Você já deve ter ouvido que comer refeições pequenas e frequentes é a chave para ficar gigante. Isto acelera o metabolismo, controla a fome e ainda mantém a insulina sob controle – um coquetel para melhorar o corpo. Bom, pelo menos é o que escutamos em rodas de academia.
Quais evidências suportam a prática de espalhar várias refeições no decorrer do dia ? Vamos ver o que a ciência diz a respeito.
Acelerar o metabolismo
Os defensores da teoria de que devemos comer várias refeições por dia dizem que esta prática acelera o metabolismo. Isto se baseia na ideia de que quando ficamos muito tempo sem comer, o corpo entra em “modo de emergência”, fazendo com que o metabolismo fique lento para poupar energia.
Enquanto na teoria a ideia parece fazer muito sentido, na prática as evidências que tentam provar tal alegação são muito fracas. LeBlanc et al. (1) descobriu que alimentar cachorros quatro vezes por dia dobrou a resposta termogênica (queima de gordura) comparado com apenas uma refeição grande. Outro estudo, pelos mesmos pesquisadores, descobriram que humanos também passaram por maior queima de gordura quando houve refeições frequentes (2).
Em contra partida, vários estudos falharam em mostrar que a frequência das refeições tenha algum efeito notável no metabolismo (3 ao 7). Não foi possível provar nenhum aumento de velocidade no metabolismo ao separar a ingestão de nutrientes através de múltiplas refeições.
A questão do metabolismo acelerado por várias refeições também é atribuída ao efeito térmico da comida (Thermic Effect of Food ou TEF). O TEF é simplesmente a energia que gastamos ao digerir algo. Os macronutrientes possuem diferentes TEFs, com a proteína causando o maior gasto de energia e a gordura o menor. Uma refeição contendo os três macronutrientes (proteína, carboidrato e gordura) queima 10% do total das calorias ingeridas por causa do TEF.
Com isto em mente, vamos ver como uma dieta de 2400 calorias é afetada pelo TEF: gigamos que você dividiu essa dieta em apenas três refeições de 800 calorias, o TEF vai ser de 80 calorias por refeição. Multiplicado por três, gastaremos 240 calorias só para digerir os alimentos consumidos no dia.
Agora, se você fizer a mesma dieta de 2400 calorias, mas dividindo em seis refeições, o TEF será de 40 calorias por refeição. Agora multiplique por seis e voilà! Você gastará as mesmas 240 calorias. Assumindo que você ingeriu os mesmos alimentos em ambas as divisões da dieta (3 e 6 refeições), não houve diferença no metabolismo.
Diminuir a fome
Outro argumento a favor das várias refeições por dia é que isto ajuda a controlar o apetite. Tendo como defesa a ideia de que se ficarmos muito tempo sem comer, os níveis de açúcar no sangue ficam baixos, mandando sinais para o cérebro dizendo que precisamos urgente de comida, especialmente carboidratos simples, o que causaria surtos de fome.
Porém, a ciência parece não concordar com esta teoria também. Enquanto alguns estudos mostraram que os envolvidos não ficaram com tanta fome quando as refeições foram espalhadas durante o dia (8 ao 11), outros falharam em detectar qualquer diferença nos índices de fome independente de quantas refeições foram feitas no dia (12,13).
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Por ironia, alguns estudos descobriram que comer apenas três refeições promoveu maior sensação de saciedade (6,14). E tem mais, as evidências são muito conflitantes ao tentar mostrar quantas refeições por dia podem afetar os hormônios da fome e saciedade (13,15). Trocando em miúdos, a crença de que várias refeições por dia controla a fome é na melhor das hipóteses um equívoco e na pior, uma questão meramente individual.
Controlar a insulina
Um argumento comum para defender a alta frequência de refeições por dia é que tal hábito possui um efeito “amigo” para a insulina. De acordo com esta hipótese, comer refeições grandes e poucas vezes ao dia, causa descontrole nos níveis de açúcar e consequentemente picos gigantes de insulina. Considerando o papel da insulina como hormônio de “armazenamento”, quanto maior o pico de insulina, maior o acúmulo de gordura. Parece correto e óbvio, mas a validade de tal argumento é no máximo confusa.
Vários estudos mostraram que consumir mais refeições no dia produz um efeito favorável no controle da glicose (16 ao 20), consequentemente gerando menos picos de insulina. Mas a questão que fica é: estas descobertas importam ? Considerando a perda de gordura como ponto de vista principal, a resposta é: não importam tanto.
Munsters et al. (21) descobriu que enquanto várias refeições por dia produzem menos picos de insulina quando comparados a poucas refeições, não houve diferença na oxidação de gordura entre os grupos envolvidos no estudo. Em outras palavras, independente da frequência das refeições, ambos os grupos perderam a mesma quantidade de gordura.
