Exercícios aleatórios geram resultados aleatórios. Para melhorar os resultados, é preciso seguir uma rotina de treino planejada que garanta uma progressão adequada.
No entanto, você também deve aprender a customizar qualquer rotina de treino por conta própria, considerando suas diferenças individuais e suas flutuações diárias de energia.
Nesse sentido, o conceito de autorregulação é falado há muito tempo.
Neste artigo, você aprenderá o que é autorregulação e como aplicá-la em seus treinos para melhorar seus resultados.
Limitações da abordagem clássica
Muitos programas de treino baseiam a progressão em porcentagens de 1RM (uma repetição máxima), ou o peso máximo que você pode levantar uma vez em um determinado exercício.
É uma estratégia válida para começar, e de fato é a mais usada na maioria dos programas por ai.
Uma vez estimada a 1RM (geralmente com alguma fórmula), o próximo bloco de treinamento é planejado, indicando para cada sessão o número de repetições a serem realizadas e a intensidade.
Por exemplo, para cada exercício você indicaria algo como 3 × 5 a 85% de 1RM , o que implicaria em realizar 3 séries de 5 repetições com 85% de 1RM.
Se sua última estimativa de 1RM nesse exercício é 120 kg, você usaria 96 kg (85% de 120).
Porém esta estratégia de planejamento fixa tem vários problemas:
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- Seu 1RM real não é fixo, mas varia a cada dia. Ele flutua de acordo com uma infinidade de fatores, tanto fisiológicos quanto psicológicos. Se você passar vários dias dormindo mal ou tiver reduzido a ingestão de calorias, certamente sua força estará reduzida. Planejar sua sessão hoje de acordo com seu 1RM de várias semanas atrás não é a melhor proposta.
- O número de repetições que cada pessoa pode realizar com um determinado % de 1RM varia muito. Com 85% de 1RM algumas pessoas poderiam realizar 4 repetições e outras 8, tornando a prescrição de um determinado dia do programa excessiva para alguns, mas insuficiente para outros.
- Usar porcentagens de 1RM é interessante para exercícios compostos mas não tanto para exercícios isolados. Faz pouco sentido fazer rosca direta com base em seu 1RM, por exemplo.
Uma opção muito mais simples, mas eficaz, é baseada na taxa de esforço percebido, ou RPE em inglês.
Vamos primeiro explicar alguns conceitos e depois passar para as aplicações práticas.
RPE e RIR como medidores de intensidade
RPE é um conceito desenvolvido por Gunnar Borg e consiste basicamente em atribuir uma classificação ao seu nível de esforço realizado.
Embora existam várias escalas, a de zero a dez é a mais utilizada.
Por ser uma métrica subjetiva, essa percepção de esforço era tradicionalmente negligenciada pela ciência do esporte, que buscava as causas da fadiga em variáveis duras e objetivas: nível de glicogênio, relação testosterona/cortisol, dano muscular, variabilidade da frequência cardíaca e por ai vai.
No entanto, após décadas tentando descobrir qual é o fator limitante para o desempenho, concluiu-se que nem sempre é uma questão muscular ou energética, mas, também, cerebral.
O cérebro integra uma infinidade de variáveis e nos faz sentir um certo nível de esforço, justamente o que o RPE tenta estimar.
A fadiga não é um sinal de entrada para o cérebro dos músculos ou pulmões, mas um sinal de saída produzido por seu cérebro.
Surpreendentemente, uma métrica tão subjetiva como RPE acabou por ser um melhor medidor de esforço do que os indicadores fisiológicos clássicos.
Aplicada a musculação, essa ideia pode ser relacionada ao conceito de repetições na reserva, ou RIR em inglês (Reps In Reserve).
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O RIR se refere a quantas repetições adicionais você poderia ter feito com uma arma apontada para sua cabeça. Portanto, representa o quão longe você está da falha muscular e tem uma relação inversa com o RPE.
Um RIR de zero representa seu esforço máximo e, portanto, um RPE de dez.
Podemos adicionar granularidade, e um RIR de zero poderia ser associado a um RPE de 9,5 se pensássemos que poderíamos ter feito as mesmas repetições com um pouco mais de peso.
Uma infinidade de estudos indica que essas métricas subjetivas são muito úteis para autorregular a intensidade e o volume do treinamento.
Benefícios da autorregulação
O objetivo final da autorregulação é adaptar o treinamento ao seu nível real de energia, tanto de maneira geral como a qualquer momento.
Seguir um programa que sempre exige seu melhor esforço pode fazer você progredir rapidamente no início, mas aumenta o risco de frustração, estagnação e lesões.
Ao contrário, um programa que nunca o aproxima de seu esforço máximo real sempre o manterá longe de seu potencial.
Qual é a solução?
