesões bolhosas por toda a pele, que se transformam em erosões (exceto palma das mãos, planta dos pés e mucosas, que não expressam essa proteína). Essas lesões podem persistir por anos. Veja na lâmina a camada superior da pele se descolando das mais inferiores:

29897921.jpg

Os grandes perigos para portadores dessa doença são os mesmos que de pacientes queimados: desidratação e infecções, porque com a perda dessas camadas externas da pele, perde-se uma barreira imunológica inespecífica muito importante, assim como facilita-se a saída de água devido à perda da camada impermeável de queratina. Além disso, perde-se também a capacidade da pele de isolante térmico. Dessa forma, esses pacientes sentem muito frio, razão pela qual Daniel tremia o tempo todo.

Daniel não usava sapatos nem chinelos, pois contato com o dorso do pé era muito doloroso (só a planta do pé estava normal). Ele anda com joelhos e braços levemente fletidos e com postura curvada pois esticar a pele dói. Evita se mover porque dói, assim como dói para falar.

O tratamento indicado foi corticoides em doses imunosupressoras, tratamento complicado que tem muitos efeitos colaterais (acúmulo de gordura, perda de massa muscular, imunidade baixa, resistência à insulina e indução de Diabetes Mellitus tipo 2, etc). O objetivo era a interrupção da atividade das lesões com o passar do tempo, com posterior remissão das lesões. Daniel será acompanhado semanalmente pela equipe de dermatologia, e naquele mesmo dia teria outra consulta com um médico residente em dermatologia.

Um detalhe: Daniel conseguiu encaminhamento relativamente rápido, pois um estudante de medicina de sua cidade, comovido, o levou a um pediatra conhecido, que por sua vez tinha contato com um dos médicos da área de dermatologia. Se Daniel dependesse apenas do Sistema de Saúde, seu sofrimento provavelmente demoraria muito mais tempo.

Após a consulta desse mesmo dia, Daniel retornou à sua cidade de ambulância (a mesma que o havia trasportado até a capital).

Acompanhando aqui e no aguardo deste caso, está fazendo o curso em que universidade?

Opa, valeu! Faço na UFMG.

no aguardo e curioso!

Tá postado!

Editado por Taels
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