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POSSO AQUECER MEU WHEY? Primeiro de tudo vamos falar sobre as proteínas. Proteínas são polímeros de aminoácidos, ou seja, macromoléculas (moléculas grandes) formadas por estruturas menores, que no caso são os aminoácidos. Os aminoácidos vão se ligando um ao outro e formando uma estrutura maior, a proteína (não vou ficar falando muito afundo nomenclaturas como dipeptídeo, tripeptídeo, etc..). A proteína na sua forma funcional não é apenas a ligação entre um aminoácido ao outro. Gosto de usar a analogia de uma corrente. Imagina um elo de corrente, vai se ligando um elo ao outro e fazendo uma fileira, é o que acontece com os aminoácidos, um vai se ligando ao outro como elos de uma corrente, e é difícil separar um elo do outro depois, não é?! É assim com os aminoácidos também, eles são unidos por ligações peptídicas, ou seja, ligações fortes. Essa primeira fase tem um nome, é chamada de estrutura primária, é apenas a ligação entre os aminoácidos. A partir daí essa estrutura começa a passar por modificações para que chegue à sua forma ativa. Ela sofre uma torção por conta da interação entre as cadeias laterais entre aminoácidos próximos um do outro, e assume uma forma chamada de estrutura secundária, parecida com um espiral. Mais uma vez sofre modificação, mas agora por conta da aproximação das cadeias laterais distantes, e acontece um enovelamento tridimensional dessa estrutura, como se pegasse a corrente e enrolasse, formando assim a estrutura terciária. Aqui muitas proteínas já estão na sua forma funcional e prontas para desenvolver seu papel, outras ainda só assumirão na estrutura quaternária. Algumas proteínas só assumem sua forma funcional quando assumem a estrutura quaternária, que é a grosso modo, duas ou mais estruturas terciárias ligadas uma a outra por ligações não covalentes. Precisa saber tudo isso? Sim e não. Depende de quem está lendo, se você quer entender um pouco melhor como funciona a parada toda é bom dar essa pincelada bem por cima nas estruturas das proteínas. Se você só quer saber se pode ou não aquecer seu whey, ai não precisa saber, mas informação nunca é demais. Quando aquecemos uma proteína o que acontece com ela? Ela é desnaturada, ou seja, ela vai fazendo o caminho inverso que fez para assumir sua forma funcional: quaternária > terciária > secundária > primária. Quando você aquece uma proteína antes de comer você está facilitando um pouco o trabalho do sistema digestório, já que nós também desnaturamos as proteínas, mas através do pH. Bom, até agora eu não respondi à pergunta lá de cima: posso aquecer meu whey? É aqui que a coisa começa a complicar um pouco. Vou tentar falar de uma forma simples, mas já vou avisando que por mais que eu resuma e simplifique, vai ter muito blablabla, termos, reações, nomes complicados, então se só está interessado em saber a resposta e não quer saber como chegar nela, então já pula para o final. Let’s go. Porque o título desse texto diz “Posso aquecer meu Whey”? Primeiro porque é chamativo, e segundo porque há algumas hipóteses que dizem não ser benéfico o aquecimento por causa de perda nutricional e segundo por conta da formação de AGE’s. Mas será que é isso mesmo e será que são quantidades significativas? Primeiro, quais os macro nutrientes do whey? Peguei a tabela de um aqui (growth), mas pode variar para mais ou para menos dependendo do fabricante, a sua forma (isolado, concentrado, hidrolisado) e também se é só farinha como muitos. Valor energético 114Kcal/477Kj 5 Carboidratos 4,5g 3 Proteínas 24g 32 Gorduras totais 0g 0 Por hora é isso que precisa saber, agora vamos complicar mais. Quando você deixa uma banana em cima da fruteira por uma semana ela escurece, certo?! Isso se deve por meio de reações enzimáticas que não vamos entrar em detalhes aqui, e isso é normal. Mas existem outras reações de escurecimento que não dependem de enzimas, e uma dessas reações se chama: reação de Maillard. O que é essa reação de Maillard? É uma reação de escurecimento não enzimática que altera cor, sabor e odor. Ela confere uma coloração amarronzada, e é muito usada na indústria alimentícia no preparo de muitos alimentos. Para ilustrar para vocês, aqui nós temos a reação de Maillard: Essa coloração é por conta dessa reação de Maillard. Agora que já sabemos o que é, vamos falar mais sobre ela. Se procurar sobre ela vai achar escrito em muitos lugares que é uma reação que acontece entre um açúcar redutor e um aminoácido. Não