Siga um plano, mas adapte cada sessão de treinamento à sua capacidade real .
A autorregulação melhora os resultados no longo prazo, adaptando o estímulo do treinamento às suas constantes flutuações de prontidão
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Vários estudos indicam que ajustar o progresso de acordo com suas próprias percepções produz melhores resultados do que tentar seguir cegamente os aumentos lineares dos programas gerais.
Aplicando esses conceitos no seu treino
Existem várias maneiras de aplicar essas ideias no treino.
Antes de iniciar o treinamento, avalie como você se sente. Dormiu bem ? Seus músculos ainda estão doloridos ? Você está com vontade de treinar como sempre esteve?
Este é um ponto de partida, mas não o fim.
Mas muito cuidado, autorregulação não significa que você é guiado por suas emoções, mas por sensações específicas e comparáveis.
Como você se sente no início nem sempre é um indicador confiável de como você treinará.
Faça seu aquecimento. Muitas vezes, o simples ato de aquecer melhora tudo. Agora, comece a treinar.
Opção 1: ajustar a intensidade
Uma possibilidade é ajustar a carga em vez de seguir cegamente a prescrição do programa.
Em vez de fazer 4 × 8 a 70% de 1RM, você pode executar 4 × 8 com 7 RPE (ou 3 RIR).
Ou seja, você selecionaria um peso na primeira série com o qual estima atingir essa faixa de repetições com aquele nível de esforço. A partir de suas sensações, você ajusta o peso na seguinte série .
Opção 2: ajustar o volume
Outra alternativa seria definir o peso (por exemplo, 70% do seu 1RM) e ajustar o volume até atingir um esforço máximo pré-definido, denominado. Seguindo este exemplo, você pode definir um RPE limite de 8, repetindo até atingir esse RPE.
Outra possibilidade seria escolher o número de repetições em cada série, então somar séries até chegar ao RPE desejado.
Quer você adapte o volume ou a intensidade, isso deve ser feito por grupos musculares.
Talvez suas pernas estejam cansadas porque você jogou futebol com seus amigos e diminuiu o volume do agachamento, mas você conseguiu trabalhar o peitoral com mais intensidade.
A importância de registrar seus treinos
Registrar os detalhes de seus treinos é a chave para o progresso.
O que não é medido não pode ser gerenciado.
Ao usar essa estratégia de autorregulação, você não deve simplesmente registrar as séries, repetições e pesos, mas também o RPE para cada série.
Também pergunte a si mesmo quantas repetições extras você poderia ter feito se sua vida dependesse disso (RIR).
No final do seu treino, registre o RPE total para essa sessão de treino também.
Este registro o ajudará de três maneiras importantes.
- Será mais um indicador do seu progresso. Se você levantar o mesmo que algumas semanas atrás, mas com um RPE menor, você está progredindo, afinal você usou a mesma carga e se sentiu menos cansado.
- Você poderá analisar como seu RPE flutua ao longo das semanas. Se permanecer alto por várias sessões e sua pontuação não melhorar, pode ser hora de fazer o de-load. Essa estratégia é muito melhor do que apenas agendar de-load quando “der na telha”, como muitos programas fazem.
- Por fim, fazer essa reflexão durante e após o treinamento o ajudará a refinar suas próprias percepções. Uma boa autorregulação requer uma boa compreensão interna de seu próprio corpo e, para isso, você deve ouvi-la com frequência.
Conclusões e advertência
Adaptar seu programa de treinamento de acordo com suas percepções de esforço o torna mais eficaz e mais suportável, melhorando a aderência e os resultados em longo prazo.
No entanto, isso não significa que você deve ignorar a importância da elaboração do treino.
Você precisa de um bom plano para progredir, você apenas não precisa ser escravo do treino e pular no precipício só porque alguém disse pra você fazer isso.
A capacidade de autorregulação é mais uma habilidade que você aperfeiçoará com a prática.
Quanto mais você escuta seu corpo, mais válidas serão suas percepções de esforço. Portanto, quanto mais iniciante você for, mais você precisa confiar no treino e a autorregulação vem com o tempo.
Por último, não use o RPE como desculpa para não treinar muito.
Se você sempre ficar longe do treino pesado, o progresso será lento
A única maneira de conhecer onde estão seus verdadeiros limites é tentando chegar mais perto deles, pelo menos de vez em quando.
Cautelosamente, mas com determinação. Os melhores resultados são obtidos combinando a cabeça com seu instinto de treino.
Referências
O Hipertrofia.org mantém critérios rigorosos de referências bibliográficas e dependemos de estudos revisados por pares e pesquisas acadêmicas conduzidas por associações e instituições médicas. Para obter mais informações detalhadas, você pode explorar mais lendo nosso processo editorial.
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