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Pedro Bastos, mestrando em nutrição e dietética, faz parte da "bancada" do não.

Contrapõe os especialistas que atribuem ao leite o título de
super-alimento e os estudos que lhe garantem benefícios na osteoporose,
no cancro, na saúde cardiovascular e diabetes.
Ponto por ponto,
explicou por que não nos faz falta o leite numa das palestras mais
polémicas do III Congresso Internacional de Nutrição Clínica Funcional,
Brasil.


Beber leite é um hábito moderno
Após a
amamentação, nenhum mamífero consome leite (e muito menos de outra
espécie). Este padrão também foi seguido, durante 2,5 milhões de anos,
pelos vários hominídeos (incluindo o homo sapiens) que habitaram a
terra. Só após a revolução agrícola (há cerca de 10.000 anos), através
da domesticação dos animais, é que o consumo de lacticínios se tornou
possível. O leite é, assim, um alimento relativamente recente na
alimentação do ser humano (cujo genoma não sofreu alterações
significativas nos últimos 10.000 anos), o que explica porque é que
cerca de 70% da população adulta mundial apresenta intolerância à
lactose (dificuldade/impossibilidade de digerir o açúcar do leite, que
causa diversos efeitos adversos de ordem gastrointestinal – como
flatulência, diarreia, dor e desconforto abdominais).

Efeitos do leite na saúde

Lacticínios, como leite, iogurte e queijo fresco, apesar de possuírem
um Índice Glicémico (IG) baixo (não provocam um aumento pronunciadoda
glicemia), aumentam muito a libertação de insulina pelo pâncreas, o que,
a longo prazo, pode causar resistência à insulina, que está na origem
de várias patologias/problemas de saúde e/ou fenómenos fisiológicos,
como síndrome metabólica (inclui diabetes tipo 2, hipertensão,
dislipidemia, obesidade abdominal e estado pró-trombótico), síndrome do
ovário poliquístico, alguns cancros (próstata, mama e cólon), miopia,
acne (foi associado em dois estudos epidemiológicos ao consumo de
lacticínios), aumento da estatura (diversos estudos mostram o papel dos
lacticínios) e diminuição da idade da menarca/puberdade.

As diferenças entre leite materno e bovino

É preciso realçar o que os nutricionistas e pediatras há muito sabem:
as características nutricionais do leite materno e do leite bovino são
diferentes e a amamentação deve ser mantida até que a criança tenha,
pelo menos, um ano (em sociedades de caçadores recolectores, a
amamentação varia entre dois a quatro anos).

As culpas da Beta-Celulina, um composto do leite

Existem estudos epidemiológicos e experimentais a associar o consumo de
lacticínios a alguns cancros (a evidência é mais forte para ovários,
testículos e próstata), à doença de Parkinson e à aterosclerose. Os
motivos podem estar relacionados com o fenómeno da insulina atrás
descrito e com alguns componentes do leite, designadamente a galactose, o
cálcio e a beta-celulina (BTC), que foi descoberta recentemente. A BTC é
um factor de crescimento presente em todos os leites, que sobrevive à
pasteurização, processamento (sendo também encontrada no queijo) e
processo digestivo e tem a capacidade de entrar na circulação e ligar-se
a um receptor (EGFR) que existe em diversas células epiteliais e
aumentar a sinalização desse receptor, o que vai dar origem a uma série
de fenómenos dentro das mesmas. No caso de diversos cancros (mama,
cólon, próstata, ovários, pulmões, pâncreas, bexiga, estômago, cabeça e
pescoço), sabe-se que há um aumento do número de EGFR e da sinalização
dos mesmos e que existem já ensaios clínicos de fase II para fármacos
que bloqueiam o receptor e a sua sinalização. Apesar de ainda não terem
sido realizados estudos sobre leite, BTC e cancro em humanos, pensa-se
conhecer o mecanismo e existem estudos epidemiológicos que ligam o
consumo de lacticínios a alguns destes cancros (próstata, ovários,
pulmões, estômago e pâncreas).

Leite e Osteoporose: magnésio é um mineral esquecido

Culturalmente, o leite é tido como um alimento perfeito, por conter
proteínas de alto valor biológico e cálcio, que é defendido como a
melhor arma contra a osteoporose, o que não é totalmente verdade. É
importante esclarecer que o cálcio é apenas um dos nutrientes
necessários para a prevenção da osteoporose. Se existir um desequilíbrio
entre o cálcio e os outros nutrientes (por défice de ingestão dos
mesmos e/ou excesso de ingestão de cálcio), pode até ocorrer
desmineralização óssea. Um desses nutrientes é o magnésio, cuja
deficiência (que pode ser causada por um consumo elevado de cálcio) pode
causar diminuição da densidade mineral óssea e aumentar o risco de
fracturas. O rácio cálcio/magnésio ideal varia entre 1/1 e 2/1, ao passo
que o rácio cálcio/magnésio no leite e derivados é superior a 10/1.

