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Câncer e Vitamina A
Saúde & Qualidade de Vida - Patologia & Nutrição
O câncer é causado, na maioria das vezes, por mutação ou por ativação anormal de genes celulares que controlam o crescimento e a mitose (divisão de 1 célula por 2 novas) celulares. Contudo, a probabilidade das mutações pode ser aumentada, por muitas vezes, quando a pessoa é exposta a determinados fatores:
Químicos - Exemplo: radiação e compostos chamados carcinogênicos;
Físicos - irritantes, exemplo: abrasão causada no estômago devido a certos tipos de alimentos;
Biológicos - Exemplo: tendência hereditária. (Guyton e Hall, 1998)
Vitamina A
As vitaminas são compostos orgânicos existentes nos alimentos que não são providos de energia, ou seja, não fornecem calorias e são de grande importância para o organismo, sendo que variam amplamente quanto à estrutura química e atividade biológica, podendo funcionar tanto como co-fatores de enzimas em diferentes reações bioquímicas, quanto como antioxidantes/oxidantes (Olson,1994).
O termo vitamina A é genérico e refere-se a todos os retinóides com atividade biológica de vitamina A, incluindo uma ampla variedade de compostos naturais e sintéticos.
Existem três formas de vitamina A no organismo, todas ativas: retinol (álcool), retinaldeído (aldeído) e ácido retinóico (ácido). A vitamina A é relativamente estável ao calor, mas sensível à ação do oxigênio e , principalmente, da luz, pela ação dos raios ultravioleta. Ela se origina de dois grupos de compostos: os carotenóides pró-vitamina A (alimentos de origem vegetal) e o retinol (alimentos de origem animal) ( Dutra-de-Oliveira e Marchini, 1998).
Alimentos fonte de vitamina A:
Origem vegetal: óleos extraídos de palmáceos; frutas e hortaliças de cor amarelo-alaranjado e verde escuros.
Origem animal: produtos lácteos, óleos de fígado e de bacalhau.
Vitamina A x Câncer
O processo carcinogênico é caracterizado por um estado oxidativo crônico, especialmente na etapa de promoção (Cerutti,1994) e a fase de iniciação está associada ao dano irreversível no material genético da célula, muitas vezes devido ao ataque de radicais livres (Anderson,1996). Desse modo, os nutrientes antioxidantes poderiam reduzir o risco de câncer inibindo danos oxidativos no DNA (Cerutti,1994; Cozzi et al.,1997; Pool-Zobel et al.,1997), sendo portanto considerados como agentes potencialmente quimiopreventivos (Bonne et al.,1990).
Discute-se atualmente a eficácia da ingestão de quantidades elevadas de vitaminas para além de atender as demandas do organismo, executarem suas funções nutricionais, no sentido de prevenção (Olson,1994, Hathcock,1997).
Relatos de estudos epidemiológicos observacionais têm evidenciado que a ingestão de micronutrientes, tais como vitaminas e minerais, pode prevenir alguns tipos de câncer. Dentre os micronutrientes tem-se focalizado o uso da vitamina A e dos denominados antioxidantes, ou seja, os carotenóides, as vitaminas C e E, e em alguns casos, o selênio e o zinco (Byers & Perry,1992; Blumberg,1995; Flagg et al.,1995; Patterson et al.,1997).
Os efeitos protetores das vitaminas observados têm sido atribuídos, em grande parte, ao conteúdo de vitaminas denominadas antioxidantes e de carotenóides dos alimentos (Ziegler et al.,1992; Tavani & La Vecchia,1995; Ziegler et al.,1996a).
As vitaminas mais investigadas como substâncias quimiopreventivas são as vitaminas A incluindo os carotenóides e as vitaminas C e E. Sabe-se que, por um lado, as vitaminas C e E e os carotenóides funcionam como antioxidantes em sistemas biológicos (Rock et al.,1996; Stahl & Sies,1997).
A atividade quimiopreventiva dos retinóides observada tanto em modelos experimentais de carcinogênese quanto em alguns tipos de cânceres em humanos, tem sido atribuída à ação do ácido retinóico sobre a expressão de genes envolvidos com a diferenciação e proliferação celulares (Lotan,1996).
Os estudos na área de oncologia são dificultados pelo fato do câncer ser uma síndrome que envolve várias etapas, em geral alinhadas em três estágios definidos como iniciação, promoção e progressão (Pitot & Dragan,1996). Além disso, o processo de carcinogênese envolve múltiplos fatores determinantes, sendo complicada a tarefa de se isolar um único nutriente como fator causal (Doll,1996).
Estudos
Alguns estudos foram realizados visando determinar a relação da suplementação de vitaminas e a ocorrência do câncer. Uma pesquisa realizada na China em 1993, concluiu que a suplementação conjunta de vitamina E, beta-caroteno e selênio foi benéfica para indivíduos de populações com baixo consumo de micronutrientes e com concentrações plasmáticas reduzidas de carotenóides. Assim, observou-se uma redução de 21% na mortalidade por câncer de estômago e de 9% na mortalidade total (Silva e Naves, 2001).