Este estudo foi muito condecorado pela sua metodologia rigorosa. Os cientistas fizeram um design do estudo onde as mesmas pessoas fizeram ambos os tipos de dieta e consumiram exatamente os mesmos tipos e quantidade de comida. E todos os envolvidos eram magros, adultos e saudáveis, o que tem uma ligação mais favorável com quem treina.
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Siga-nos no InstagramA mensagem final é que aqueles que tentam perder gordura através do controle da insulina estão de olho no prêmio errado – o inimigo é o excesso de calorias, não a insulina.
Melhorar a composição corporal
Composição corporal: conceito que analisa as proporções de massa muscular e gordura no corpo, do ponto de vista funcional e de performance.
Avaliar os diversos efeitos que a frequência de refeições têm no corpo é interessante, mas no final da história, a única coisa que importa para nós é se isso melhora ou não a composição corporal, e aqui as coisas ficam complicadas.
O estudo mais citado pelos defensores das refeições mais frequentes é um envolvendo boxeadores que realizaram uma dieta de 1200 calorias por apenas duas semanas (22). Um grupo consumiu as calorias divididas em duas refeições, enquanto outro em seis refeições.
No final do estudo, o grupo que fez várias refeições conseguiu manter mais massa muscular do que o grupo que fez apenas duas refeições, tendo uma perda de peso similar em ambos os grupos. Enquanto estas descobertas são interessantes para os que fazem várias refeições por dia, precisamos notar que o período do estudo foi extremamente curto(apenas duas semanas). Se os efeitos seriam os mesmos nas semanas seguintes é muito especulativo.
Sem contar que todos ingeriram apenas 60 gramas de proteínas por dia – uma quantidade muito abaixo do que qualquer atleta requer para evitar o catabolismo muscular. Estas limitações tornam difíceis qualquer conclusões sobre o tópico.
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Um estudo recente por Arciero et al. (23) também parece favorecer várias refeições por dia. No estudo, ambos os grupos consumiram dietas com bastante proteína, divididos por três ou seis refeições ao dia, durante dois meses. Ambos os grupos tiveram a mesma perda de gordura (2.5kg para o grupo de três refeições por dia vs. 2.7kg para o grupo de seis refeições.
Contudo, o grupo que consumiu mais refeições por dia ganhou massa muscular (0.6kg), enquanto o grupo de três refeições perdeu massa muscular(-0.9kg). Mas novamente, precisamos ver os resultados com cautela. Neste caso, o estudo envolveu apenas mulheres obesas, que não faziam nenhum tipo de exercício, muito menos treino pesado de musculação. Se os resultados seriam os mesmos em um grupo composto apenas por pessoas que faziam musculação, ninguém sabe.
Outro detalhe estranho, é que no estudo, a frequência das refeições teve impacto notável na massa muscular, mas os efeitos anabólicos do consumo da proteína tendem a durar até 6 horas (24). Isto levanta dúvidas sobre a validade de medidas usadas no estudo.
Em oposição às descobertas supracitadas, um número de estudos mostraram que não houve benefícios para a composição corporal ao realizar refeições frequentes (13,25). Na verdade, um estudo muito bem controlado realizado por Stote et al. (8) descobriu que um grupo de adultos, com pesos normais e de meia idade, perdeu mais gordura seguindo uma dieta contendo apenas uma refeição por dia, comparada com outra dieta com as calorias espalhadas em três refeições.
Calma, jovem padawan
Isto não quer dizer que você precisa fazer uma refeição por dia ou que este é o método ideal. A metodologia drástica do estudo serve apenas para comprovar o ponto de vista.
Conclusão
O que a ciência pode nos dizer sobre a frequência das refeições ?
- As alegações de que comer várias vezes por dia “acelera o metabolismo” são extremamente exageradas. Na melhor das hipóteses, as pesquisas sobre o tema são conflitantes, deixando mais questões do que respostas.
- Existem evidências de que comer várias vezes ao dia pode ter um efeito positivo na síntese de proteína (22,26,27), mas isto só pode ser observado em casos onde o consumo de proteína era muito baixo. É altamente especulativo se estes fatos se mantém verdadeiros para pessoas que consomem 1.6 gramas de proteína por kg ou mais por dia, ou seja, qualquer pessoa que siga dieta para hiperofia.
- Se você é um fisiculturista querendo ganhar um campeonato, até mesmo pequenas mudanças na composição corporal podem fazer a diferença entre a vitória e a derrota. O melhor conselho neste caso é experimentar diferentes tipos de frequências de refeições e ver o que funciona melhor para você, já que não há uma conclusão definitiva de qual é melhor.
No final da história, você pode escolher a frequência que se adequa melhor ao seu estilo de vida. Se você gosta de fazer várias refeições por dia, então continue assim. Por outro lado, se você só pode comer poucas vezes no dia, esta é uma opção viável também. Apenas escolha um tipo de frequência e se mantenha nela – existem evidências de que ficar mudando frequentemente o padrão de comer pode afetar negativamente as funções metabólicas (28,29).