está errado, mas também não está de todo certo, porque é uma reação que acontece entre um grupamento carbonila e o grupamento amina do aminoácido, não é obrigatoriamente a partir de um açúcar redutor, esse grupamento carbonila pode vir de um lipídio oxidado, vitamina e até mesmo, em alguns casos, do próprio aminoácido. Como na maioria dos estudos, artigos, apostilas que falam sobre o assunto, e também por ser mais comum, vamos falar dessa reação entre um açúcar redutor e um aminoácido. Alguns açúcares são mais reativos que outros, a glicose é muito reativa seguida da frutose. Entre os aminoácidos também há os mais reativos, sendo a lisina o aminoácido mais reativo de todos, cerca de 2~3x mais que outros, seguido pelos aminoácidos básicos como a arginina, fenilalanina, leucina e outros. O pH também influencia, um pH em torno de 6~7 faz com que a reação ocorra em uma maior velocidade. Para tentar ficar um pouco mais fácil de visualizar essa reação vamos supor que você quer preparar uma calda de caramelo. Você põe a panela no fogo, joga o açúcar e mexe, em instantes o açúcar que era um pó se torna uma calda caramelo. Essa reação se dá com o açúcar e se chama reação de caramelização, a reação de Maillard é quando acontece isso, mas com aminoácidos e um açúcar (ou grupamento carbonila). Agora começa a ficar mais embaçado porque essa reação de Maillard é uma das reações mais complexas envolvendo alimentos. É uma reação tão complexa que ainda não está totalmente esclarecida mesmo sendo estudada a mais de 100 anos. Acontece em 3 estágios que podem seguir diversas rotas, e por isso não vou entrar muito em detalhes senão isso aqui vai ficar muito grande. O que nos interessa, por hora, nessa reação são 2 pontos: formação de AGE’s e comprometimento de aminoácidos. Vamos começar com os AGE’s que vem do inglês advanced glycation end-products e traduzido fica: produtos finais de glicação avançada. São substâncias tóxicas, altamente oxidantes que ocorrem naturalmente no nosso corpo por conta de nosso metabolismo, e o problema é quando são produzidos em excesso, mas não trataremos aqui da produção endógena. GE’s também vem pela alimentação, e é aqui que queremos focar um pouco mais. O principal fator que promove a formação de AGE’s na alimentação é a exposição ao calor. Quanto maior a temperatura, maior o número desses produtos. Mas é muito difícil mensurar, porque existem muitos fatores que podem influenciar na formação de AGE’s, como: pH, temperatura, tempo, umidade, tipo de aminoácido, tipo de grupamento amina, etc. Os AGE’s podem causar vários problemas. Quando falei sobre colesterol, disse que o maior problema são as partículas LDL oxidadas, e adivinhem quem oxida? Sim, os AGE’s são responsáveis pela oxidação dessa partícula, tanto que diabéticos possuem níveis elevados de AGE’s, e consequentemente a oxidação de LDL é mais fácil de acontecer e entre diabéticos temos grandes índices de doenças aterogênicas. Eles também aumentam o estresse oxidativo, alterações morfofuncionais e também é pró inflamatório. Então nós ingerimos muitos alimentos com AGE’s, porque são formados durante o preparo, armazenamento ou até mesmo já é característico do alimento. Ok, ingerimos, mas é absorvido totalmente? Até um tempo atrás acreditava-se que os AGE’s não eram absorvidos, mas estudos são feitos todos os anos e a literatura viu que não é bem assim. Nós absorvemos cerca de 10~20% dos AGE’s que ingerimos. Dessa porcentagem que absorvemos, nós excretamos cerca de um terço, ou seja, como nossa afastada presidentA diria, 30% de !0% que não são 30%, na verdade são cerca de 6,3% que nós, de fato, retemos no nosso organismo. Não precisa ficar desesperado achando que vai morrer por causa desses AGE’s, nós temos sistemas especializados na eliminação deles. Como disse acima, o problema é quando estão em grande quantidade. Agora vamos falar sobre o segundo assunto, que é a perda nutricional. Bom, acho que fica fácil visualizar isso: se nós temos uma reação (Maillard) que usa, por exemplo, açúcar e aminoácidos e os transforma em outros compostos, fica fácil entender que aqueles aminoácidos viraram outra coisa e então a quantidade de proteínas do alimento vai diminuir um pouco. Uma parte do AGE já foi um aminoácido, mas que por conta de reações passa por transformações e se transforma em outro. Mas e ai? Se eu quiser fazer um bolinho com meu whey, vou perder todas as proteínas? Vai virar tudo AGE’s ou outros compostos? Hum, calma, calma.. Em um experimento