No estudo Physicians' Health Study (PHS) (Hennekens et al.,1996), com 22 071 médicos que foram acompanhados por 12 anos, não houve diferença significativa entre o grupo que recebeu suplementação de beta-caroteno (50 mg em dias alternados) e o grupo placebo, em relação à incidência de câncer ou mortalidade por todas as causas (Silva e Naves, 2001).
No estudo Alpha-Tocopherol, Beta-Carotene Cancer Prevention Study (ATBC), os tabagistas filandeses que receberam beta-caroteno (20 mg/dia) e beta-caroteno mais vitamina E (50 mg/dia) não responderam positivamente à suplementação; ao contrário, constatou-se nesses indivíduos um aumento de 18% na incidência de câncer de pulmão e de 8% na mortalidade total (Alpha-Tocopherol..., 1994; Albanes et al.,1995). Entretanto, observou-se em todos os grupos, que o consumo e os níveis séricos de beta-caroteno e de alpha-tocoferol ao início do estudo foram inversamente associados com o risco de câncer de pulmão no decorrer do estudo (Alpha-Tocopherol..., 1994).
O estudo Beta-Carotene Retinol Efficacy Trial (CARET), por sua vez, investigou o efeito da suplementação conjunta de beta-caroteno (30 mg/dia) e vitamina A (25 000 U) em uma população de alto risco para câncer de pulmão (fumantes e trabalhadores expostos ao asbesto), por um período de cerca de 5 anos (Omenn et al.,1996). Este estudo foi interrompido 21 meses antes do término, uma vez que foi constatado, no grupo suplementado, um aumento na incidência de morte por qualquer causa, incluindo câncer de pulmão.
Foi proposto o estudo Suplementação com Vitaminas e Minerais Antioxidantes (SUVIMAX) iniciado em 1994, na França (Hercberg et al.,1998). Trata-se de um estudo epidemiológico prospectivo, de intervenção, que tem como objetivo avaliar os efeitos do consumo concomitante de vitaminas e minerais antioxidantes, suplementados em doses mais fisiológicas (próximas às recomendações nutricionais) sobre a mortalidade por câncer, por um período de 8 anos. A população do referido estudo constitui-se de indivíduos não submetidos a fatores de risco e mais jovens que aquela dos estudos mencionados anteriormente.
Conclusão e Recomendações
Os resultados de estudos epidemiológicos indicam que a ingestão de quantidades fisiológicas de antioxidantes, tais como as vitaminas C e E e os carotenóides, pode retardar ou prevenir o aparecimento de câncer. No entanto, não indicam que o uso de suplementos de micronutrientes pode reduzir as taxas de incidência de câncer.
Por outro lado, organizações de diferentes países têm publicado guias alimentares que estabelecem algumas recomendações básicas, dentre elas a adoção de uma dieta rica em frutas e hortaliças (Bruce,1987; Willett,1994; Hunt,1996). Recomenda-se, mais especificamente, o consumo de 5 ou mais porções diárias desses alimentos (Havas et al.,1994), sendo que a Organización Mundial de La Salud sugere um consumo diário mínimo de 400 g de frutas e hortaliças, como uma estratégia de prevenção de doenças crônicas, especialmente o câncer. Vale lembrar que a prática dessas recomendações resulta em uma dieta mais equilibrada e saudável, gerando sobretudo aumento no aporte de vitamina C, carotenóides e de fibras alimentares, bem como redução no consumo de energia e gorduras (Organización Mundial...,1990; Cox et al.,1998).
A suplementação de vitaminas e minerais, por sua vez, está preconizada somente no caso de aporte insuficiente na alimentação, não excedendo às quantidades recomendadas pelo Conselho Nacional de Pesquisa dos EUA - Recommended Dietary Allowances (RDA) - (Silva & Naves, 1998) e em certas situações fisiológicas e em situações clínicas específicas (Hunt,1996; Zeisel, 2000). Entretanto, a ingestão de quantidades um pouco acima daquelas recomendadas, através do consumo de uma alimentação variada, rica em frutas e hortaliças, parece ser bastante segura e saudável (Organización Mundial...,1990; Willett,1994; Hathcock,1997).
De uma forma geral, estes achados inesperados levaram a comunidade científica a reconsiderar a relação entre antioxidantes e câncer, à luz da influência de fatores tais como dose suplementada, fator de risco, idade dos indivíduos, etc (Silva e Naves, 2001).
O aporte de quantidades mais elevadas, na forma de suplementos, não está indicado, podendo inclusive ser deletério para o organismo, conforme constatado nos estudos de suplementação (Silva e Naves, 2001).
São necessárias mais informações científicas para comprovar os eventuais benefícios da suplementação com nutrientes antioxidantes. O estudo SUVIMAX, em andamento na França, poderá contribuir significativamente para o esclarecimento desta questão (Silva e Naves, 2001).
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www.scielo.com.br
[ Scielo ]
Silva CRM, Naves MMV. Suplementação de Vitaminas na Prevenção de Câncer. Rev. Nutr. v.14 n.2 Campinas maio/ago. 2001
(Recebido para publicação em 14 de junho e aceito em 1 de setembro de 2000)
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