Traduzido e adaptado por Hipertrofia.org
Artigo original: https://www.t-nation.com/diet-fat-loss/whats-best-3-or-6-meals-per-day
Referências:
1. LeBlanc J, Diamond P. Effect of meal size and frequency on postprandial thermogenesis in dogs. Am J Physiol. 1986 Feb;250(2 Pt 1):E144-7.
2. LeBlanc J, Mercier I, Nadeau A. Components of postprandial thermogenesis in relation to meal frequency in humans. Can J Physiol Pharmacol. 1993 Dec;71(12):879-83.
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3. Verboeket-van de Venne WP, Westerterp KR. Influence of the feeding frequency on nutrient utilization in man: Consequences for energy metabolism. Eur J Clin Nutr. 1991 Mar;45(3):161-9.
4. Taylor MA, Garrow JS. Compared with nibbling, neither gorging nor a morning fast affect short-term energy balance in obese patients in a chamber calorimeter. Int J Obes Relat Metab Disord. 2001 Apr;25(4):519-28.
5. Kinabo JL, Durnin JV. Effect of meal frequency on the thermic effect of food in women. Eur J Clin Nutr. 1990 May;44(5):389-95.
6. Ohkawara K, Cornier MA, Kohrt WM, Melanson EL. Effects of increased meal frequency on fat oxidation and perceived hunger. Obesity (Silver Spring). 2013 Feb;21(2):336-43.
7. Hill JO, Anderson JC, Lin D, Yakubu F. Effects of meal frequency on energy utilization in rats. Am J Physiol. 1988 Oct;255(4 Pt 2):R616-21.
8. Stote KS, Baer DJ, Spears K, Paul DR, Harris GK, Rumpler WV, et al. A controlled trial of reduced meal frequency without caloric restriction in healthy, normal-weight, middle-aged adults. Am J Clin Nutr. 2007 Apr;85(4):981-8.
9. Speechly DP, Rogers GG, Buffenstein R. Acute appetite reduction associated with an increased frequency of eating in obese males. Int J Obes Relat Metab Disord. 1999 Nov;23(11):1151-9.
10. Speechly DP, Buffenstein R. Greater appetite control associated with an increased frequency of eating in lean males. Appetite. 1999 Dec;33(3):285-97.
11. Smeets AJ, Westerterp-Plantenga MS. Acute effects on metabolism and appetite profile of one meal difference in the lower range of meal frequency. Br J Nutr. 2008 Jun;99(6):1316-21.
12. Leidy HJ, Tang M, Armstrong CL, Martin CB, Campbell WW. The effects of consuming frequent, higher protein meals on appetite and satiety during weight loss in overweight/obese men. Obesity (Silver Spring). 2011 Apr;19(4):818-24.
13. Cameron JD, Cyr MJ, Doucet E. Increased meal frequency does not promote greater weight loss in subjects who were prescribed an 8-week equi-energetic energy-restricted diet. Br J Nutr. 2010 Apr;103(8):1098-101.
14. Leidy HJ, Armstrong CL, Tang M, Mattes RD, Campbell WW. The influence of higher protein intake and greater eating frequency on appetite control in overweight and obese men. Obesity (Silver Spring). 2010 Sep;18(9):1725-32.
15. Solomon TP, Chambers ES, Jeukendrup AE, Toogood AA, Blannin AK. The effect of feeding frequency on insulin and ghrelin responses in human subjects. Br J Nutr. 2008 Oct;100(4):810-9.
16. Jenkins DJ, Wolever TM, Vuksan V, Brighenti F, Cunnane SC, Rao AV, et al. Nibbling versus gorging: Metabolic advantages of increased meal frequency. N Engl J Med. 1989 Oct 5;321(14):929-34.
17. Jenkins DJ, Ocana A, Jenkins AL, Wolever TM, Vuksan V, Katzman L, et al. Metabolic advantages of spreading the nutrient load: Effects of increased meal frequency in non-insulin-dependent diabetes. Am J Clin Nutr. 1992 Feb;55(2):461-7.
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19. Bertelsen J, Christiansen C, Thomsen C, Poulsen PL, Vestergaard S, Steinov A, et al. Effect of meal frequency on blood glucose, insulin, and free fatty acids in NIDDM subjects. Diabetes Care. 1993 Jan;16(1):4-7.
20. Rashidi MR, Mahboob S, Sattarivand R. Effects of nibbling and gorging on lipid profiles, blood glucose and insulin levels in healthy subjects. Saudi Med J. 2003 Sep;24(9):945-8.
21. Munsters MJ, Saris WH. Effects of meal frequency on metabolic profiles and substrate partitioning in lean healthy males. PLoS One. 2012;7(6):e38632.
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23. Arciero PJ, Ormsbee MJ, Gentile CL, Nindl BC, Brestoff JR, Ruby M. Increased protein intake and meal frequency reduces abdominal fat during energy balance and energy deficit. Obesity (Silver Spring). 2013 Jul;21(7):1357-66.
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