Congresso Nutricional Funcional

A Nutrição Funcional foi desenvolvida pelos nutricionistas Gabriel de
Carvalho e Valéria Paschoal, a partir do conceito de medicina funcional
criado pelo Institute for Functional Medicine, existindo actualmente
cursos de especialização e de pós graduação em nutrição funcional em
várias universidades brasileiras.
Pedro Bastos, mestrando em
nutrição e dietética e coordenador do curso de nutrição do CEF (Centro
de Estudos Fitness) foi um dos dois portugueses convidados, juntamente
com Ângelo Lucas, Do., DHom, do Instituto Bioterapia Ângelo Lucas, para o
III Congresso Internacional de Nutrição Clínica Funcional, bem como do
II Congresso Brasileiro de Nutrição Desportiva Funcional, que decorreram
em São Paulo, Brasil, nos passados dias 27 e 28 de Julho. Para além dos
"Efeitos do leite na individualidade bioquímica", foram debatidos temas
como Avaliação Laboratorial Funcional, o papel da Nutrição na Estética e
na Dermatologia, nas doenças de Alzheimer e Parkinson e na
Fibromialgia, ao papel da Nutrigenômica na Performance Desportiva e na
modulação do sistema imunitário em atletas.
Dieta do paleolítico sem leite

Se tal não basta para desmistificar a ligação entre leite, cálcio e
osteoporose, olhemos para os registos fósseis, que indicam que os nossos
antepassados do Paleolítico, apesar de não beberem leite após a
amamentação, apresentavam uma densidade mineral óssea igual ou superior à
de actuais adultos saudáveis e activos, o que, provavelmente, se devia à
exposição solar (que permite a síntese de vitamina D), ao trabalho
físico regular e intenso (o exercício, em especial o treino de força, é
essencial para manter a saúde óssea) e ao consumo elevado de vegetais.

Se não beber leite, como posso obter cálcio?

Ao contrário do que se pensa, é possível obter quantidades adequadas de
cálcio sem recorrer aos lacticínios. Os vegetais, como os brócolos e
couves, também contêm cálcio, e apresentam uma taxa de absorção deste
mineral semelhante à dos lacticínios. Apesar de grama por grama, os
lacticínios conterem mais cálcio que os vegetais indicados, estes contêm
um rácio cálcio/magnésio entre 2/1 e 3/1, além de vitamina K (outro
nutriente importante na manutenção da saúde óssea) e potássio (que é o
principal precursor de bicarbonato, que demonstrou em estudos de
intervenção de curto e longo prazo diminuir a excreção de cálcio e
melhorar o metabolismo ósseo). Além disso, um estudo epidemiológico de
12 anos realizado pela Universidade de Harvard com mais de 77 mil
mulheres verificou que a ingestão de dois ou mais copos de leite por dia
estava associado a maior incidência de fracturas nestas mulheres.

Pelo contrário, o consumo elevado de vegetais, além de todos os
benefícios já conhecidos pelo público, está associado a uma maior
densidade mineral óssea e menor incidência de fracturas.

E quem não vive sem leite?

Com base na minha análise, não considero o leite de outra espécie um
alimento adequado ao ser humano. No entanto, obviamente que indivíduos
que não sofram de nenhuma das patologias associadas ao consumo de leite e
derivados (nem tenham risco de as desenvolver) e sigam um estilo de
vida saudável (exercício moderado regular e dieta e sono adequados)
poderão consumir pequenas quantidades de lacticínios fermentados de
agricultura biológica, desde que tal não produza reacções adversas.
Walter Willett da Harvard School of Public Health recomenda que não se
exceda um copo de leite por dia. Do mesmo modo, atletas também poderão
beneficiar da utilização (em especial após o treino) de um suplemento
que contenha proteínas isoladas do soro de leite (extraídas por membrana
de fluxo cruzado com valores de corte entre 3 e 30 kiloDaltons), se tal
não causar efeitos indesejáveis.

Reacções alérgicas / doenças auto-imunes

Refira-se, também, que em pessoas geneticamente predispostas, algumas
proteínas do leite bovino (e também ovino e caprino) podem causar
reacções alérgicas e doenças auto-imunes (por exemplo diabetes tipo 1,
esclerose múltipla, artrite reumatóide e doença de Crohn).

"Revista Performance" Nº 70

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