onde foi incubada a albumina do ovo e glicose em uma temperatura de 37ºC, umidade relativa de 76% por 35 dias. Houve perda, principalmente, de lisina e arginina, e essa perda chegou a 90% e 66%, respectivamente. Mas o tempo foi grande, durou mais de 1 mês. Os aminoácidos que mais reagem são os que mais sofrem perda, e desses a lisina é a principal devido à sua estrutura química. Mas como no exemplo acima, mesmo depois de 35 dias, ela não foi totalmente degradada, ainda sobraram cerca de 10%. A proporção da reação é de 1:1 para aminoácidos e açúcares (ou outros reativos). Então voltando à tabela nutricional lá do começo, nós temos 24g de proteínas e 4,5g de carboidratos. Vamos supor em uma situação muito extremista, com todas as variáveis favoráveis à reação de Maillard que todos os carboidratos reajam com as proteínas, nós vamos ter uma perda de 4,5g de proteínas, ao final teríamos ainda 19,5g de proteínas. Mas isso falando de situação muito extrema, não acontece de todos os açúcares reagirem com todos os aminoácidos. Note que lá no começo nós falamos sobre as proteínas, que são formadas por aminoácidos, certo? Uma proteína pode ter os 20 aminoácidos em sua composição, então quando há essa degradação dos aminoácido na reação de Maillard, nós não estamos falando da degradação da proteína, e sim de aminoácidos. Em uma proteína com 200 aminoácidos nós podemos ter 5 moléculas de lisina (mais reativo), Nem todos os aminoácidos vão reagir na mesma velocidade e da mesma forma, cada um vai se comportar de uma forma. Além dessa destruição nos aminoácidos, a reação de Maillard pode provocar também uma diminuição na biodisponibilidade dos aminoácidos através da diminuição da digestibilidade da proteína, bloqueamento do aminoácido e a formação de ligações cruzadas entre cadeias peptídicas. Não vou entrar em detalhes sobre cada uma dessas etapas para não me estender muito. Embora haja essa perda nutricional, ela não é tão acentuada assim, não é nada tão preocupante. Mas é difícil mensurar a perda proteica dos alimentos, como falei mais acima, são muitos fatores que influenciam. O problema é que a literatura é um tanto quanto escassa quando se diz a respeito da perda nutricional, então não tenho muitos valores para colocar para vocês terem uma ideia melhor da perda, mas ela não é muito acentuada. O que pode ser feito para amenizar essa reação é usar temperaturas mais baixas e por menos tempo, ou seja, carne mal passada. Brincadeira, mas é mais ou menos por ai, quanto mais tempo tempo deixar exposto a altas temperaturas, mais o alimento vai sofrer uma leve perda nutricional e também à formação de AGE's. Então concluindo, o aquecimento vai fazer com que haja a desnaturação das proteínas, ou seja, faz aquele caminho inverso da formação das proteinas, isso faz com que a digestão seja um pouco mais rápida e também em alguns casos como o ovo, o aquecimento desativa inibidores de digestão proteica, por isso o ovo cru é menos absorvido que o ovo cozido, por exemplo. O aquecimento, dependendo da temperatura, tempo e outros fatores pode causar a reação de Maillard e consequentemente pode diminuir a quantidade de proteínas e também favorecer a formação de AGE’s. Agora respondendo à pergunta do início, posso esquentar meu whey? A menos que você viva apenas à base de bolinhos de whey, não vejo problema algum. A perda nutricional não é tanta (até mesmo irrisória) e quanto aos AGE’s nosso organismo sabe lidar com eles. Então faça tranquilo seu bolinho de whey e seja feliz. Lembrando que a reação de Maillard não é exclusiva do Whey, ela acontece em qualquer alimento que tenha os substratos necessários para ocorrer, pode ser em uma carne, em um pão, um bolo, suco de laranja, leite, etc. Então não precisa se preocupar muito em evitar de esquentar seu whey porque, provavelmente, você ingere outras fontes de AGE's. Daria pra aprofundar mais na reação de Maillard, em outras reações, mas o texto ficaria muito grande e muito "técnico" pela complexidade. Abraços. Fontes: Bioquimica Ilustrada - Pamela Champ Química do processamento de alimentos - Bobbio Diets rich in Maillard reaction products affect protein digestibility in adolescent males Stability of whey proteins during thermal processing - a review Safety assessment of maillard reaction products of chicken bone hydrolysate using sprague dawley rats Implicações da reação de maillard nos alimentos e nos sistemas biológicos Food processing and maillard reaction products AGEs e complicações diabéticas